Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
O tema é muito oportuno:
- Primeiro porque executivo e legislativo federais estão “brigando” pela agilização ou não da cobertura de tratamento via oral contra o câncer … estamos escutando um monte de gente falando um monte de bobagens, ideologizando mais uma vez um tema técnico, sem conhecer a cadeia de valores de financiamento dos tratamentos tanto na área pública como na privada … mais um “show” de horror promovido por partidários de A ou B, que “não são do ramo” e não se importam com o que mais importa: a vida das pessoas que necessitam de tratamento contra o câncer;
- Segundo porque estamos nos aproximando do seminário Geografia Econômica da Saúde no Brasil do eixo temático Oncologia.
Os gráficos dão uma noção de como Oncologia é diferente das outras especialidades:
- As barras de cor laranja ilustram todas as especialidades juntas no SUS;
- As barras de cor azul … a oncologia.
O primeiro demonstra a evolução anual das internações:
- No geral elas vinham crescendo ano a ano e em 2020, com a pandemia, reduziram significativamente;
- Mas na oncologia … queda significativa não ocorreu.
No da direita, quanto o SUS gastou ano a ano com internações:
- No geral, crescendo de forma constante;
- Na oncologia, se manteve no mesmo patamar.
No terceiro a evolução dos óbitos em internações:
- No geral vinha crescendo, e o aumento se intensificou em 2020 por conta da pandemia;
- Na oncologia também se manteve no mesmo patamar.
Para oncologia é como se não tivesse havido pandemia:
- Porque uma vez diagnosticada, oncologia deixa de ser eletiva;
- E, com todos os defeitos que o nosso SUS possa ter … ele responde rapidamente aos casos oncológicos;
- Tão rapidamente como os casos graves de cardiologia;
- Ambas (Oncologia e Cardiologia) muito mais rapidamente do que ocorre nas demais especialidades.
O primeiro gráfico demonstra que, em se tratando de internações:
- Tivemos sim uma queda para os procedimentos cirúrgicos … e não sabemos, das vidas perdidas por COVID-19, quantas estavam inseridas no âmbito das doenças cancerígenas, que têm maior prevalência de casos graves nas pessoas de idade mais elevada – o principal grupo de risco da COVID-19;
- Mas cresceram as internações para tratamentos clínicos, fazendo com que a queda geral tenha sido muito pequena.
É importante ressaltar que neoplasias não são doenças que afetam mais pobres do que os mais ricos:
- A epidemiologia do câncer é a mesma no SUS e na Saúde Suplementar, portanto o que ocorre no SUS, que demonstram os gráficos, pode ser extrapolado para a saúde suplementar regulada, e para a saúde suplementar não regulada;
- E o gráfico da direita demonstra como esta doença não poupa nenhuma parte do corpo, o que sob o ponto de vista de gestão significa dizer que antes do caso cair nas mãos do oncologista, é muito comum consumir recursos de outras especialidades, conectando a cadeia de negócios da oncologia com quase todas as demais especialidades;
- A oncologia “se conecta” com as demais especialidades no diagnóstico, e depois na reabilitação, criando uma cadeia de valores particular … própria … cadeia de valores ignorada, por exemplo, pela maioria dos especialistas em modelos de remuneração alternativos ao fee for service, especialmente no desenho de pacotes para melhorias de cuidados, isolando a especialidade das demais.
E temos, na oncologia, a maior integração entre os sistemas de financiamento público e privado, pela maior falha da regulação da ANS, criticada “em verso e prosa”, que se refere a proteção na entrada, e a isenção na saída … explicando para quem não teve a oportunidade de discutir o assunto ainda:
- A ANS permite que uma operadora imponha carência ao beneficiário quando adquire o plano de saúde, ou seja, protegendo a operadora caso o beneficiário tenha alguma doença pré-existente;
- Mas se o beneficiário abandona o plano sem saber que estava doente, e for diagnosticado alguns dias depois por uma doença que já tinha, a operadora não se obriga a dar assistência para ele;
- As pessoas acham justa a carência para que o beneficiário, intencionalmente, adquira o plano para curar uma doença que já sabia que tinha … para a mulher fazer o parto de uma gravidez que já era conhecida;
- Mas existem pessoas que acham justo que a operadora tenha que arcar com os custos de um tratamento que não ocorreu porque não houve procedimento que diagnosticasse a doença enquanto o beneficiário era adimplente.
