(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Ainda tem gente que não entendeu que o pós pandemia não é igual ao pré pandemia:
- Não vamos voltar ao normal de antes;
- Especialmente, e muito especialmente, na gestão da saúde privada e pública … 2023, 2024, e os anos seguintes … não têm chance de podermos adotar os mesmos parâmetros de gestão que adotávamos antes de 2020 … os números estão aí “para quem quiser ver” !
Os gráficos ilustram o que está ocorrendo no SUS:
- O da esquerda, quanto o governo empenhou de dinheiro para financiar internações – a média mensal em cada ano;
- O da direita a evolução % anual destas médias desde 2016.
Como no SUS:
- Temos quase 4 vezes mais internações do que na saúde suplementar regulada;
- A tabela de preços que não é reajustada desde que o maior esportista do mundo de todos os tempos apelidado de Pelé marcou seu último gol …
- … não carregamos viés significativo para extrapolar análises de evolução “epidêmio-econômicas” para a saúde privada.
E isso hoje é o ponto central da gestão da saúde privada e pública:
- Entender o que aconteceu com o custo da saúde antes e durante a pandemia;
- E projetar o que acontecerá quando o COVID-19 estiver dominado … “sei lá quando” !
- Estar preparado para o risco certo, o que a gente sabe que pode se materializar, é a essência do trabalho do gestor … quem fica esperando o que pode acontecer sem projetar o futuro não faz gestão – administra crises … não é o motorista – é o passageiro.
O gráfico é assustador:
- O empenho médio mensal caiu de 2019 para 2020, porque reduziu o volume de internação, e as internações se concentraram nas internações “dos velhinhos” que contraíram COVID-19;
- Isso já estava diagnosticado (prevíamos que ia acontecer) desde o segundo trimestre de 2020;
- Mas o gráfico mostra que em 2021 o valor médio das internações subiu exageradamente … e este é o ponto crítico que deve ser entendido e monitorado pelos gestores;
- No SUS “vai minguar dinheiro” nos últimos meses do ano para financiar internações … na saúde privada (suplementar regulada e não regulada) terá outro impacto !
O gráfico nos dá uma explicação parcial do que está ocorrendo:
- O da esquerda é o empenho total do valor gasto pelo SUS nas internações … ele praticamente acompanha os gráficos que são exibidos pela mídia em relação ao número de casos de COVID-19, da taxa de ocupação dos leitos de UTI … nenhuma novidade gastar mais quando o volume é maior;
- O da direita ilustra o valor médio das internações associadas ao Grupo CID 01, que é o associado aos tratamentos de COVID-19 … este traz uma grande novidade … o valor médio das internações aumentou, para o tratamento da mesma doença.
Este descolamento do gráfico da direita em relação ao da esquerda se deve principalmente porque o paciente COVID-19 mudou de perfil:
- Deixamos de cuidar dos velhinhos (como eu) e passamos a cuidar dos mais jovens;
- Os velhinhos foram tratados com protocolos ainda não existentes (doença nova), com “um banho” de medicamentos sem eficácia, porque não sabíamos o que fazer, e assim além da alta taxa de mortalidade, o tempo de internação era curto até o óbito;
- Os jovens resistem mais ao óbito (graças a Deus … uma pena que os mais velhos como eu perdem esta resistência) … mas mesmo assim para escapar do óbito … ficam mais tempo internados;
- Mais tempo internado … maior o valor médio das internações;
- Mesmo no caso do SUS onde o valor total do procedimento é acrescido do valor das diárias de UTI … as contas não são “pacotes” como pensam a maioria dos gestores que não se especializaram na dinâmica de financiamento “SIGTAP” !
Quando discutimos que o aumento da taxa de óbitos em internações está aumentando, significando piora no estado dos pacientes na internação, alguns gestores ficaram em dúvida em acreditar … mas agora mesmo os mais céticos acredito que não tenham como discordar … que não entendam o cenário:
- Os preços de tabela são os mesmos;
- O valor médio da conta subiu;
- Ou o paciente ficou mais tempo internado e/ou consumiu maior diversidade de recursos
- É pura matemática !
Mas infelizmente o que ocorre não é somente isso … não ocorre somente com os pacientes COVID-19:
- Os gráficos mostram a evolução do valor médio das internações de tratamentos de neoplasias e de cardiologia;
- Veja que o valor médio das internações também elevou !
- Novamente: como a tabela de preços é a mesma, e estas doenças não tiveram a variação de faixa etária dos pacientes COVID-19 ao longo do tempo, só existe uma explicação: o estado do paciente está pior quando é atendido;
- O valor do procedimento principal é o mesmo, mas consumiu mais itens (UTI, Alto Custo, Procedimentos Multidisciplinares de Reabilitação …) … e o valor médio da conta sobe !!
