“A Suíça diz não à União Europeia”, por Ricardo Brito, CMO da Biomecanica e Grupo Bioscience
Regida por mais de 120 acordos bilaterais, após o dia 26/05/21, a relação entre a Suíça e União europeia (UE) está estremecida e indefinida.
Composta por 27 países, a UE é o principal parceiro comercial da Suíça. Somente em 2020, o país helvético exportou cerca de 285 bilhões de francos suíços, sendo 57% apenas para a União Europeia.
Deste valor total, 79 bilhões foram produtos farmacêuticos e químicos e 14 bilhões, dispositivos médicos.
Há 7 anos, a União Europeia iniciou uma grande negociação com a Suíça para determinar regras mais claras e abrangentes para a regulação da participação do país helvético no mercado da UE, assim como disposições comuns que garantissem as condições de igualdade e a resolução adequada de litígios.
Essas regras, chamadas de Acordo-Quadro, baseadas em um acordo preliminar de 2018 e pré-aprovada pela UE, estava sob análise da Suíça.
A decisão, postergada devido ao, Covid-19 e as demandas urgentes criadas pela pandemia, foi oficialmente comunicada em 26/05 pela Suíça. Esta publicou que não assinará o acordo, colocando um fim nas negociações.
Os suíços apresentaram, como justificativa desta negativa, as diferenças substanciais existentes entre os países. Apesar dos pontos apresentados terem uma justificativa técnica há, na verdade, a intenção de preservar o bem-estar econômico da população Suíça.
Atualmente, as regras de imigração em território suíço são rígidas e controladas. A permanência superior há três meses, para cidadãos da Comunidade Europeia, deve ser solicitada aos cantões mediante apresentação de contrato de trabalho remunerado, compatível com a renda mínima que garanta sua sobrevivência em condições dignas.
A Suíça, justifica seu posicionamento perante o acordo e sua rigidez no controle imigratório, com três pontos essenciais: preservação das altas bases salariais fundamentais para a manutenção da sua economia; garantir que não haja um aumento na necessidade de auxílio das empresas estatais e a manutenção do acesso dos bancos às garantias; e controlar os gastos previdenciários e evitar a imigração decorrente do direito de usufruto da previdência social.
Certamente, antes da ampliação da UE, a visão destes temas eram mais homogênea. A busca para ampliação do bloco e fortalecimento da sua economia, tem um alto preço social devido à mistura de culturas, hábitos, histórias e situações econômicas muito diferentes.
Para o alinhamento do acordo-quadro ou acordo institucional avançar, a UE se colocou a disposição para negociar com o governo suíço, desde que o tratado preliminar em 2018 não volte ao ponto zero. Tudo indica que esse caminho de negociação será longo.
Para esquentar ainda mais o clima alpino, os partidos políticos locais estão colocando em discussão o procedimento que será adotado para a resolução de questões polêmicas, como a atualização dos acordos bilaterais e a livre circulação de pessoas.
Estão questionando a validade dessas futuras decisões pelo TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia). Poderiam questões nacionais serem decididas por juízes não suíços, autorizando-os a impor as leis da UE para a Suíça? Bruxelas e Berna, precisarão buscar consenso com equilíbrio e foco no win-win.
O mercado de saúde também foi impactado pela decisão da confederação helvética. Bruxelas comunicou Berna no dia 3 de junho, a decisão de cancelamento imediato da validade de todos os certificados existentes emitidos pelo organismo suíço de certificação SQS (Swiss Association for Quality and Management System).
Como consequência, os produtos médicos certificados, e utilizados ao longo destes anos pelas empresas suíças para atenderem as demandas do mercado europeu, com o selo da SQS, não poderão mais ser comercializados no mercado da UE.
A Suíça, que hoje tem uma fortíssima presença no mercado de produtos médicos e farmacêuticos, terá sérios problemas. Os agentes de importação e exportação começaram a comunicar seus clientes suíços e europeus, que não seria mais permitido, nos novos aspectos legais, importar ou exportar produtos para UE.
Mais de 100 empresas de tecnologia médica da Suíça, conforme a Swiss Medtech, poderão fechar suas portas. O impacto e custo das rotinas de suas operações para adaptação à nova realidade imposta pela ausência do acordo-quadro com a UE, já está sendo sentido pela indústria local.
Esse novo cenário, reforça uma nova oportunidade. Dependendo da rapidez com que o Brasil se posicionar, nos aspectos estratégicos e políticos, pode-se construir uma excelente parceria entre às duas nações.
A grande demanda existentes de produtos para saúde no território brasileiro, apresenta-se como oportunidade para cooperação mutua.
A Suíça, através de sua Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos, se posicionou recentemente, dizendo que existem diálogos políticos para negociação, em vários segmentos econômicos, com a União Europeia.
Busca-se apresentar soluções para redução do futuro impacto negativos da ausência do acordo-quadro.
Neste meio tempo, até que haja um alinhamento com a UE – fato que certamente acontecerá – o Brasil, tendo a Suíça como um dos seus maiores parceiros comerciais e com a recente assinatura do acordo de não bi-tributação, terá a grande oportunidade de apresentar à indústria Suíça, seu mercado e potencial no setor médico.
Com experiência em multinacionais como Alcoa, Shell e Telefonica, atuou nas principais empresas de medicina de Grupo do Brasil. Com especializações pela FGV em Gestão de Negócios e Marketing de Serviços e MBA em Administração e Gestão de Negócios, atua como CMO da Biomecanica e Grupo Bioscience desde 2012.