Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do material didático dos Cursos Escepti e do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
A gestão da saúde, em especial o relacionamento comercial entre fontes pagadoras e serviços de saúde, está “militarizada”, e necessita de alternativas para apaziguar um tenso relacionamento que a regulação dos sistemas de financiamento criou.
Porque a maioria das pessoas que atuam profissionalmente precisam “olhar fora do aquário” para ter uma “qualidade de vida profissional” melhor … e consequentemente ajudar sua empresa a obter melhores resultados !
Para “começar a prosa’, os gráficos ilustram uma “visão de aquário”:
- Demonstram a quantidade de beneficiários de planos de saúde em duas cidades vizinhas … “coladas muro a muro” … mesmo para quem conhece estas cidades é difícil saber “onde termina o quintal de uma e começa o da outra”;
- São as chamadas “pirâmides populacionais rebatidas” … frequência por sexo e idade;
- Quem olha e sabe que são cidades vizinhas, e vê curvas tão parecidas, pode concluir que a gestão da saúde na saúde suplementar das duas é igual !
Mas quando extrapolamos esta frequência por modalidade de operadoras o cenário muda bem:
- Não somente porque o mercado de uma é praticamente o dobro da outra;
- Mas porque a proporção dos beneficiários de tipos de operadoras é bem diferente;
- A maior concorrência muda completamente o perfil do relacionamento comercial … a “corda estica” … o “humor muda” … o equilíbrio entre oferta e demanda faz com que os preços mudem … ao mesmo tempo faz para uma especialidade “sobrar rede criando ociosidades” e para outra “faltar rede aumentando os preços”;
- Como são cidades vizinhas, é comum uma pessoa que trabalha “na cadeia de valores” que financia / remunera o sistema … contratualiza … apresenta contas … em uma cidade, vá trabalhar na outra, por vontade própria, ou por vontade do “facão do patrão”;
- Se esta pessoa imagina que vai fazer a mesma coisa que fazia antes … erra no atacado … se mantém com a visão “dentro do aquário” e nem desconfia que o “mar existe” !
A sua chave de sucesso é dar transparência ao que sabe … o que aprendeu em uma … para que alguém lhe indique o que ocorre na outra, e assim alinhar suas ações e decisões de acordo com o novo cenário:
- Ao dar transparência ao que sabe … ao compartilhar seu conhecimento … de uma forma ou de outra vai ter feedback;
- Se não compartilhar o que sabe, não haverá motivação para alguém fazer a mesma coisa, e ele vai ficar “no escuro”;
- O exemplo vale tanto para pessoas (profissionais) como para empresas … quanto mais a empresa se expõe, mais chance tem de conhecer o que ocorre nas outras … seja em benchmarkings, seja compartilhando seu “capital de conhecimento” e procurando conhecer “como as outras” funcionam … não somente as concorrentes: principalmente as que fazem parte da sua cadeia de valores – parceiros no negócio !
As operadoras são muito diferentes:
- Não somente, como demonstra a tabela, em relação ao seu tamanho;
- Também em relação ao que motiva cada uma delas a estar no mercado … sua missão, visão e valores … sua vocação assistencial … seu nível de profissionalismo em gestão …
- E principalmente no “mercado” em que se insere: o mercado da saúde pública e privada é muito diferente regionalmente – oferta e procura, capacitação, epidemiologia … alguns quilômetros de distância mudam completamente o cenário !
Os serviços de saúde também são muito diferentes:
- O gráfico ilustra a distribuição de unidades de internação por porte (volume de leitos) no SUS e na Saúde Suplementar;
- Não se faz gestão em uma unidade de internação pequena da mesma forma que se faz em uma unidade de internação grande;
- E é bem comum que um mesmo procedimento de alta complexidade ocorra em pequenas e grandes … fazem a mesma coisa, mas são geridas de formas completamente diferentes !
- Associando isso ao “fator regional” citado acima … a “diferença abissal da gestão” se apresenta claramente !!
E a remuneração … o financiamento do sistema … o pagamento das contas:
- Envolve uma grande diversidade de “departamentos” com profissionais de formação completamente diferentes;
- Tanto nas fontes pagadoras (operadoras de planos de saúde e órgãos gestores do SUS) como em serviços de saúde (hospitais, clínicas, CDIs …);
- Em algumas estas estruturas são absolutamente fragmentadas, inclusive em áreas físicas diferentes … em outras “um coringa” desempenha um monte de papéis – a mesma pessoa “cobra o escanteio e vai correndo pra área cabecear”, se é que me entende !