Isso está ocorrendo em praticamente todos os tipos de tratamentos no SUS:
- O valor médio está crescendo … reforçando: em um cenário de tabela de preços que não reajusta, e de pacientes que não mudaram de faixa etária;
- O paciente está sendo diagnosticado mais tardiamente e chegando para o tratamento em piores condições !
Isso significa dizer que o SUS e as Operadoras de Planos de Saúde, que tiveram em 2020 “o melhor ano fiscal” da sua história, vão se deparar agora com um período extremamente crítico:
- Já previam que o legado (o que ficou adiado) ia voltar junto com o novo … era possível planejar o orçamento para alinhar ao custo decorrente do aumento de volume … do “encavalamento” de atendimentos;
- Mas não tinham ainda a noção mais exata do que significaria de incremento de custo devido a piora do estado dos beneficiários … isso os números já estão “clareando” isso agora !
O caminho agora não pode ser outro … e tem que ser agora:
- Tanto na saúde pública como na privada, tabular quanto está represado por especialidade, avaliando a variação que ocorreu do antes da pandemia até agora;
- Projetar a tendência, e planejar as ações para cobrir os “gaps” de disponibilidade de rede e, principalmente, de acréscimo no custo que, como os números estão demonstrando, são maiores do que estávamos imaginando … pelo menos maiores do que eu particularmente imaginei.
O gráfico demonstra bem como podemos enfrentar o problema:
- Ele representa o % de gasto com as internações por Grupos CID em 2019, 2020 e 2021 em relação ao total;
- Estes percentuais, em situação de normalidade, como vimos nos anos anteriores a 2020, não variavam tanto;
- Mas a pandemia mudou o perfil epidemiológico do financiamento … é importantíssimo que os gestores se atentem a isso !
A questão que “vale 1 milhão de dólares” … o que está pesando mais na variação dos gastos nos tratamentos que não são COVID-19 ?
- O adiamento dos tratamentos eletivos do passado que “está aglomerando” agora os atendimentos que estariam mais espaçados no tempo !
- Os efeitos colaterais causados pelas pessoas infectadas pelo vírus em outras doenças, que já sabemos que existem, alguns muito evidentes como a reabilitação do sistema respiratório, mas outros que ainda vamos demorar ainda alguns anos para conhecer em estudos científicos confiáveis, como é o caso de sequelas relacionadas ao sistema nervoso, por exemplo !
- Ou a piora do estado de admissão dos pacientes para realização dos procedimentos em função do adiamento de um tratamento que deveria ter sido feito antes ?
O fascinante na gestão da saúde pública e privada é que em cada especialidade cada um destes parâmetros estará agravado em maior ou menor escala:
- É isso que sugere o gráfico;
- É um exercício que exige atenção por parte dos gestores “financeiros” em conjunto com os gestores “assistenciais” para melhor entendimento de cada cenário e planejamento das ações para mitigar os danos !
Não dá para deixar de lembrar que as melhores análises são, e sempre serão, as baseadas nas contas hospitalares … como é o caso da construção destes gráficos:
- A conta é o melhor instrumento de gestão tanto para serviços de saúde … como para operadoras de planos de saúde … como para o SUS, como para o fornecedor de insumos …
- A conta hospitalar detalhada só não interessa mesmo para quem vem com a “narrativa de complexidade”, mas com a intenção prática de reduzir o preço pago/justo pelo procedimento !
E não dá para deixar de comentar que os “aproveitadores” da discussão de remuneração baseada em valor … não os que discutem o assunto de forma adequada – os que se “apoderam” do discurso para reduzir preços … vão amargar um maior número de projetos fracassados com estas mudanças no cenário epidemiológico:
- Os que levam o assunto a sério já consideram as diferenças regionais e epidemiológicas nos projetos e não vão necessitar esforço para alinhar seus projetos às mudanças de cenário … ao “novo normal” … porque desenvolveram suas proposições com base nestes parâmetros (variáveis);
- Os aproveitadores que “jogam” com o desconhecimento dos gestores que não se capacitaram adequadamente para “largar na frente” com o discurso terrorista de “caças às bruxas” … estes … na “hora do vamos ver vão continuar lá no final do grid” … “discursando aquele monte de desculpas” que estamos acostumados a ver !
COVID-19 está nos impondo um exercício de planejamento que vai colocar a prova a capacitação e habilidade dos gestores da saúde pública e privada !!
Se o gestor se aventurar em decisões não baseadas em dados, a sustentabilidade financeira da instituição, seja ela qual for … pública ou privada … fonte pagadora, ou serviço de saúde, ou fornecedor de insumos … estará completamente comprometida !!
Se deixar de lado a aposta, a futurologia, a “horóscopologia” … vai continuar se dando bem !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.