“Avaliando Qualidade na Saúde pela Organização Multidisciplinar”, por Enio Salu

“Avaliando Qualidade na Saúde pela Organização Multidisciplinar”, por Enio Salu

Fechamos 2020 com a pífia quantidade de ~1.300 serviços de saúde certificados … com selos de qualidade … os que passaram pelo processo de certificação:

  • Se contarmos que temos mais de 8.000 hospitais, sem contar policlínicas, clínicas, laboratórios, CDIs … utilizar o termo pífio chega a ser elogio;
  • Claro que existem diversos fatores que fazem com que este volume seja tão insignificante;
  • E não é por conta disso que podemos dizer que não existe qualidade nos serviços de saúde … o fato de um serviço ter o certificado não significa que ele tem qualidade, e nem que o que não tem o certificado não tenha qualidade;
  • Qualidade a gente tem ou não tem … ter o certificado significa simplesmente ter passado “na prova” do manual de certificação … milhares de empresas não se sujeitaram a passar pelo processo de certificação, mas têm qualidade … apenas não querem investir no processo de certificação, porque não existe motivação para que isso ocorra;
  • Uma parte da falta de motivação vem das próprias consultorias certificadoras que não “vendem” a certificação como algo que agrega valor ao negócio … infelizmente o interlocutor age como se estivesse vendendo um diploma para “decorar a parede da sala da presidência” e/ou “ilustrar o rodapé do material produzido pelos marketeiros” !

Na prática, então, por falta de uma dinâmica de certificação mais presente nos serviços de saúde, utilizamos outras formas de avaliar se os serviços têm elementos de qualidade:

  • O gráfico nos dá “uma boa pista” sobre uma delas: as comissões existentes;
  • Como gestão da saúde é atividade multidisciplinar, que tem aspectos assistenciais, financeiros, metodológicos … não se faz bem-feita se estiver centralizada nas “pessoas gestoras” … quanto mais o sucesso dos processos depende de “pessoas excelentes” menor a possibilidade de termos qualidade, porque o processo é modificado dependendo do “humor” da pessoa excelente, e se o humor varia constantemente não existe um padrão de qualidade … não quer dizer que o resultado não possa ser bom, apenas que o resultado não é previsível dentro de uma “normalidade de rotina”;
  • O processo com padrão de qualidade é o que “roda” independente das pessoas, porque foi planejado para que gestores e executores sigam melhores práticas, com pouca influência da intempestividade dos envolvidos … segue o que o grupo gestor define como melhor para todos os envolvidos … e é disseminado para todos os envolvidos;
  • A complexidade de determinados processos na área da saúde é tanta … envolve tanta gente … de especializações tão diferentes … que o erro é o caminho natural dos processos não gerenciados adequadamente;
  • Por isso as comissões … para orientar as ações … avaliar se as coisas estão ocorrendo dentro das melhores práticas … notificar irregularidades … enfim … para estabelecer o “verdadeiro compliance” a ser perseguido.

O gráfico demonstra a quantidade de comissões que tínhamos no final de 2020 … temos proporcionalmente muito mais comissões do que serviços de saúde certificados … sinalizando que não mentimos quando afirmamos que temos muito mais empresas com nível de qualidade do que empresas certificadas em qualidade !

Diferente da avaliação feita por uma certificadora uma … duas vezes por ano … as comissões têm caráter permanente … por exemplo:

  • O auditor da certificadora vem uma .. duas vezes por ano para ver se existe comissão de prontuários … “garimpa” evidências de que ela realmente funciona;
  • A comissão pode nem existir formalmente, mas na época da auditoria da certificadora … lá estão as evidências, eventualmente produzidas para passar na avaliação “daquele capítulo da novela da certificação … apenas isso” !
  • O que queremos ? … que a comissão de prontuários exista e atue, regrando a formação dos prontuários, aferindo compatibilidades, apontando falhas nos processos de formação ? … ou que a comissão de prontuários não deixe o hospital “tomar tinta vermelha” na época da auditoria ?
  • É claro que queremos a primeira opção, que agrega valor na assistência do paciente !

Então … se temos ~1.300 serviços certificados em um universo de 8.500 hospitais … mas, como mostra o gráfico, temos 7.000 comissões de prontuários …

  • Tendo a acreditar que o “mundo não está perdido” !
  • Apesar de proporcionalmente as certificações serem poucas … proporcionalmente as comissões de prontuários não são !

