“Muitos Hospitais e Clínicas ainda não sabem avaliar viabilidade de pacotes”, por Enio Jorge Salu
Desde que o tema RBV saiu das discussões que ocorriam lá nos Estados Unidos e “ganharam o mundo”, fazendo com que os gestores passassem a exercitar a viabilidade de remunerar os serviços através de “pacotes para melhoria de cuidados” (Blunded Payment), o termo “pacote” que já era confuso para muita gente, passou a fazer parte da “mitologia” para uma infinidade de gestores da saúde privada:
- No sentido literal de “mito”, para quem não consegue discernir uma coisa da outra;
- No sentido ilustrado de infinidade, porque a quantidade de gestores ainda não adequadamente preparados é enorme!
Desde que isso começou a fazer parte da agenda das operadoras de planos de saúde (já faz tempo) até os dias de hoje, “o mantra” de que qualquer pacote é sempre inviável para hospitais e clinicas se fortaleceu:
- E como o movimento por parte dos serviços de saúde para analisar o assunto de forma adequada não inclui método … análise sistêmica … a tendência do mantra continuar a ser “declamado na posição de lótus” se mantém;
- Ainda são poucos os gestores de hospitais e clínicas que realmente têm discernimento para avaliar todos os aspectos que envolvem a análise, confundindo custo com preço, oportunidade com oportunismo, enquadramento real … uma pena !
A conta tipo pacote tem a característica de ser, ao longo do tempo, uma oportunidade para a operadora de planos:
- Mas esta oportunidade pode ou não se materializar … pode ser maior ou menor … dependendo da forma como o serviço de saúde avalia e condiciona a realização dos procedimentos … da forma como “o acordo é formalizado”;
- E dependendo do contexto, pode ser uma ótima oportunidade para hospitais e clínicas;
- Os negócios na área da saúde são mais ou menos viáveis dependendo da capacitação dos gestores que estão nos dois lados da mesa: da fonte pagadora e dos serviços de saúde;
- Como em qualquer outro tipo de negócio, o negociante melhor preparado consegue melhores resultados;
- Pacotes, como na questão da precificação em contas abertas … dos preços dos itens de conta … quanto mais capacitado está o gestor melhores são suas chances para fechar um bom negócio, seja do lado da operadora, seja do lado do hospital, da clínica, do CDI … !
É que ainda temos gestores em hospitais e clínicas que para avaliar uma proposta de pacote faz a média do valor das contas abertas para o procedimento:
- Não é errado fazer isso … mas é errado … e muito errado … fazer somente isso;
- Desconsiderar a análise dos custos, fatores comerciais e a relação com os parceiros inibe completamente a avaliação das oportunidades reais;
- E fazer somente o cálculo do valor médio sem metodologia adequada de seleção da amostra correta para estratificar a carteira faz com que “o número apurado” (a média calculada) represente “nada”.
Com “nada” para comparar com uma proposta real, ainda tem gestor que ao concluir que o valor calculado é menor do que uma média “de não sei o quê” afirme que haverá prejuízo !
- Calcula preços … compara preços e chega a uma conclusão “sem sentido” em relação ao lucro ou prejuízo se adotar a proposta de pacote feita pela operadora;
- Nem avalia o custo, nem as alternativas que a proposta pode refletir nos custos, independente do preço!
Alternativas ? … é a palavra-chave definindo que na verdade o cenário é um pouco pior:
- Sem aplicar a metodologia adequada, gestores de hospitais e clínicas ficam sem ferramentas para discutir alternativas à proposta apresentada pela operadora;
- A operadora geralmente está aberta para discutir alternativas, uma vez que não é porque o melhor “pacote do mundo” não seja viável, que não esteja disposta a negociar … flexibilizar … não é verdade que ajustes não sejam benvindos sempre, como podem pensar que “fecha a porta da negociação” sem base sólida para discutir;
- Sem visão adequada dos ajustes que podem eliminar as barreiras, criam anticorpos que eliminam o desenvolvimento do assunto … e o assunto acaba fracassando por falta de discernimento, e não por inviabilidade econômica … infelizmente !
No pior cenário possível, “engole” a proposta da operadora devido ao cenário comercial muito favorável para ela, sem ao menos visualizar que havia uma alternativa na negociação que poderia minimizar o impacto, quando até havia margem para negociação … sem ferramenta para isso, nem soube o que contrapropor!
A mitologia sobre o tema … o mantra … tudo é revestido de um cenário onde existem somente grandes empresas que atuam como fontes pagadoras e serviços de saúde … estruturadas … como se o mercado fosse apenas meia dúzia de empresas conhecidas de todos, e não uma infinidade de empresas que compõem um complexo e gigante mercado chamado saúde suplementar regulada.
A realidade é muito diferente, e como o assunto não se desenvolve como poderia, não explora o potencial que teria se a visão do cenário fosse diferente:
- Na verdade temos umas poucas operadoras com estrutura realmente adequada para desenvolver os projetos de pacotes, que vão escalando uma estrutura profissional de precificação como ilustrado na “pilha verde da figura”;
- A maioria delas apura valores de contas até misturando procedimentos que não tem nada a ver uns com os outros, e com base no menor valor apurado propõem pacotes para os serviços de saúde. Algumas nem isso fazem: observam o que as outras estão propondo e fazem a mesma coisa, sem avaliar que o custo da outra pode não ter nada a ver com o dela;
- E temos poucos serviços de saúde que têm estruturas capacitadas de precificação, profissionalizadas “mais no topo” da pilha roxa da figura, atuando em precificação;
- A maioria fica observando o preço praticado no mercado para definir o seu, exclusivamente de forma reativa, conforme as operadoras vão pressionando;
- Assim os projetos de desenvolvimento de pacotes que caminham são poucos … os que se baseiam em análises adequadas são poucos … a maioria acaba se desenvolvendo na “na base da força bruta” imposta pela operadora que domina determinadas regiões … uma imposição disruptiva e condenável que é apelidada no meio como “ou dá ou desce” !
O que mais chama a atenção é que a especialização necessária para que hospitais e clinicas avalie com assertividade nem é tanta … o problema é que boa parte dos envolvidos:
- Ou são profissionais de formação essencialmente assistencial, que conhecem muito sobre o procedimento e pouco sobre o mercado;
- Ou são profissionais de formação não assistencial, que conhecem o mercado, mas não tem muito conhecimento sobre “a matéria prima” do produto que vai vender;
- Basta a empresa, ou eles mesmos, empenharem um tempo que não é grande para se capacitarem nas melhores práticas;
- E basta os hospitais e clinicas sempre colocarem estes dois tipos de profissionais para analisar conjuntamente … se deixar um prevalecer sobre o outro não tem muita chance de dar certo e o “mito” prevalece !
Oportunidades nos negócios sempre devem ser analisadas adequadamente, e com pacotes não é diferente: pré-julgar sem avaliar com método e técnica pode ser um grande erro para hospitais e clínicas.
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.