Telemedicina: a dura jornada em direção ao futuro

O ano mal começou e as notícias para o segmento de saúde no Brasil pareciam positivamente promissoras. Em um movimento inédito, o Concelho Federal de Medicina, em fevereiro, publicou a Resolução nº 2.227/18, liberando a realização de consultas online, telecirurgias, telediagnóstico e outras formas de atendimento à distância. A medida entraria em vigor a partir do mês de maio, porém, três semanas após a boa notícia, o órgão regulador decidiu seguir a tendência do atual governo e voltou atrás revogando a resolução. As alegações para tal recuo se limitaram em informar que o CFM recebeu um alto número de propostas para a alteração dos termos.

Em uma pesquisa realizada em dezembro de 2018 pela Associação Paulista de Medicina/Global Summit, 84,67% dos médicos entrevistados afirmaram utilizar ferramentas de TI para observação dos pacientes e para otimizar o tempo da consulta. O prontuário eletrônico é a ferramenta mais utilizada, com 76,75% das respostas entre os que já incorporaram a tecnologia na rotina.

Na União Europeia, 24 dos 27 países membros também possuem legislação sobre teleconsulta. Desse total, 17 permitem a consulta remota de forma plena e somente três com restrições (emergências, áreas com carência de médicos e necessidade de primeira consulta presencial). Alemanha, Eslováquia e Itália ainda não permitem a utilização deste recurso.

De acordo com o texto publicado pelo CFM, a resolução estabelece a telemedicina como exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças, lesões e promoção de saúde sendo realizada on-line, em tempo real, ou off-line.

Em nota, o conselho avaliou que as possibilidades que se abrem com a mudança normativa são “substanciais”, mas precisam ser utilizadas por médicos, pacientes e gestores “com obediência plena” às recomendações. Dentro da esfera pública de saúde o CFM considera a medida “inovadora e revolucionária” ao permitir a construção de linhas de cuidado remoto, utilizando plataformas digitais.

“Além de levar saúde de qualidade a cidades do interior do Brasil, que nem sempre conseguem atrair médicos, a telemedicina também beneficia grandes centros, pois reduz o estrangulamento no sistema convencional causado pela grande demanda”, destacou o CFM.

Um dos pontos mais debatidos sobre a questão por médicos e especialistas de TI foi a questão relacionada ao sigilo médico. O texto, contido na resolução, estabelece que todos os atendimentos deverão ser gravados, armazenados e um relatório deverá ser encaminhado ao paciente. Outro ponto levantado é a concordância e autorização expressa do paciente ou representante legal, por meio de consentimento informado por escrito e assinado, sobre a transmissão ou gravação de imagens e dados.

Ainda dentro da prática de teleconsulta, ela foi definida pela norma como consulta médica remota, mediada por tecnologias, com médico e paciente localizados em diferentes regiões. A primeira consulta deve ser presencial, mas, no caso de comunidades geograficamente remotas, como florestas e plataformas de petróleo, por exemplo, pode ser virtual, desde que o paciente seja acompanhado por um profissional de saúde.

Já em atendimentos por longo tempo ou em casos de doenças crônicas, a resolução do CFM recomendada a realização de consulta presencial em intervalos não superiores a 120 dias. Se houver a necessidade de prescrição médica à distância, o texto fixa que o documento deverá conter identificação do médico, incluindo nome, número do registro profissional, endereço, identificação e dados do paciente, além de data, hora e assinatura digital do médico.

Já a emissão de laudos ou pareceres de exames, por meio de gráficos, imagens diagnósticas e dados enviados pela internet foi definida pela resolução como telediagnóstico. O procedimento deverá ser realizado por um profissional médico com registro de qualificação de especialistas na área relacionada ao procedimento.

Outro ponto contemplado pela medida do CFM foi a teleinterconsulta, definida como a troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico. segundo o CFM, este procedimento é comum quando um Médico de Família e Comunidade necessita ouvir a opinião de outro especialista sobre determinados sintomas, patologias ou diagnósticos.

Um ponto crítico apontado por especialistas foi a realização de telecirurgias, onde o procedimento é realizado por um robô, manipulado por um médico que está em outro local – esta prática já é comum em países como EUA, onde cirurgiões realizam procedimentos à distância em soldados americanos alocados no Oriente Médio, por exemplo.

De acordo com informações divulgadas pela Agência Brasil, a resolução estabeleceria, no entanto, que um médico, com a mesma habilitação do cirurgião remoto, participe do procedimento no local, ao lado do paciente, para garantir que a cirurgia tenha continuidade caso ocorra alguma intercorrência, como uma queda de energia ou conexão de internet.

Como fica a segurança da informação?

Considerada uma das prioridades para os CIOs do segmento de saúde, a segurança da informação também foi contemplada na resolução do Conselho Federal de Medicina. O texto estabelece que os dados e imagens de cada paciente devem trafegar pela internet desde que a infraestrutura assegure a integridade e sigilo dos dados.

