Diretora de Compromisso Social do Sírio-Libanês, Vânia Bezerra fala sobre os desafios, preconceitos e anseios de sua trajetória profissional
“De família preta e retirante nordestina, sofri na pele a desigualdade social e o preconceito estrutural.” As origens e as experiências de Vânia Bezerra, diretora de Compromisso Social no Hospital Sírio-Libanês, se uniram a sua missão profissional.
“Tenho o privilégio de unir trabalho e propósito e apoiar a buscar a equidade, justiça social trabalhando pelas pessoas e para as pessoas”, ressalta.
Sua história no HSL começou em meados de 2005, quando foi contratada pelo Hospital Sírio-Libanês para exercer a função de recepcionista. Era o primeiro capítulo de sua história na Instituição que seria escrita de forma inspiradora.
Investindo em sua capacitação profissional, Vânia se dedicou à área de ensino e pesquisa, ampliando seu conhecimento sobre dezenas de especialidades e temas de saúde.
Com toda essa bagagem, Vânia liderou a organização de uma série de eventos científicos no HSL. “Cada tema discutido aguçava minha curiosidade e me fazia buscar inovar a cada evento.”
Vânia é uma das poucas mulheres negras a ocupar um cargo de diretoria de uma organização tão importante. “Isso dá uma satisfação enorme e muito orgulho, pois sei que sirvo de exemplo para milhares de outras meninas e mulheres negras, de periferia (sou do extremo leste da cidade de São Paulo – Itaim Paulista) que passam a enxergar em mim a possibilidade para elas também.”
Exemplos de liderança como o de Vânia são raros pelo país, onde, infelizmente, o racismo e diversas formas de preconceito estrutural se fazem presentes. Os números comprovam essa condição. Segundo uma pesquisa do IBGE de 2019, o salário médio de trabalhadores negros foi 45% menor comparado aos brancos.
A mesma pesquisa mostra que entre as mulheres negras a situação é pior ainda: a média salarial para elas chegou a ser a 70% menor do que para as mulheres brancas, independente da escolaridade.
Os negros também ocupam menos os cargos de diretoria. De acordo com uma pesquisa do site Vagas.com, apenas 0,7% dos cargos mais altos de empresas são ocupados por pessoas negras. Em contrapartida, 56,1% dos brasileiros se declaram negros, grupo que reúne pretos e pardos (também de acordo com o IBGE). “Ou seja, somos a maioria da população, mas não temos essa representatividade dentro das organizações”, ressalta Vânia.
“Sempre digo que devemos ocupar os espaços vazios e ter altivez. Eu ainda sou preta clara e sou aceita pela sociedade com menos preconceito, mas quando olho minha mãe, irmãos e sobrinhos que possuem outra coloração, o preconceito é ainda mais presente. Quanto mais retinto o preto é, mais preconceito ele sofre.”
Trabalhando justamente pela inclusão social, o HSL criou, recentemente, dentro da diretoria de Compromisso Social uma estrutura dedicada exatamente a essa causa específica: o Escritório de Equidade em Saúde (EES).
Essa ação visa olhar de forma equânime para as iniciativas sociais promovidas pelo HSL, sendo responsável por entregas e interações oficiais com o Ministério da Saúde, estruturação de projetos sociais, incluindo sua avaliação e mensuração, de acordo com o conceito de equidade.
“A criação da equidade busca ampliar sua atuação para além dos projetos desenvolvido para o Ministério da Saúde por meio do PROADI-SUS, o que inclui a busca por outros tipos de financiamento para projetos que impactem cada vez mais pessoas”, explica Vânia.
Dentre os serviços prestados por esta área estão o Marketing Social, Análise de Dados, Novos Projetos, Fontes de Financiamento e Mensuração de Impacto Social.
Trabalho e propósito de vida
A inclinação pela área de Responsabilidade Social já vinha da vida pessoal de Vânia, orientada a ações e causas sociais. “Eu aprendi desde cedo com meu pai que nunca podemos perder a capacidade de se indignar com problemas sociais. Apoiar e lutar pelos nossos direitos era uma condição.”
