(*) todas as ilustrações são partes integrantes do material didático dos cursos da Escepti e do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Antigamente (gente velha gosta de usar este termo) os profissionais que atuavam na gestão hospitalar acabavam se envolvendo de forma mais abrangente nos processos:
- Qualquer profissional … em qualquer processo … assistencial, de retaguarda assistencial, de retaguarda administrativa …
- As estruturas organizacionais eram menores, a regulação era menor, e o gestor acabava tendo que “bater o escanteio e correr na área para cabecear” … não tinha opção … ficava com uma visão mais generalista das coisas, e tinha menos tempo para aprimorar os controles mais operacionais !
Hoje regulação é maior, muitas vezes absolutamente burocrática, as fraudes são mais comuns porque a impunidade é maior, a a Internet faz com que a segurança da informação seja bem menor, e isso exige mais controles especializados … específicos … e com isso os gestores acabam tendo que se especializar mais em determinadas coisas … coisas mais operacionais do que gerenciais … coisa que não eram tão obrigados a fazer antes:
- Qualquer profissional … em qualquer processo … assistencial, de retaguarda assistencial, de retaguarda administrativa …
- A consequência é a redução da “visão geral” … das integrações … do reflexo que ocorre em outro departamento quando muda algo no seu … em maior ou menor escala dependendo do nível de maturidade organizacional;
- E tendem também a “se conformar com o processo” e especialmente “se limitar ao que o sistema informatizado permite”.
A visão sobre o sistema informatizado é muito ruim:
- Primeiro achando que o sistema está sempre certo … um erro clássico … o que me motivou a abrir minha empresa de consultoria e deixar a carreira de executivo em empresas foi a certeza de que o sistema sempre fica cada vez mais complexo … necessita cada vez mais de parâmetros que nem sempre estão atualizados – nem sempre existe estrutura para atualizar os parâmetros do sistema … a chance do sistema estar 100 % certo é 0 (zero) !
- Segundo porque existe a máxima de que o sistema “embarca” as melhores práticas e não necessita de controles auxiliares … que a empresa deve se adequar ao sistema sempre … outro erro clássico;
- Geralmente o sistema supre bem as necessidades dos processos operacionais … as transações de registro de informações de forma consistente … ao nível mais baixo do “dado bruto”;
- Mas geralmente o sistema não supre bem as necessidades gerenciais de cada um dos diversos setores da empresa. E hospital é o tipo de empresa que “tem setor pra caramba” … é até difícil entender porque existem tantos departamentos, quanto mais achar que pode desenvolver um sistema que possa atender às necessidades de todos eles.
As figuras (os slides de material didático de cursos) ilustram a necessidade, hoje, de definir bem os papéis e de compreender que enquanto no SUS os negócios são definidos a partir de leis, na saúde suplementar são definidas em contratos particulares, que dependendo da vontade das partes até podem “não se alinhar” às leis, se isso não se configurar como crime !
Juntando a evolução da gestão, com a integração entre os sistemas de financiamento da saúde (SUS, Saúde Suplementar Regulada e Saúde Suplementar Não regulada), sempre me sinto na obrigação de enaltecer quando um administrador hospitalar empenha recursos na capacitação dos gestores, no sentido de dar maior visibilidade para eles do contexto em que se inserem:
- Ao desenvolver uma consultoria para auxiliar o Hospital Beneficência Portuguesa de Amparo (HBPA) na melhoria dos seus processos de geração de receita, incluímos um programa de capacitação;
- Por isso aproveito este espaço para, ao mesmo tempo enaltecer a administração que investe nisso, comentar melhores práticas !
O desafio de gerenciar a receita (o faturamento, a auditoria, as glosas) em um hospital como estes é desafiador porque atende pacientes de operadoras, do SUS e particulares … alguns serviços em parceria com terceiros … e uma instituição centenária não se sustenta “agredindo o mercado comercialmente” de modo a colocar em risco uma marca que demorou tanto tempo para se consolidar … a relação com a fontes pagadoras públicas e privadas exige preservar conceitos básicos de parceria … práticas de responsabilidade social que realiza muitas décadas antes deste “termo virar moda” !