As atividades de educação continuada e à distância também deverão atender aos protocolos de segurança estabelecidos pela resolução. Será obrigatório o registro da instituição de ensino no Cadastro de Pessoa Jurídica do Conselho Regional de Medicina referente à localidade onde está instalado, Além de possuir a respectiva responsabilidade técnica de um médico regularmente inscrito no CFM.

O outro lado

Mesmo celebrada por muitos, a medida do CFM encontrou resistência por parte de algumas entidades do setor e profissionais de saúde. Em nota, a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), se posicionou com ressalvas a resolução.

Mesmo reconhecendo que o método seja uma alternativa inovadora, e viável, para a ampliação do acesso à saúde no Brasil, principalmente em áreas remotas, a entidade teme que a telemedicina seja usada para substituir o médico. Em nota, a SBOT defendeu a utilização da ferramenta somente como forma de auxiliar e desenvolver o profissional de saúde.

“É fundamental ficar claro que a telemedicina deve existir para o aprimoramento ou auxilio do profissional médico em benefício dos pacientes e nunca o substituir. O que não podemos fazer é ficar de fora, apenas criticando ou se lamentando, enquanto outros profissionais, às vezes não médicos, inábeis ou com interesses diversos da ética e das boas práticas determinam o rumo das discussões no nosso lugar”, afirma a nota da entidade assinada pelo presidente, Moises Cohen.

Enquanto alguns temem a substituição de profissionais, outros comemoram a medida, como é o caso da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (Sbis). Também por meio de nota a entidade considerou a nova resolução um grande avanço para a Saúde brasileira, alinhando o País à realidade e às tendências internacionais concernentes ao uso da tecnologia da informação e comunicação para a ampliação e melhoria do acesso da população aos serviços médicos.

“A Sbis considera que a publicação da Resolução nº 2.227/18 foi uma decisão necessária, apropriada e correta do CFM, a qual trará grandes benefícios reais à população brasileira”, conclui a nota assinada pelo presidente da sociedade, Luis Gustavo Kiatake.

Ainda de acordo com a organização, dentro dos aspectos técnicos que abrangem o uso dos meios digitais para a telemedicina, um manual de normas que deverão ser adotadas vem sendo elaborado. O manual, seguirá rigorosamente a normatização do CFM, bem como as normativas nacionais e internacionais referentes à prática.

Para o presidente da Federação Internacional de Informática em Saúde (IMIA-LAC), Marcelo Silva, a regulamentação traz amplas garantias ao profissional de saúde e paciente e, por contemplar novas tecnologias, coloca o Brasil à frente de outros países. “Não é simplesmente utilizar um WhatsApp ou Skype para conversar com o médico, ela vai muito além disso.”  

Ainda de acordo com o executivo, a resolução prevê a adoção de um software para realizar esta comunicação. Esse sistema precisa atender alguns requisitos estabelecidos em norma, um deles é ser aderente, no mínimo, ao nível 2 da garantia de segurança da informação contemplada pela certificação Sbis. “Dentro da certificação Sbis já está sendo criada uma categoria que aborde a telemedicina que será agregada ao processo de certificação.”  

Novos horizontes

Com a regulamentação, instituições de saúde como Grupo Leforte poderão ampliar seus programas de telemedicina. De acordo com o, diretor de transformação e desenvolvimento da organização, Ian Bonde, o Leforte, poderá atender, à distância, os colaboradores de empresas com as quais possui contrato de assistência por meio do programa Leforte Saúde nas Empresas. Isso será realizado por meio de aplicativo e plataforma de inteligência ViBe, que permitirá videoconferências com equipes médicas e especialistas, por exemplo.

“Já dispomos de toda a estrutura para nos adequar às novas medidas”, ressalta o coordenador da área de neurologia do Hospital Leforte, José Luciano Monteiro Cunha. Segundo ele, a instituição já utiliza a ferramentas de telemedicina que permite o contato entre os profissionais por videoconferência em regime 24/7 nos três hospitais do Grupo.

Implantado em janeiro de 2018, este programa já atendeu 350 emergências neurológicas, das quais 110 foram de AVC. “Quanto mais rápido for o atendimento, maiores as chances de recuperação do paciente. Trabalhamos com um prazo máximo de 4h30 após o início dos sintomas do AVC e temos conseguido rapidez, tendo a tecnologia como nossa aliada”, acrescenta o também responsável pela coordenação da Neurologia do Leforte, Bruno Miniello.

Miniello destaca que, com a tecnologia em nuvem e o acesso on-line de documentos e exames, acredita-se que haverá um avanço na atuação à distância, pois resultados de uma avaliação feita em um local podem ser debatidos com profissionais em outro hospital. “Atuamos com o bem mais precioso da humanidade, que é vida, e sabemos que hoje podemos contar com todas as ferramentas tecnológicas para melhor o atendimento aos pacientes”, conclui.

  • matéria publicada na Ed. 12 da revista Health-It

Veja mais posts relacionados

Próximo Post

Healthcare Management – Edição 92

Healthcare - Edição 92

Healthcare - Edição 92

COLUNISTAS