- Esta complexidade cria a tendência de sempre achar que existe um monte de gente querendo “passar a perna na gente” – pensar que como existe uma estrutura para fazer “X”, ela é especializada em “tirar o sangue” das demais … fruto do momento que vivemos em que se enaltece quem “destrói” o outro, e não quem procura se diferenciar pelas virtudes … a “moda histórica” é criticar na rotina … elogiar faz parte do passado;
- Uma área mal conhece realmente o que a outra faz … recebe algo e nem sabe como foi produzido, quem produziu … e invariavelmente o que recebe tem algum defeito, ou poderia ser diferente, “segundo a sua opinião” na maioria das vezes sem embasamento técnico algum.
Se engana quem pensa que “nesta cadeia de valores” a tensão ocorre somente entre a fonte pagadora e o serviço de saúde:
- Ocorre dentro do próprio SUS … quem já participou de reuniões entre quem operacionaliza o controle orçamentário e a regulação sabe do que se trata … entre o controle orçamentário e a incorporação de novas tecnologias “é puro show de horror” !
- Ocorre dentro da própria operadora … entre as áreas de credenciamento e gestão da sinistralidade …
- Ocorre dentro de hospitais … entre enfermagem, farmácia, faturamento, auditoria … reuniões que parecem mais “sessões descarrego” do que “a mentirosamente chamada de gestão participativa” !
Na minha experiência tanto como executivo em empresas, como na consultoria, aprendi que uma boa prática para mitigar um pouco o “drama” é o compartilhamento de práticas, de modo que as pessoas tenham visibilidade sobre o que as outras fazem, e possam discernir com base sobre o que são “picuinhas” e o que são dificuldades reais.
Uma ótima prática interna … para ser aplicada dentro da própria empresa … é o rodízio:
- Tem problema entre a enfermagem e o faturamento no hospital ?
- O faturamento diz que a enfermagem não colabora ? … um dia na vida de cada faturista … apenas um dia … reservar para que o faturista faça um estágio em uma unidade de internação … para entender como é a dinâmica de atendimento de pacientes … os problemas da rotina da enfermagem … escutar “um monte” do acompanhante do paciente para ver como “fica a cabeça” das pessoas que trabalham na enfermagem durante o turno …
- A enfermagem diz que o faturamento é chato ? … um dia na vida de cada enfermeiro … apenas um dia … reservar para que ele faça um estágio no faturamento … ajudar a compor uma conta para entender a dificuldade de coletar as informações necessárias … sentir a cobrança da gestão nos erros das contas que não podem ser resolvidos sem evidências produzidas pelas áreas assistenciais …
- Isso vale entre a enfermagem e a farmácia, recepção e financeiro, central de guias e CEM …
- Vale para operadoras de planos de saúde, vale para órgão gestores do SUS … onde a tensão é mais evidente, maior a chance do rodízio “baixar a bola” dos que entram nas reuniões “armados” com uma infinidade de provas que os outros “são incompetentes”;
- Não há uma só razão que justifique que o rodízio não seja feito … o tempo que o profissional vai ser tirado da sua rotina para “fazer o estágio” na outra é muito menor do que o tempo que ele gasta para reclamar e produzir provas para “incriminar” as outras áreas … e o resultado é fantástico … acredite !
Uma ótima prática entre fonte pagadora e serviço de saúde é a visita:
- Se as pessoas só se falam por e-mail, ou por chat, ou por telefone, ou mesmo em vídeo à distância … nunca encontraram fisicamente a pessoa com quem se relaciona há anos … “amaldiçoando” a pessoa sem conhecer seu local de trabalho, as dificuldades que têm na sua estrutura física …
- É um cenário em que as pessoas “constroem” uma imagem de “inimigo”, e o relacionamento só vai encrudescendo ao longo do tempo … as pessoas “do lado de lá” passam a ter “apelidos depreciativos”, e o eventual erro real sempre é “rotulado” como má intenção;
- Se as pessoas só se relacionam para discutir problemas … naturalmente se tornam “chatas” … o bloqueio para construir ações realmente colaborativos é inevitável;
- Nada de aproveitar a visita para “isso ou aquilo” … a visita tem que ser visita para conhecer o local, as pessoas, se apresentar … nada de levar o “caso X” para ver se resolve … deixe que tudo naturalmente será melhor encaminhado depois da visita … acredite !
- Vai ver que aqueles profissionais “do mal” tem família como todos, cumprem horário, levantam-se de manhã pensando em fazer a coisa certa … o sistema de financiamento e seu cargo obriga que eles façam coisas que se opõem ao que quer o “outro lado da mesa”, mas na maioria da maioria da maioria absoluta das vezes é definido para a sua função, e é necessário para manter a sustentabilidade do seu emprego e da empresa que paga seu salário !
