Há alguns anos atrás lancei a ideia do Individual Care. Ou seja, partir do conceito “hospitalocêntrico” que mesmo com a atenção primária (Hoje foco além do setor público também das operadoras de planos de saúde) permanece de certa forma intacto para um novo paradigma, ou seja, todo o tratamento ser focado para o indivíduo, por ele, e através dele. Isso aliado à tecnologia já permite hoje e vai permitir cada vez mais uma capacidade de terapia, diagnóstico e mais importante de tudo, prevenção operando diretamente sem a necessidade de deslocamento do indivíduo até quaisquer locações, ou seja, enquanto faz as suas atividades diárias.
Bom, para que isso possa ser uma realidade, uma série de mudanças são necessárias.
1- A transformação dos hospitais no que chamo de “Hospital as a Service”, fazendo que o hospital tenha as complexidades e esteja equipado para atender as necessidades e demandas da região onde está inserido e mais, buscando atender com sua infraestrutura, profissionais, tecnologia e principalmente logística os indivíduos ligados a instituição (O conceito que temos hoje de ACO(Accountable Care Organization) que é uma organização que junta hospitais, clínicas, médicos e operadoras com o foco de se responsabilizar pelo tratamento e cuidado do paciente (*Nos EUA o contexto está ligado ao Medicare ou Medicaid, mas dá para se imaginar o modelo aqui no Brasil sem estes entes). se aproxima bastante deste conceito mas ainda tem uma centralização muito grande no atendimento dentro do hospital.
2- A evolução das tecnologias e principalmente do uso de tecnologias de interoperabilidade de informação, IOT (Que em saúde tem nuances muito fortes, já que não se pode colocar um software de baixa qualidade e não testado à exaustão e sem uma fortíssima estrutura de segurança de informação para suportar este mundo na saúde. Por isso apelidei isso de “Internet of Bodies” ou de corpos, porque afinal de contas é exatamente isso que estamos conectando aos equipamentos e se trata de um ecossistema complexo o nosso corpo humano), Analytics (E leva-se em conta as novas leis de LGPD que enrijecem o uso de informações privadas de pacientes e dos indivíduos em geral) que permitem uma análise e uma preponderância em prevenção para evitar que o indivíduo já chegue para a sua “manutenção corretiva” ou ainda enfermo às estruturas de atendimento de saúde, muito conhecida hoje como Gestão de Saúde Populacional.
3- Mudança cultural forte na administração do ambiente da saúde e na maneira de atuar de seus profissionais clínicos e assistenciais principalmente. Na parte administrativa, questões como detalhamento claro e individualizado dos custos hospitalares, planejamento financeiro com capacidade de simulações financeiras e maior precisão no controle de recebimentos e custos além de uma maior interação com as operadoras de saúde e principalmente um caminho de utilização de conceitos de “manufatura enxuta” dos processos logísticos garantindo uma rotação de estoques de materiais médicos e medicamentos otimizado e com custos mais competitivos de compras, um tratamento mais claro dos recursos humanos, controle de plantões e gestão em tempo real de equipes de salas cirúrgicas e UTIs, e honorários médicos já dentro de uma metodologia de meritocracia que já vem ocorrendo no segmento vão se intensificar principalmente em sistemas e saúde que ainda não se alinham a estes princípios. Já a área clínico-assistencial terá um grande desafio à frente. Cada vez mais a tecnologia estará inserida no seu dia-a-dia, e, ainda que a princípio isso cause mudanças na forma de atuar com os seus pacientes, tende a facilitar muito o seu trabalho tanto na questão de facilidade diagnóstica, de controle e monitoramento dos pacientes, quanto na questão de dar acesso aos indivíduos para consultas, exames e afins sem a necessidade de deslocamentos tanto do indivíduo que necessita ser atendido quanto dos profissionais que o atendem. Também na onda desta mudança cultural, cada vez mais o profissional clínico e assistencial vai estar mais ligado a eficiência do sistema de saúde onde estiver inserido e a qualidade de atendimento, e a meritocracia (Pagamento por mérito) será uma evolução natural.
4- Considero compulsório este item, ou seja transformar a saúde em um dever ético onde não podem mais permear processos corruptivos, cirurgias e exames desnecessários ou até mesmo “casos de mercenarismo puro” infelizmente praticado ainda no Brasil por algumas instituições que se aproveitam de um indivíduo com plano de saúde mais alto para literalmente “criar doenças e problemas inexistentes” para poder lucrar com eles.