O gráfico ilustra a evolução das comissões “mais afetas” ao processo de organização assistencial em hospitais:

  • Embora a de Ética de Enfermagem “não chegue próximo” da de Ética Médica … mesmo tendo muito … mas muito … mas muito mais enfermeiros do que médicos …
  • Embora a de Revisão da Documentação Médica e Estatística “não chegue próximo” da de prontuários …
  • Todos os gráficos apontam linha de tendência de crescimento nos últimos 4 anos !
  • Por isso afirmar que, não é o que gostaríamos que fosse … mas definitivamente … “o mundo realmente não está perdido”.

Os gestores da saúde podem não compreender o ganho com a certificação;

  • É até normal isso acontecer quando o processo de certificação não modificou sua rotina, nem a forma como documentava os processos … quando ele já tinha qualidade;
  • Mas na sua rotina diária de “matar um leão por dia”, compreendem o que é gerenciar havendo comissões para dar apoio, ou não … e criação de uma comissão, de fato e não no papel, sempre muda a sua rotina e ele sente a diferença;
  • O gestor pode não sentir a diferença entre “o antes e o depois da certificação” … mas percebe “na carne” a diferença entre o antes e o depois da existência de uma comissão ativa … que existe e atua na prática … na discussão de casos éticos, de organização dos prontuários, de notificações … não para “passar pela linha de corte da avaliação da certificação” … mas para melhorar a qualidade da gestão !!!

Durante a pandemia assistimos atônitos a uma sequencia de lambanças da gestão da saúde no Brasil:

  • Ficamos alguns meses sem ter números oficiais de casos e óbitos por COVID-19;
  • Até hoje … inacreditavelmente … os números mais confiáveis são de um consórcio de imprensa … não dá para usar outro termo: “isso é inacreditável”;
  • Nem na Suécia, país mais desenvolvido cultural-educacionalmente que o nosso, onde surpreendentemente o negacionismo marcou o início da pandemia, a população deixou de ter informação pública confiável sobre a pandemia das fontes oficiais do governo !

Observando o gráfico vem a indignação:

  • Não é por falta de estrutura especializada;
  • Temos mais de 20.000 comissões de notificação de doenças … mais de 12.000 de investigação epidemiológica … a maioria delas: entidades públicas;
  • Poderíamos ter “dado um show de informação epidemiológica” na pandemia … preferimos politizar e dar “um espetáculo circense”, que até hoje nos exclui das ações globais de combate à pandemia;
  • Por exemplo: nesta semana os 7 países mais ricos se reuniram para definir estratégias conjuntas de enfrentamento da nova variante … nem pensar em convidar os 20 mais ricos porque incluiria alguns países como o nosso, que ficou com “o carimbo da pajelança” em relação às medidas enfrentamento para o resto do mundo.

Cenário que nos deixa muito chateados: temos comissões competentes, com profissionais capacitados, geridos por pessoas responsáveis … não podíamos misturar a politização do enfrentamento da pandemia impedindo que elas fizessem o que sabem fazer e que necessitávamos que fizessem … depreciação a imagem estruturas de saúde que demoramos décadas para construir e dão inveja a maioria dos países do mundo !

As comissões estão aí para demonstrar que temos qualidade na identificação das doenças, notificação, óbitos:

  • A evolução nos últimos 4 anos demonstra que, mesmo com “os ventos noroestes” estamos evoluindo;
  • A gestão da saúde, na medida do possível, aos poucos, vai criando seus anticorpos contra os “vírus negacionistas” !

Nem todas as comissões têm “a mesma idade”:

  • Legislação … regulação … foi incrementando a necessidade das comissões multidisciplinares ao longo dos anos;
  • Por isso vemos no gráfico comissões mais antigas em volume muito maior do que as “mais novas”;
  • E é claro … algumas comissões não estão presentes em todos os serviços de saúde, porque os serviços de saúde têm configurações assistenciais diferentes … não é possível esperar que tenhamos uma comissão de hemoterapia em um serviço que não faça uso desta especialidade … assim como nutrição … medicamentos;
  • Mas observando o gráfico … todas elas ao longo dos anos vêm crescendo.

Isso … indiscutivelmente … é avanço na qualidade da saúde pública e privada no Brasil … mesmo com tudo “remando contra”.

Bem … nem tudo é para se comemorar:

  • O gráfico mostra a evolução de 2 comissões “emblemáticas”;
  • A de Segurança do Paciente, debutante no sistema de saúde ainda, com a maior taxa de crescimento nos últimos anos … graças a Deus – se a gente que trabalha na área da saúde não tiver a segurança do paciente como prioridade, vamos dar prioridade “no quê” ?. É emblemática porque já em 2020 o ritmo de crescimento, embora elevado, não foi o mesmo … vamos ver se após debutar permanecerá crescendo, ou vai estagnar quando “a moda” passar !
  • Já a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes … também com evolução … mas … mas … 5.000 em um universo de meio milhão de serviços de saúde … um número absolutamente “ridículo” !