Vale dizer que, se fosse regulado adequadamente, a “garantia” que se refere o tratamento após a saída do beneficiário do plano “não quebraria” as operadoras, que simplesmente colocariam seus atuários para considerar este “custo estatístico” no cálculo do valor do prêmio a ser pago pelo beneficiário.
E também vale dizer que esta falha na regulação da ANS prejudica o próprio governo:
- Se o beneficiário adimplente utiliza a rede pública para tratamento oncológico, temos o processo de ressarcimento das operadoras ao SUS;
- Mas se o beneficiário deixou de ser adimplente e for buscar o atendimento na rede pública isso não ocorre, ficando todo o ônus com o SUS;
- É um erro de regulação da ANS que prejudica tanto a população, como o próprio governo !
Na verdade nós temos uma grande deficiência de capacitação dos gestores da saúde pública e privada quando o tema é oncologia … especialmente nas quimioterapias:
- Os gestores não sabem como calcular quanto custa um tratamento no SUS;
- Não entendem a dinâmica das APACs, que geralmente não correspondem ao tratamento;
- Não entendem a dinâmica de compra dos quimioterápicos por parte do governo, e como eles chegam para tratamento nos hospitais públicos e privados;
- Cansei de “esbarrar” com fornecedores que comparam o custo de uma tecnologia antiga com uma nova de forma totalmente errada, as vezes pedindo ajuda para o serviço de saúde que, por incrível que pareça não fornece a informação correta, porque as contas são controladas por uma área, e a logística de recebimento direto dos insumos é controlada por outra … e uma área não faz ideia do que a outra faz a respeito !
- Estou acostumado a lidar, nas consultorias e cursos para operadoras, com gestores envolvidos com ressarcimento que nunca receberam treinamento adequado sobre a tabela SIGTAP e a Estratégia de Medicamentos do SUS !!
- Não conseguem entender que o tratamento é uma coisa (o procedimento de quimioterapia, por exemplo) e os insumos são outra (os quimioterápicos, por exemplo) … e fazem uma “lambança danada” !
Oncologia é, de longe, a cadeia de valores mais complexa, dentro da já muito complexa cadeia de valores da saúde pública e privada !
Graças a Deus isso não impede que a especialidade tenha tido um desenvolvimento excelente no Brasil:
- Mesmo não tendo muitos estabelecimentos exclusivamente especializados, como demonstra o gráfico da esquerda;
- Temos uma grande quantidade de serviços especializados, dentro de serviços gerais, como demonstra o gráfico da direita;
- Entre eles, temos estabelecimentos de saúde mundialmente reconhecidos, e não somente em Capitais … se eu citar interior do Estado de São Paulo, por exemplo, tenho certeza de que vem à mente de qualquer pessoa que está lendo o nome da mesma cidade … nem preciso “nominar” !
No SUS temos a diferenciação da remuneração para os “CACON’s” e “UNACON’s”, que motivam a excelência assistencial na especialidade.
Mesmo não necessitando obrigatoriamente da destinação de leitos especificamente para oncologia, podendo as internações serem realizadas em leitos de cirurgia geral, ou clínica geral:
- Temos tanto no SUS, como demonstra o gráfico da esquerda, quanto na saúde suplementar, como demonstra o gráfico da direita, um volume significativo de leitos especialmente reservados para oncologia;
- E o gráfico de baixo que une os dois sistemas de financiamento, demonstra a grandeza da estrutura hospitalar dedicada à especialidade em todo o Brasil !