5- Cultura de Inovação é um dos temas mais reforçados no mundo dos sistemas de saúde. Deve começar principalmente afetando os órgãos reguladores que devem se preparar e se estruturar para ter equipes capacitadas nas áreas assim evitando que o país e o povo sejam penalizados por falta de tecnologias e terapias que poderiam salvar vidas e melhorar a saúde das pessoas. De qualquer forma, todos os sistemas de saúde devem incluir nas suas operações um foco direto em inovação. Já vemos algumas instituições no país com diretorias próprias de inovação ou com incubadoras de start-ups para os seus negócios, porém o contexto é mais amplo, ou seja, a cultura de inovação deve permear toda a organização sob o risco de se bloquear a entrada de importantes novidades no segmento que não tenham advindo destas áreas. Hoje temos uma infinidade de novas tecnologias que vem sendo testadas ou implementadas no mercado. Mencionarei algumas para que possamos ter uma ideia deste novo mundo que aproxima a passos largos:
- Uso de Inteligência Artificial nas mais variadas áreas da saúde, no suporte ao diagnóstico clínico, na produtividade de laudos médicos, na gestão da saúde populacional dentre muitos outros
- Nano-medicina – Cada vez mais teremos novidades no segmento que traz tanto capacidades diagnósticas novas(Ex. Exame de endoscopia feito por um nano-robô injetado por uma cápsula engolida pelo paciente) como inclusive terapias não-invasivas no indivíduo. A tendência é um aumento considerável principalmente na área de imagens o que poderá em algum tempo até reduzir o uso de equipamentos de grande porte com radiação e contrastes.
- Robótica – Esta por si só é uma área que cresce profundamente e tem um enorme volume de aplicações como por exemplo as de permitir cirurgias com muito maior precisão do que um cirurgião principalmente em cirurgias que exijam um nível muito alto de precisão, a possibilidade de fazer cirurgias remotas em pacientes, desinfecção hospitalar, atendimento e acompanhamento de pacientes (Ex. idosos e pacientes psiquiátricos) em muitos casos temos também o que chamamos de “cyborguização” da saúde, ou seja, passamos a ter ou externamente ou até internamente peças mecânicas com controle eletrônico (Servomecanismos) ligados aos corpos dos indivíduos(Ex. Exoesqueletos que hoje já permitem pessoas com paralisia caminhar novamente).
- Telemedicina – Neste caso, o caminho cada vez maior de consultas e atendimentos por telemedicina faz com que o acesso do indivíduo aos médicos e aos serviços de saúde aumentem e muito e facilitam a vida das equipes médicas e assistenciais. Regulações neste segmento são de suma importância e os honorários pagos por temos em telemedicina são fundamentais (Hoje já muitos tratamentos nutricionais, psicológicos, etc, são já feitos por Skype ou outras ferramentas de comunicação).
- IOT – Internet das Coisas – A integração dos Wearables e de HealthOns (Equipamentos inseridos no corpo humano) com a Internet permitindo o tratamento de crônicos, situações de risco(Ex. Gravidez de Risco), vícios, além de bem-estar e preventivos, é um caminho sem volta. O volume de equipamentos que estarão conectados ao corpo humano em futuro próximo é dramático.
6- Empoderamento do Paciente – Não gosto muito deste termo, preferia que se chamasse Empoderamento do Indivíduo, já que se fala do indivíduo antes mesmo que ele desenvolva algum tipo de enfermidade, e é em minha opinião, exatamente neste ponto que reside o principal papel deste conceito. Muito se fala neste quesito, porém é fato que o indivíduo gradativamente passa a se sentir responsável pela sua saúde e estilo de vida, e isso faz com que ele busque conhecimentos e comece a colocar em cheque as decisões que lhe são feitas pelas equipes médicas. Logo, isso faz parte de um processo onde o indivíduo começa a compreender a sua direta participação e responsabilidade nos cuidados com sua saúde incluindo tudo o que ela tem de preventivo, como a nutrição, o exercício físico, o psicológico, etc.. bem como o crescimento do seu conhecimento em relação a sua saúde e ao seu eventual tratamento. Há contextos bem polêmicos também neste ponto, como a ideia de alguns especialistas que querem que o indivíduo seja penalizado caso não controle sua saúde de acordo com os padrões estabelecidos. Minha humilde opinião é que este é um processo e não simplesmente um contexto de metas, portanto é sim um processo de educação do indivíduo e de quem o rodeia(Família, etc, corresponsáveis naturais). Logo, sendo assim, o caminho correto não é o da penalização e sim o do incentivo.
7- Eficiência na Gestão dos Recursos – Sem uma melhora extremamente forte na gestão dos recursos e na eficiência dos sistemas de saúde, não haverá como dar vazão as necessidades dos indivíduos. A logística de medicamentos, materiais e equipamentos médicos, bem como de deslocamento de equipes médicas e assistenciais, além da disponibilidade de tecnologia de ponta será muito mais complexa. Se não tivermos eficiência, não só o modelo simplesmente não se sustentará, como também o indivíduo não poderá fazer frente aos seus gastos com saúde. Logicamente que sempre que fizermos investimentos em prevenção seremos muito mais eficientes que depois que uma enfermidade atinge o indivíduo. O conceito usado na indústria manufatureira, onde a manutenção preventiva custa muito menos do que ter que parar a produção para a manutenção corretiva é um fato também na vida de um indivíduo e do sistema de saúde que investe no mesmo.