Fiel a ideia de que as organizações devem exercer um papel mais humano, Vânia encontrou no Sírio-Libanês uma Instituição com caráter filantrópico, que ia ao encontro de seus ideais.
“Hoje, à frente da área de Compromisso Social do HSL, tenho o privilégio de unir trabalho e meu propósito de vida, apoiando a busca pela equidade, justiça social, trabalhando pelas pessoas e para as pessoas.”
Trabalho em pauta
Como superintendente de Compromisso Social, Vânia uniu sua vontade por mudanças e arregaçou as mangas. Atualmente, a executiva está no comando de atividades de três ramos da filantropia do HSL.
Um deles é o PROADI-SUS, que figura como uma das maiores parcerias público-privadas da área da saúde no Brasil. “Esse programa consistente na transferência de tecnologia e inovação da iniciativa privada ao SUS, de modo que os recursos empregados são revertidos em projetos que impactam direta ou indiretamente todos os cidadãos brasileiros. É o melhor do conhecimento dos hospitais integrantes, sendo compartilhado diretamente com as instituições do SUS.”
Outro projeto liderado por Vânia é o “Abrace seu Bairro”, criado em 2001, que desenvolve atividades relacionadas à promoção da saúde, cultura, educação, qualificação profissional e geração de renda. “Nosso foco está em ações que favoreçam o desenvolvimento biopsicossocial de indivíduos e famílias. Nestes quase 20 anos de existência, o projeto já atendeu mais de 10 mil famílias e cerca de 27 mil pessoas.”
Outra iniciativa do HSL comandado por Vânia refere-se a uma parceria com a Prefeitura de São Paulo visando realizar o atendimento de pacientes encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde nas especialidades de onco-mastologia e pediatria, além de ofertar exames de ultrassonografia em ambulatórios próprios, também localizados no complexo da Bela Vista, sede da Instituição.
Organizações como agentes transformadores
Vânia explica que as organizações que demonstram compromisso social obtêm vantagens competitivas e ganham confiança do mercado, de clientes, investidores, consumidores e da comunidade a qual estão inseridas.
“Essas ações desencadeiam uma onda de responsabilidade social. Compreender essa mudança é vital, pois o mercado está cada vez mais transparente e competitivo; hoje não basta atender às exigências legais. É preciso se posicionar diante dos consumidores e concorrentes perante a defesa de causas.”
Essa importância foi ainda mais evidenciada durante a pandemia do novo coronavírus. Isso porque a atual crise escancarou a desigualdade social e, as instituições que não possuíam engajamento social, perderam seu potencial de mercado, o que impactou negativamente na marca e na perda de talentos entre colaboradores.
Após um ano, Vânia acredita que somente seguiram em atividade as organizações que entenderam que a ação social não é algo pontual e puramente assistencial. “Num momento agudo se faz necessário atender sim aos mais vulneráveis, entregando cestas básicas e até marmitas prontas, como estamos fazendo hoje. Mas isso é muito pouco. Precisamos praticar a inclusão de forma equânime.”
Para a executiva, as ações sociais precisam ser perenes e transformadoras. “Abnegar-se é renunciar a seus próprios interesses em benefício de uma causa.”
Engajamento é para todos
Para mudar esse cenário, a executiva acredita que o primeiro passo é construir projetos sociais que conectem seus colaboradores a seus propósitos. “Ter uma meta é o que impulsiona as pessoas e as organizações e definir qual estratégia social adotar é de grande importância para o engajamento e para agregar valor à marca.”
Outro ponto, segundo Vânia, é a consistência de um trabalho social robusto resistente e persistente, apesar das adversidades e complexidades do cenário.
E, por último e de extrema importância, é a participação genuína da liderança. “Eu aprendi que o exemplo arrasta e é algo que eu pratico bastante. Mas, não dá para falar de engajamento sem fazer nossa parte, eu sempre digo ao time que nosso propósito, hoje, é no final do dia diminuir o sofrimento humano, e isso é muito agregador, coloca todo mundo na mesma página e faz brilhar os olhos. Se não tiver amor envolvido, eu nem vou!”