O administrador hospitalar tem dois caminhos para estruturar equipes e processos mais alinhados ao que a empresa necessita:
- Achar que os gestores vão empenhar recursos próprios para se atualizarem. É uma aposta cada vez mais arriscada, primeiro pela dificuldade dele (o próprio gestor) identificar o que necessita, segundo porque ele vai dar prioridade à capacitação “escritural” – aquela que lhe dá “um diploma” que será exigido nos processos genéricos de seleção para vagas de emprego, e não na capacitação que necessita na empresa que trabalha, e pode não ser necessária no próximo emprego … e terceiro porque “foi-se” o tempo em que o gestor ficava muito tempo empregado na mesma empresa;
- Prover a capacitação que os gestores necessitam, aproveitando a experiência do gestor no “meio ambiente” em que a empresa se situa no mercado e no clima organizacional próprio da empresa. Esta tem a vantagem de empenhar investimento da própria empresa … é a desvantagem … mas tende a fazer com que os objetivos sejam alcançados, retornando o investimento … é o que faz mitigar a desvantagem.
Na minha já muito longa experiência em programas de capacitação, o melhor resultado ocorre quando temos a oportunidade de fazer isso em um contexto de consultoria … explicando:
- Já conduzi muitos programas de capacitação em empresas cujo escopo é desenhado pela equipe interna … geralmente uma área de desenvolvimento de pessoas que recebe uma demanda da diretoria que define sua necessidade … dependendo do tipo de empresa (da mantenedora), este projeto de capacitação “vira uma licitação”: o conteúdo é rigidamente definido e quem vai conduzir a capacitação deve se limitar ao que foi definido;
- Neste caso o resultado será exatamente o que a diretoria demandante encomendou … se limita ao que a equipe interna tem discernimento para absorver conhecimento … não é ruim … mas tem um problema: a empresa não “aporta” práticas e inovações do mercado que não teve a oportunidade de conhecer, uma vez que o escopo foi definido por uma equipe interna, que invariavelmente não conhece o que as outras empresas aplicam de inovação, em relação ao que ocorre na sua – até “escutam dizer”, mas não sabem exatamente do que se trata, e ao especificar a necessidade, geralmente limita o escopo e abrangência da capacitação;
- No caso de consultorias como esta, o escopo da capacitação é definido após a observação do que existe, do que é praticado na empresa … comparar o que a empresa pratica com o que existe no mercado … e a definição do conteúdo, além de dar foco na necessidade da empresa, “vai aportar” conhecimento e inovação que a empresa não teria condições de identificar.
O que aconteceu no HBPA foi isso:
- Identificado dentro do escopo da Gestão Comercial, de Contratos com Operadoras de Planos de Saúde, de Precificação, de Formação, Remessa e Auditoria das Contas o que era mais interessante aprimorar, e o que a empresa não pratica ainda porque não tinha conhecimento das práticas comuns do mercado;
- E indo além … os pontos em que o sistema de informação menos supre os gestores da forma necessária … que as equipes necessitam utilizar controles paralelos, e não tinham formação adequada em Excel;
- Então o projeto incluiu uma pequena capacitação em Excel para sinalizar aos gestores como utilizar a ferramenta para resolver problemas em processos que mais prejudicam a captação da receita … a melhorar a qualidade do faturamento e da auditoria de contas !
Assim, de todo um escopo de diversos cursos sobre os temas (comercial, precificação, faturamento e auditoria de contas) “pincelamos” os tópicos que, se aprimorados na gestão, mais contribuem para resultados “líquidos e certos” no menor tempo:
- Ao invés de gastar um enorme tempo treinamento os gestores em cursos longos, onde parte do conteúdo ou eles já dominam, ou não se aplicam a necessidade do hospital, ou endereçam muito esforço para resultados pequenos … um conteúdo que pode ser aplicado imediatamente, e que não exige muito esforço de “aprendizado”;
- E o melhor de conhecer “o eleitorado e o meio ambiente” antes do curso ainda nem é isso: é o fato de que ao comentar um conceito … uma lei, uma norma, uma prática … dá para fazer analogia e/ou associação direta com casos reais já mapeados na consultoria … o nível de dúvida sobre o tema fica muito reduzido.
No caso do HBPA, por exemplo, entre outras coisas foi possível além de discutir os conceitos de checklist, kit e notas de débito para melhoria do processo de faturamento e auditoria de contas, ainda ilustrar com uma própria ferramenta que está sendo desenvolvida no hospital … em Excel … em Excel porque é melhor “prototipar” em Excel antes de ir para o sistema de informação que não vai aderir 100 % à necessidade …
- Então desenvolvemos em Excel … implantamos … mesmo dando um pouco mais de trabalho … e quando os conceitos estiverem sedimentados … quando não houver mais dúvida sobre qual a melhor prática no caso real específico da empresa …
- Somente então … vamos ver se o sistema pode embarcar a necessidade, ou se eventualmente tem algo que pode além de resolver, ainda superar a expectativa com requintes nem imaginados.