O mesmo ocorre com a estrutura especializada para as terapias em ambiente ambulatorial:
- Os gráficos ilustram a distribuição das unidades e salas de radioterapia e quimioterapia pelo Brasil;
- Quando falamos em serviços de quimio e radio as pessoas geralmente associam os grandes hospitais, os grandes serviços;
- Os gráficos demonstram que “existe muito mais entre o céu e a Terra” .. somente em São Paulo 335 serviços, contabilizando 3.504 salas … sinalizando o tamanho do mercado de pequenas e médias empresas que a especialidade “embarca”;
- Impossível não se admirar com o porte da infraestrutura disponível !!
E é claro, citar os profissionais especializados:
- Somente médicos temos quase 4.000 atuando no SUS e quase 3.000 atuando na saúde suplementar;
- Cada um destes médicos assistidos por enfermagem, farmácia, nutrição, fisio, fono … e até físicos no planejamento da radioterapia;
- É realmente uma cadeia de valores gigantesca … sempre é bom “chorar um pouco”: Ah se o governo entendesse saúde não exclusivamente como custo, mas como fator de desenvolvimento econômico … quem sabe um dia !!!
Quando eu era criança as coisas eram muito diferentes … câncer era uma palavra proibida … era “quase pecado” pronunciar, e as pessoas escondiam que tinham a doença, porque o índice de cura era muito baixo … as famílias escondiam “como se fosse uma coisa para se envergonhar”.
Mesmo quando entrei para a área da saúde, em um hospital que era e é até hoje uma das maiores referências na especialidade, há quase 30 anos, a “técnica” ainda não era tão desenvolvida como nos dias atuais.
Nesta história perdi para a doença familiares … amigos … colegas de trabalho …
- Uma vez um médico patologista (fantástico) chorando comentou comigo: “é um jogo … sabemos que vamos ter que jogar, mas nunca sabemos quando o “Juiz” vai apitar o início da partida”;
- As lágrimas escorriam pelo seu rosto porque falávamos de uma pessoa que admirávamos … mais próximo a ele do que a mim … um médico diretor do hospital, especialista em oncologia no sistema digestivo … que não escapou da doença !
- Mas estou vivendo para acompanhar os avanços da cura … se temos obrigação de ver o lado bom das coisas … é disso que se trata !!
Uma coisa é certa … o avanço será ainda maior … as pessoas vão ter mais acesso ao tratamento e a cura … quanto mais capacitados estiverem os gestores da saúde privada e pública em relação à cadeia de valores da especialidade !
- E se a ANS se dispuser a rever a regulação, ao invés de incentivar modelos de remuneração que prejudicam a qualidade assistencial, especialmente para esta especialidade;
- Se ela mantiver o foco no paciente e não no interesse de algumas instituições / pessoas … vai ajudar muito !!!
Bem … nesta trajetória de convívio profissional com centenas de hospitais, dezenas de operadoras de planos de saúde e fornecedores de insumos para a saúde:
- Presenciei “vexaminosos” casos do “joguinho emocional” que alguns profissionais inescrupulosos praticam para “tirar o máximo de dinheiro” de quem pode pagar, pelo resultado que não vai ocorrer, porque não tem condições de entender o cenário da doença … infelizmente é fato que não podemos negar que existe;
- Mas, graças a Deus, a maioria absoluta dos profissionais e empresas que preencheram os capítulos desta história é composta de ética, integridade moral, e renúncia ao mercenarismo … graças a Deus;
- O oportunismo está longe de ser a regra … é a exceção !
Conheça o estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil na página www.gesb.net.br .
Está aberto o processo seletivo para inscrição no curso de média duração da Jornada da Gestão em Saúde (40 horas).
Informações na página www.jgs.net.br ou pelo canal contato@escepti.com.br !
- Uma “mentoria prática” sobre negócios na área da saúde pública e privada … um conteúdo exclusivo e um material didático sem similar !!!
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.