O Saúde 10 da 53ª da Healthcare Management traz uma entrevista exclusiva com Yussif Ali Mere Jr., presidente da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Fehoesp). Yussif, que recebeu a equipe de jornalismo em sua clínica em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Yussif fala sobre os importantes desafios do setor como a desospitalização, a integração entre a saúde pública e privada e a urgente mudança do modelo vigente. Sobre política, o presidente da Fehoesp dispara: “Os políticos tratam o assunto [saúde] como prioridade em suas promessas de campanha. Mas, na prática, a prioridade não acontece.”
1- Segundo o Boletim Econômico da Saúde, lançado pela Fehosp em março deste ano, o crescimento do nível de emprego na Saúde é insuficiente. Como o Sr. avalia este dado considerando o delicado momento em que o país vive?
Apesar do registro de crescimento do nível de emprego e de serviços de saúde no Brasil, os números ainda são muito tímidos. Creio que não podemos falar em crescimento do setor. Há três anos, a Saúde criava 45 mil empregos em apenas 30 dias. Em comparação, foram criados 44.505 postos de trabalho no acumulado de janeiro a dezembro de 2017. Esses números apontam para uma lenta e pequena recuperação da crise
econômica, que também afetou o segmento. Para 2018, esperamos uma recuperação mais expressiva.
2- Ainda de acordo com o boletim, um setor que se destacou foi o de home care. Esse crescimento reflete quais necessidades que a Saúde deverá suprir?
O setor de home care cresceu 34% no período de janeiro a dezembro de 2017. O desenvolvimento dessas empresas está diretamente ligado ao processo de envelhecimento da população brasileira, refletindo a necessidade de uma assistência menos onerosa e com maior resolutividade. A desospitalização já é uma
realidade e precisa ser incentivada a medida em que os custos com hospitalização crescem. Isso não
significa que a internação não deva acontecer, mas ela é apenas uma parte do processo do cuidado e
não pode ser a mais importante.
3- O SUS completa 30 anos em 2018. O que temos a comemorar com essa data tão simbólica?
O SUS é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira, mas tem princípios bastante ousados,
que são a integralidade, a universalidade e a equidade. Em tese, isso significa que todos os brasileiros têm direito a tudo em saúde, a qualquer tempo e de forma igualitária, sem discriminação. Em um país com a dimensão continental do Brasil e uma população de 207,7 milhões, os números do SUS impressionam: são cerca de 330 mil leitos conveniados e realizados, anualmente, mais de 12 milhões de internações e 4,2 bilhões de procedimentos ambulatoriais. Temos tido muitos avanços, como os obtidos com as campanhas de vacinação, a assistência farmacêutica, o financiamento para transplantes e a atuação da vigilância sanitária.
4- No que temos que evoluir para dar mais eficiência ao SUS?
O subfinanciamento é uma das barreiras para melhorar o atendimento, mas não podemos deixar de falar a ineficiência do gasto público. Precisamos ser mais eficientes, fechar os ralos da corrupção e combater o mau uso do dinheiro público. Uma solução é organizar a assistência em rede, que deve ser gerida com meritocracia e utilização plena, almejando um custo menor. Precisamos de um sistema organizado e descentralizado, com enfoque preventivo, para evitar duplicidade de atendimento e desperdício de recursos. Paradigmas têm de ser rompidos, sejam eles ideológicos ou corporativos. Precisamos fomentar
uma maior integração entre o público e o privado, utilizando a melhor expertise de ambos, seja em tecnologias ou em novos modelos de gestão.
5- Por onde podemos começar a acelerar esta mudança rumo à sustentabilidade do setor?
O modelo assistencial do SUS é ideal no papel. Mas na prática não funciona, porque a demanda é muito grande e porque não há uma gestão eficiente. Na maioria das vezes, quem está na fila da emergência não deveria estar. Essa pessoa poderia ter o seu problema resolvido num equipamento mais simples. Há também o agravamento dos problemas, por conta do tempo de espera. Como um câncer não diagnosticado no início, por exemplo. Na iniciativa privada, o modelo assistencial não é ideal nem no papel, porque não há hierarquização. O acesso ao médico especialista é livre e às emergências também. Não existe um fluxo lógico de atendimento, nem a disseminação da cultura da prevenção.
6- Para isso, temos que mudar o modelo vigente, certo?