Outra ótima prática é promover encontros para disseminar práticas:
- Cansei de fazer isso … em serviços de saúde convidar médico para dar uma palestra sobre uma doença no auditório, e convidar operadoras de planos de saúde … em operadora convidar o gestor de uma carteira de beneficiários para dar uma palestra sobre gestão da sinistralidade e convidar serviços de saúde;
- O “outro lado” invariavelmente muda a visão de “opressor” que tinha e passa a considerar que existe profissionalismo “do lado de lá” … sempre acaba “caindo algumas fichas” de que aquele “fulano não é tão sádico” como parecia;
- Por conta de um evento destes, um processo de credenciamento de uma especialidade em um hospital que inexplicavelmente não evoluía foi “acordado” alguns dias depois … a palestra expôs o padrão de qualidade da equipe e a operadora teve visibilidade disso de forma real: não foi um discurso comercial fantasioso para uma operadora específica – foi a exposição de práticas do serviço naquela especialidade para diversos profissionais que estavam assistindo a palestra. O representante daquela operadora era uma entre dezenas de pessoas que estavam assistindo !
Quando a instituição se propõe a disseminar seu conhecimento … sua experiência … de forma transparente, a recompensa sempre é o reconhecimento profissional:
- Certamente não é possível ter 100 % de resultado em todas as ações de compartilhamento … não há mal algum nisso … se tiver 90 % … 50 % … 10 % … qualquer coisa é alguma coisa que não seria obtido se a ação não fosse realizada;
- Já é alguém, ou alguma instituição, que vai olhar sua empresa de forma diferente !
Bem … sou suspeito para falar sobre disseminar experiências.
Comecei com um livro em 2012:
- Até chegar aos 11 … mais 2 por editoras, e 9 de edição própria;
- Um grande orgulho de vê-los nas prateleiras das livrarias … na FGV … no Einstein;
- Mas especialmente os livros gratuitos da Internet … o mais antigo já contabilizou mais 100.000 downloads … se 5 % de quem baixou leu (tenho certeza que foi mais que isso), é algo absolutamente inacreditável em se tratando de livros técnicos tão específicos !
O estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil começou com 2 cadernos;
- Chegou a 14 … a ponto de não conseguir mais editar em cadernos … agora disseminado em seminários temáticos !
- Nas consultorias tenho o maior prazer em fornecer o máximo de tabulações, porque sei o quanto auxiliam gestores a expandir sua visão do mercado, e sei a dificuldade que eles têm em empenhar tempo para fazer as tabulações;
- As tabulações “não patrocinadas” são compartilhadas gratuitamente com o maior prazer !
Estou entre dezenas de milhares de pessoas que admiram as instituições que publicam práticas e indicadores de gestão em saúde em web sites:
- Por exemplo: pense em um hospital que dissemina práticas de gestão em seu web site … é bem provável que pensou no mesmo que eu … mesmo que não tenha pensado, seu eu dissesse qual, se lembraria dele … acho que já passou por lá para baixar algum conteúdo !
- Se tiver oportunidade, vá a este hospital e comprove como é o clima organizacional … e se tiver oportunidade, compare como é o relacionamento dos profissionais deste hospital com os das empresas da cadeia de valores citada lá em cima … o relacionamento interno e o externo;
- Não dá para negar que a sua prática de disseminar conhecimento é fator determinante para este cenário !
Quem atua na gestão da saúde pública e privada não tem culpa de termos regulações tão ruins:
- A do SUS sofre com a falta de visão que o governo tem sobra a área da saúde … vê a saúde como uma obrigação constitucional e não como oportunidade econômica, como fazem os países desenvolvidos … acho que nem é preciso explicar muito, porque somos vítimas disso;
- A da Saúde Suplementar decorrente da falta de foco da agência reguladora … tem menos regulação na relação entre o comprador (beneficiário individual e empresa contratante) e a operadora, do que entre a operadora e os serviços de saúde … um absurdo !
A relação tensa é uma consequência natural deste cenário !
Não podemos desanimar:
- Nunca haverá 1 milhão de visualizações no Youtube sobre um vídeo técnico … a cultura é visualizar “o meme do cachorrinho” … a opinião de um famoso sobre tema que ele não tem o menor “conhecimento de causa” … a crítica de pessoa ou empresa sem base para julgar;
- Compartilhamento de “coisa técnica” … especialmente sobre gestão em saúde … se tiver mais de mil visualizações é “best-seller”;
- Não faz mal … se 100 gestores passarem a ter uma nova visão sobre o que é a empresa, ou o profissional que publicou já vale … entre os 100 pode estar aquele “odioso” do lado de lá da mesa !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.