É difícil o sistema estar alinhado 100 % ao que se necessita … explicando:
- Os maiores sistemas do mercado foram desenvolvidos há algum tempo, por profissionais de TI que “habitavam” hospitais … conheciam profundamente os processos … “sentiam o cheiro” de cada departamento, dos seus controles, dos seus processos;
- Os que tinham melhor entendimento disso, desenvolveram os melhores núcleos dos sistemas que existem hoje “nas prateleiras para os hospitais comprarem”.
Infelizmente estas pessoas envelheceram … conheço vários “donos” de empresas de TI hospitalar:
- São profissionais de extrema competência que desenvolveram empresas, hoje grandes, que têm sistemas gigantes em funcionalidades;
- Mas hoje, se você quiser fugir de uma dessas pessoas, vá para um hospital … eles estão longe deles … os hospitais mudaram “da água para o vinho” e estas pessoas, como empresários, estão bem distantes do que ocorre lá dentro;
- Os profissionais que desenvolvem hoje … os profissionais que dão suporte aos sistemas hospitalares hoje … são de uma geração muito mais jovem que não se enquadra naquele grupo que comentei lá em cima no texto: os que tem visão generalista;
- Os jovens são extremamente especializados em “um pedacinho” do sistema, e a maioria não conhece hospital da mesma forma como “os pioneiros” conhecem … nem sabem a diferença entre uma UC, UI e UTI direito … podem até confundir a rotina de um psiquiatra da de um psicólogo !!! … tem muita dificuldade em entender as novas necessidades que o mercado, a legislação, a regulação e, principalmente, a concorrência impõe para os gestores hospitalares, nas suas necessidades gerenciais.
Neste cenário o Excel prevalece como alternativa para os gestores … por isso é tão utilizado … é cada vez “mais assustadoramente” utilizado … por isso investir em capacitação em Excel hoje é essencial … é “respirar” para quem “sente o cheiro” de um departamento hospitalar !
- Não nos cursos de Excel genéricos … não assistir sonolentos vídeos no Youtube em que a gente passa mais tempo “vendo o cara enrolar” para dar tempo de receber “likes” do que informando o que a gente necessita …
- Não cursos onde a gente fica sabendo que número de sapato o Bill Gates calça … informações que não vão servir para absolutamente nada;
- Cursos que partem de exemplos da rotina prática do gestor da empresa … se é hospital … que mostre comandos que os gestores necessitam para a rotina da recepção, farmácia, enfermagem, faturamento, engenharia clinica … não adianta mostrar para um gestor do centro cirúrgico como calcular seno, cosseno, tangente … !!!
Neste cenário quando a consultoria pega os contratos do hospital com as operadoras para revisar fica bem mais evidente … daquilo que necessita ser ajustado … o que vale a pena empenhar recursos porque existirá estrutura interna para absorver os ajustes, e o que nem vale a pena perder tempo se o ajuste não vai resultar em nada !
- Fácil definir o que propor na revisão de pacotes, de definição de itens e de associação às tabelas de preços …
- Fácil definir o que propor na revisão de cronogramas de apresentação de contas, glosas, recursos …
Bem, o resultado desta capacitação … da consultoria que está sendo desenvolvida no HBPA … nós só vamos medir mesmo daqui a alguns meses:
- Eu já vi este filme dezenas de vezes … sabia que haveria resistência interna, e sei do potencial do resultado que deve ser obtido: melhorar a receita, melhorar o relacionamento com as fontes pagadoras, reduzir o “stress do fim do mês”, reduzir as glosas … espero comemorar mais um projeto e, se Deus quiser, postar novamente sobre o projeto;
- Por enquanto agradeço a oportunidade da administração do HBPA de poder participar de um projeto “como manda o figurino” … um projeto que pode até demorar um pouco mais para dar resultado, mas que vai fazer com que os gestores não fiquem dependentes “ad infinitum” de consultores externos .. que tem começo, meio e fim !
Por isso enaltecer o fato da administração estar seguindo este caminho !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.