“Verticalização na saúde para conter custos não é privilégio da Prevent Senior”, por Enio Jorge Salu

“Verticalização na saúde para conter custos não é privilégio da Prevent Senior”, por Enio Jorge Salu

(*) todas as ilustrações são partes integrantes do material didático dos cursos Escepti e do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil

Para o eventual leitor que está lendo um conteúdo de minha autoria pela primeira vez um aviso: se estiver esperando ver abaixo crítica ao político da direita ou da esquerda, ao Presidente, ao Governador … não perca seu tempo lendo … o que será tratado aqui é um tema técnico, direcionado para gestores da área da saúde, sem qualquer tendência ideológica, partidária, religiosa … não perca seu tempo !

Também é importante iniciar que não existe aqui qualquer juízo de valor sobre as acusações que estão sendo feitas para a Prevent Senior, que espero sejam todas investigadas, e caso sejam verdadeiras, que a justiça lhe dê a devida pena.

A contenção de custos na área da saúde é a discussão mais “efervescente” atualmente, tanto na área privada como na área pública, e está sendo tratado por leigos como algo criminoso, antiético, imoral …

  • A evolução dos custos na área da saúde não acompanha a mesma inflação das “demais coisas” que existem;

A inovação na área da saúde é muito … mas muito … mas muito mais intensa na área da saúde do que em qualquer outra área de conhecimento:

  • Graças a Deus, porque senão estaríamos até hoje fazendo uso de sanguessugas, “pajelanças”, “chás milagrosos utilizados há anos sabe-se lá onde” para tratamentos;
  • Qualquer inovação, dentro e fora da área da saúde, se vende muito mais caro, até que deixe de ser inovação … até que a produção seja banalizada;

O mesmo tratamento realizado em idoso é mais caro do que em jovens:

  • Graças a Deus a expectativa de vida da humanidade está aumentando, então tratar população “mais velha” eleva os custos;
  • Devemos comemorar que isso esteja acontecendo e não lamentar … todos nós temos chance de viver um pouco mais do que os nossos pais e avós, graças a evolução da medicina !

O acesso das pessoas ao conhecimento assistencial (doenças e tratamentos) vai aumentando quanto mais conteúdo vai sendo disponibilizado na Internet:

  • A disseminação do conhecimento foi evoluindo passando exclusivamente dos cientistas para as escolas, para os livros, para os professores … até chegar no wiki e nos bilhões de websites abertos e de redes sociais;
  • O acesso ao que é a doença, como se previne, como se trata … foi gradativamente deixando de ser privilégio “de um cercadinho de pessoas” para qualquer pessoa, até que nem saiba ler !
  • Pessoas com maior acesso à informação exigem mais do que exigiam antes, especialmente em relação à sua saúde … as pessoas simplesmente acreditavam no que o médico, a enfermeira, o hospital … diziam antes … agora questionam e exigem condutas mais caras;
  • Não aceitam … não se submetem … ao tratamento limitado;
  • Tirando o lado positivo disso (não se limitar ao conhecimento apenas do médico), tem o lado negativo que é exigir, muitas vezes, procedimentos e medicamentos desnecessários, ou seja desperdício;
  • Desperdício custa … a discussão da  desnecessárias, induzindo ao desperdício;

Poderia ficar aqui listando mais uma dezena de parâmetros que explicam porque a saúde vai ficando cada vez mais cara !

Na área da saúde apenas 2 tipos de instituições atuam no risco e dependem fundamentalmente de conter o desperdício para sobreviverem:

  • O governo, enquanto financiador do sistema público;
  • As operadoras de planos de saúde, enquanto intermediárias entre o financiador do sistema privado de saúde e o serviço de saúde.
  • Ou seja … para quem realiza o procedimento “este custo se transforma em receita” e aumenta sua rentabilidade … para quem paga a conta “este custo é custo” e reduz sua rentabilidade:
  • O hospital, a clínica, o centro de diagnósticos, o consultório, o fornecedor de insumos … vai produzir se alguém vai pagar … se a produção é mais cara, o preço cobrado é mais caro … senão, não produz … tão simples assim !
  • O governo … enquanto financiador da saúde … não enquanto gestor do serviço de saúde … precisa controlar os custos, especialmente o desperdício … como os recursos são limitados … carimbados … o desperdício no tratamento de um é o dinheiro que falta para tratar o outro !!
  • A operadora, que capta o dinheiro estimando quanto vai gastar e tem obrigação de pagar, deve zelar por reduzir ao máximo o desperdício … senão quebra antes de conseguir repassar o excesso de custo (a sinistralidade não prevista) para seu cliente !!!

O foco aqui é o comentário feito por alguns políticos … e alguns meios de comunicação … que a Prevent usa seus hospitais próprios para conter custos, como se isso fosse algo ilegal, imoral ou antiético … como se isso não fosse prática das operadoras de planos de saúde que verticalizam sua rede assistencial … como se não fosse prática do governo no SUS !

  • Não é ilegal … a ANS que regula o setor permite que as operadoras tenham rede própria … não estou aqui discutindo se deveria permitir ou não … apenas constatando: pode, portanto não é ilegal;
  • Não é imoral … conter custos sem que isso afete a assistência … sem que interfira na conduta médica … sem que cerceie as melhores práticas da enfermagem, da fisio, da fono, da odonto … é algo que se reverte em benefício do próprio paciente, porque havendo desperdício o sinistro aumenta e consequentemente aumenta o próprio valor do plano que ele mesmo vai pagar;
  • Não é antiético … conter custos desnecessários significa não submeter o paciente a procedimentos desnecessários … não sugerir suspeita do diagnóstico de alguma suspeita de doença inexistente … ninguém (exceto os hipocondríacos) gosta de hospital, exame, procedimento médico … saúde não é um produto que o cliente quer … é um produto que ele necessita.