CIPA deve existir em qualquer empresa de qualquer tamanho, de qualquer segmento de mercado:

  • Mesmo que você tirar do meio milhão de estabelecimentos os consultórios, ainda teria algo em torno de 150.000 estabelecimentos contando hospitais, policlínicas, clinicas, CDI’s, Laboratórios;
  • Nestes, nada justifica não haver CIPA … até o condomínio do prédio que eu moro tem … como pode, por exemplo, uma clínica não ter ?

Não é de estranhar, quando vimos hospitais que se incendiaram recentemente, assistir profissionais de saúde que trabalhavam lá sem saber o que fazer quando o evento ocorreu:

  • Ninguém para orientar no momento que necessitaram … uma vergonha !
  • E vidas perdidas por falta de um investimento insignificante de treinamento e conscientização das pessoas que trabalham lá !!
  • Ninguém divulgou se o tratamento dos pacientes deslocados “às pressas” das unidades foi prejudicado … os  responsabilizados … !!!

Hoje vemos o caso “Boate Kiss” ganhar o noticiário novamente, lembrando 242 mortes e 680 feridos:

  • Havia CIPA naquela casa de espetáculos ?
  • Poderia existir no papel “para os bombeiros darem alvará de funcionamento”, mas se existisse de fato, se fosse uma comissão atuante a negligência não teria vitimado centenas de pessoas;
  • Algumas destas pessoas, inclusive, estudantes de medicina, enfermagem, e outras especialidades da área da saúde na Universidade Federal de Santa Maria
  • Jovens profissionais que alguns anos depois fizeram falta no “mais médicos”, no enfrentamento da pandemia, no aceso da população à saúde pública e privada, tão carente de profissionais graduados em escolas “do nível de qualidade de uma UFSM” !!

Por isso a importância de lembrar os gestores da área da saúde … não bastam as comissões existirem no papel … comissão de prontuários, de notificações, de controle de infecção … precisam ser reais e não protocolares … porque melhoram a segurança dos pacientes e dos profissionais … o planejamento epidemiológico … dão mais acesso e qualidade para a população ao SUS, para os beneficiários de planos de saúde na saúde suplementar regulada, e para os particulares na saúde suplementar não regulada !!!

Pesando tudo … mesmo com a questão da CIPA que é exceção … é inegável que a qualidade vai tomando corpo na área da saúde … não com a velocidade que gostaríamos … mas vai … em um ritmo muito mais avançado do que as certificações em qualidade.

Por isso “a defesa da tese” de que podemos avaliar a qualidade da saúde observando as comissões:

  • Recentemente ministrei um curso de BI para a Unimed FESP … operadoras;
  • Um dos temas em um programa de capacitação para o Grupo Americas Health foi BI … hospitais;
  • Um dos cursos de um programa para a Becton Dickinson foi BI … fornecedor na área da saúde;
  • Tivemos turma de BI na mentoria do quarto trimestre de 2021 que está encerrando, e vamos ter na mentoria do primeiro trimestre que inicia em janeiro;
  • Para demonstrar para os gestores que estão “nos três lados da mesa” na área da saúde, entre outras coisas, como tabular informações sobre comissões regionalmente !

Em todos eles sinalizamos que podemos avaliar a qualidade assistencial em uma região (município, microrregião, UF …) tabulando a variedade e quantidade de comissões que existem nos serviços de saúde existentes:

  • É fato … a gente percebe geograficamente que a evolução das comissões é como um vírus que chega em determinada Cidade … quando um estabelecimento adere a criação de uma, acaba “contaminando o vizinho” … o “concorrente” … e a “onda se espalha” com ganhos para a população que utiliza o SUS, os beneficiários de planos de saúde, e também a “pequeniníssima” parcela da população que pode pagar pela assistência com “dinheiro do próprio bolso”;
  • Porque, por exemplo, quando um médico percebe quando o trabalho de uma comissão de prontuários pode auxiliar na sua atividade em um estabelecimento … vai sugerir que o mesmo seja feito no outro onde também atua … e assim a evolução vai “permeando as cercanias” de cada serviço;
  • É muito legal ver isso em números, e principalmente em plotagens ao longo do tempo ! … me sinto privilegiado em acompanhar isso ano após ano !
  • Em um destes cursos um participante afirmou “se o CNES estiver desatualizado já é um sinalizador do nível de qualidade dos serviços da região” … ouvir isso ao colocar o tema em discussão “não tem preço” … é muito recompensador !!!

Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil

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