Sim, e esta mudança é urgente, bem como a intersecção dos serviços de saúde. A iniciativa privada tem muito a contribuir no que diz respeito à gestão e à eficiência. Por outro lado, o Estado não gere bem os recursos que tem. Acredito que um grande passo é estabelecer um novo pacto, entre a iniciativa privada
e o poder público, sem ideologias, num sistema transparente de contratação e de gestão. Já existem modelos de sucesso neste sentido, mas é preciso ampliá-los.
7- Wilson Pollara, em seu livro “A Saúde Tem Cura”, lançado no ano passado, defende uma reformulação do setor e pontua que o que não falta é dinheiro. O Sr. concorda com essa visão? Temos que discutir a qualidade dos gastos no setor?
Sem dúvida temos que discutir a qualidade dos gastos. Há desperdícios no uso de recursos, por conta do modelo assistencial equivocado e também por outros motivos, como a má formação dos profissionais de saúde e a falta de integração entre os equipamentos de saúde. Hoje, um cidadão percorre várias vezes a rede, e não existe um prontuário único e eletrônico que evite a repetição de exames e consultas, por exemplo. Isso acontece no sistema público e também no privado.
“Precisamos fomentar uma maior integração entre o público e o privado, utilizando a melhor expertise de ambos, seja em tecnologias ou em novos modelos de gestão.”
8- Como o Sr. avalia a relação entre as operadoras de saúde com os prestadores de serviço?
A relação com as operadoras ainda se dá pela relação de desconfiança. E esse custo é alto. Ainda há um número muito alto de glosas e dificuldades com os reajustes dos valores pagos pelos serviços prestados.
A pressão das operadoras de saúde é grande, especialmente porque tivemos um desaquecimento do mercado de planos de saúde nos últimos anos. Então, todos perdemos. Porque à medida em que os
empregos caem, o número de segurados cai junto e todos perdem: planos de saúde, serviços de saúde
e médicos. Outro problema que impacta muito os custos e essa relação comercial é o aumento no
número de idosos entre a população. Porque os custos de saúde no final da vida são mais elevados
e as carteiras dos planos de saúde possuem pessoas com cada vez mais idade. É preciso gerir bem essa
questão e otimizar custos, sem deixar de lado a assistência. Obviamente que a saída não pode por
meio da imposição de barreiras para que idosos ingressem em planos de saúde.
9- Como o Sr. avalia o investimento de grandes grupos na Saúde do país? Qual a sua visão deste movimento no mercado?
Tivemos uma conquista neste sentido nos últimos anos. Isso porque, na Saúde, era proibido que o capital
estrangeiro comprasse hospitais ou demais serviços. Mas era permitido que comprassem, por exemplo,
planos de saúde. Não fazia o menor sentido. Com a abertura do mercado para o capital estrangeiro,
acho que só temos a ganhar. Os grandes grupos, extremamente organizados e com foco em resultado,
trazem para os serviços brasileiros uma noção de de que é necessário arrumar a casa. O processo de
compra não é simples nem rápido, e envolve uma série de questões como segurança jurídica, contabilidade
transparente, liquidez do negócio, etc. Esses quesitos, e muitos outros, são avaliados pelo investidor e
precisam estar em dia para que se confirme o interesse e a venda. Sem contar que a Saúde precisa
de investimento e nossa capacidade de financiamento é limitada. O dinheiro, portanto, é muito bem-vindo.
10- Neste ano vamos ter eleições. Quais são as suas expectativas?
Estamos acostumados a assistir muitos debates relacionados à Saúde em ano de eleição. Todos os candidatos, neste período, se habilitam a debater o tema, porque sabem que a Saúde é uma das maiores preocupações do brasileiro. Em geral, ela está em primeiro lugar no ranking de preocupações. Oscila com a violência, com o desemprego, mas quase sempre lidera o pódio. Os políticos sabem disso e tratam o assunto como prioridade em suas promessas de campanha. Mas, na prática, a prioridade não acontece. Precisamos de pessoas que conhecem, de fato, a Saúde e se preocupam com o setor, ocupando cargos
de liderança na política. Acredito que este ano teremos uma onda de renovação muito grande no Congresso Nacional, por conta da decepção da população em relação ao establishment político. E isso será bom, desde que o eleitor vote com convicção e consciência.
Confira também o vídeo abaixo com Yussif Ali Mere Jr.
Esta matéria foi publicada na 53ª Revista HealthCare Management.