Na minha vida pessoal um médico certa vez identificou um nódulo na minha tireoide quando era bem mais jovem:

  • Pediu exames, inclusive cintilografia (quem conhece sabe o quanto é invasiva), que não diagnosticou malignidade;
  • Mas receitou T4, que eu tomei durante anos … muitos anos ….
  • Até que eu descobrisse que nódulos na tireoide são muito comuns … trocar de médico, e entrar em um longo processo de redução da quantidade de T4 até parar de tomar;
  • Além do dano à minha pessoa, este desperdício gerou custo para mim (adquirir o medicamento) e para as operadoras que pagaram as consultas com endócrino durante anos;
  • Este custo virou sinistralidade … outros beneficiários pagaram este tratamento desnecessário meu, porque a sinistralidade é diluída em toda a carteira de beneficiários !
  • Como descobri ? … como passei a questionar o tratamento ? … ao ler sobre nódulos na tireoide em página da Internet !!

Foi um erro … não foi fraude;

  • Erro de diagnóstico e conduta;
  • Que gerou desperdício … tratamento desnecessário … gerou custo desnecessário;
  • E não foi identificado por nenhuma das operadoras que fui beneficiário durante o longo tratamento inútil … porque ocorreu em âmbito ambulatorial onde os prontuários e contas não são auditados pela operadora !!!

Devidamente regulado pela ANS, como demonstra o gráfico algumas operadoras têm redes próprias de hospitais, clínicas, consultórios, centros de diagnósticos … para eliminar da cadeia de valores a parcela do custo que se relaciona com o lucro do serviço de saúde:

  • O gráfico demonstra que o custo assistencial das operadoras e proporcionalmente menor justamente nos tipos que têm maiores redes próprias: medicinas de grupo e cooperativas;
  • Nada … absolutamente nada de ilegal … ANS regula e “escancara” os dados das operadoras para quem quiser ver !

É certo que podem existir … é certo que existem … operadoras que atuam na contenção de custos de forma antiética e imoral:

  • Cerceando a conduta médica … restringindo a utilização de insumos … pensando que o beneficiário vai ficar pouco tempo no plano, então limitando procedimentos que visam prevenir doenças nos médio e longo prazos;
  • Como em qualquer atividade socioeconômica, na saúde existem empresas e pessoas “do bem e do mal”;
  • Na minha experiência de décadas na área, sempre reforço nas consultorias e cursos, graças a Deus temos muito menos “Coringas” do que “Batmans” … são a minoria da minoria !

Pelo gráfico dá para perceber que a característica dos custos assistenciais é parecida em todos os tipos de operadoras:

  • As que atuam “no submundo de Gotham City” não alteram o perfil geral … justifica a visão de que são a minoria da minoria;
  • Se fossem maioria, teríamos “o pedaço vermelho de todas as pizzas do gráfico” muito menores !

Se for realmente apurado que estas operadoras que estão sendo denunciadas se utilizam de práticas ilegais, imorais, antiéticas … elas devem ser exemplarmente punidas … para que não contaminem um mercado formado por empresas e pessoas sérias … que atuam no segmento para dar acesso à saúde, e não o contrário !

Mas não é justo “dar o veredicto antes do julgamento” … e muito menos generalizar que a atuação delas é a regra, quando na verdade é a exceção !

Muito do que está sendo atribuído como crime para a Prevent deve ser investigado:

  • Apurar a questão da troca do CID no óbito … do cerceamento da conduta do médico …
  • Apurar se arriscou a utilização de um protocolo sem eficácia para o tratamento precoce do COVID-19 …
  • Misturar pacientes infectados em unidades com pacientes não infectados …
  • Tudo deve ser apurado e levado à devida instância jurídica;
  • Mas criticar a operadora por ter rede própria para conter custos não faz o menor sentido !

Todas as operadoras:

  • Apuram e controlam custos para avaliar o que vale a pena fazer internamente (ter rede própria) ou comprar de terceiros (rede credenciada)
  • Em maior ou menor escala possuem algum serviço de rede própria;
  • Apuram custos das suas unidades e comparam com o custo das unidades similares das outras operadoras para identificar oportunidades de melhoria na gestão.

Todas as operadoras, tal como o SUS, só se viabilizam se controlarem os custos:

  • No fim da cadeia de valores estamos nós: o contribuinte do imposto que financia o SUS, ou o beneficiário individual que para o plano, ou o funcionário da empresa que concede o benefício …
  • … nós precisamos que os custos da saúde sejam contidos no sentido de evitar o erro, o desperdício e a fraude, porque a inflação da saúde … contra esta não temos muito o que fazer: na verdade ela existe porque nós queremos que a saúde melhore !

CPI, imprensa, população em geral podem … e certamente irão … generalizar a atuação de alguma operadora que for penalizada por reduzir custos de forma ilegal, imoral ou antiética como sendo a prática de todas … não dá para criticar quem ficar com esta impressão sem dominar o tema e o contexto … mas nós gestores não podemos cometer esta injustiça !

Veja mais posts relacionados

Próximo Post

Healthcare Management – Edição 92

Healthcare - Edição 92

Healthcare - Edição 92

COLUNISTAS