8- Eficiência Nutricional e Medicamentosa e Medicina Integrativa – Este é um dos pontos de maior destaque ou que deveriam ser de maior destaque no tratamento individual. A nutrição tem sido um assunto de menor foco em muitos casos. Há a necessidade de se mudar hábitos nutricionais, de combinar os esforços de nutrição com os medicamentos, com exercícios físicos, com a terapia psicológica, dentre outros, ou seja, equipes multidisciplinares de saúde operando com o conceito da medicina integrativa. Quando falamos de sistemas, hoje um volume grande de ADEs (Adverse Drug Events, ou eventos de droga adversos) que causam inúmeros problemas sejam de resistência a medicamentos, óbitos, complicações etc.. por conta de medicamentos e dosagens erradas nos pacientes, podem ser amplificados e muito, se considerarmos não somente as interações medicamentosas, mas também as interações nutricionais no indivíduo. Isso traz necessidade de se aperfeiçoar fortemente os sistemas de interação medicamentosa que hoje operam no ambiente clínico-hospitalar, e acima de tudo colocar na linha de frente do tratamento, o profissional de nutrição.
9- Segurança da Informação – Este é um tema crítico. Mais do que uma tecnologia que fica nas mãos das áreas de TI das instituições de Saúde, o contexto é o de cultura de segurança de informação. Hoje, um dos mercados mais atacados por ramsomwares e hackers é exatamente o de saúde chegando a impressionantes 72% dos ataques ramsomware em toda a indústria e mercado serem somente em saúde. O fato é que não há cultura de investimento em segurança da informação no segmento como há em outros segmentos (ex. Bancos) e o pior de tudo, neste caso podemos levar a complicações gravíssimas e até a óbito. Imaginem como um exemplo, um hacker acessar um dispositivo de controle de diabetes ou alguma doença crônica no indivíduo e provocar um erro de leitura. Isso pode sim ocasionar seríssimos problemas. Logo, a preocupação deve levar em conta alguns itens:
- 1- Cultura e Educação em Segurança da Informação na Instituição de Saúde
- 2- Segurança da Informação (Cybersecurity) nos sistemas tanto indoor quanto aqueles que são utilizados diretamente no indivíduo.
- 3- Qualidade do Software utilizado. Há muitos softwares desenvolvidos no “fundo de quintal”. Isso é muito grave quando tratamos de um indivíduo diretamente.
- 4- Disponibilidade da informação – Cada vez mais importante é garantir que as redes e os dispositivos interligados estejam sempre disponíveis.
- 5- Privacidade do paciente e do médico – Citando a LGPD(Lei Geral de Proteção dos Dados) como uma das ações, um foco fundamental é o de garantir sempre a privacidade do paciente e do médico.
- 6- Monitoramento e Rastreabilidade – Conseguir detectar anomalias e garantir que o sistema sempre esteja apto a se defender de quaisquer ataques ou falhas.
- 10-Personalização Medicamentosa – A medida que o mercado exige cada vez mais uma personalização dos medicamentos e dos tratamentos, a indústria farmacêutica tem que se
10- Personalização Medicamentosa – A medida que o mercado exige cada vez mais uma personalização dos medicamentos e dos tratamentos, a indústria farmacêutica tem que se reinventar e se posicionar dentro da cadeia de valor de saúde e não mais como mera fornecedora. O desenvolvimento de novos produtos deve ser mais rápido e mais fácil de testar (Custos menores) o que exige que a indústria se coloque monitorando o paciente de forma direta e entendendo o comportamento de seus produtos diretamente no consumidor. Processos como PBM e os cadastros na indústria de consumidores hoje já começam a caminhar nesta direção. O ponto fundamental de inflexão ocorrerá no momento em que o desenvolvimento e pesquisa ocorram cada vez mais localmente e a produção continuada de medicamentos chegue de forma mais rápida, mais acessível e menos custosa ao consumidor final. Isso traz a prescrição eletrônica diretamente para as empresas de distribuição de medicamentos e no futuro já se fala até mesmo de produção caseira ou individual de medicamentos já que estão avançadas as pesquisas de uso de impressão 4D(impressão 3D em material flexível que pode mudar de forma ou ser dissolvido no corpo (Ex. Pesquisas com a produção de medicamentos com Hydrogel)). Claramente o foco da indústria farmacêutica deve ser o indivíduo.
11- Medicina Diagnóstica Individualizada – Cada vez mais os testes, exames clínicos, e até de imagem serão realizados por equipamentos ligados no indivíduo sem a necessidade de ir a laboratórios de captação. A Medicina Diagnóstica pode e deve liderar este caminho, já que se não o fizer, alguém outro assumirá o papel. Fora a questão de facilitar o acesso a exames existe e sempre existirá a preocupação com qualidade e segurança da informação e aí entra forte a empresa que tiver a capacitação de governança do diagnóstico no indivíduo.
Enfim, há um número muito grande de ideias e caminhos que nos levam a uma mudança séria de paradigma no cuidado com a saúde e nos componentes da cadeia de valor deste mercado hoje. Entendo que cada vez mais estamos caminhando para uma individualização do cuidado, diagnóstico, prevenção e tratamento da saúde e todos os agentes deste mercado devem se preparar para suprir as demandas deste novo mundo.