Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti
Quem aproveitou as festas antes da “onda Ômicron” para matar as saudades dos quiosques de praia … dos barzinhos em estâncias turísticas … dos hotéis … percebeu que está “aumentando o cerco” em torno dos canudinhos de plástico.
Muitos acredito que lembram de uma “celebridade” que abraçou a causa das sacolinhas plásticas em uma campanha patrocinada por uma rede de supermercados … e na campanha citou os canudinhos associando os dois no dano causado na natureza:
- São duas coisas completamente diferentes: um só causa danos e não é reutilizável … o outro causa danos mas “tem lá” alguma reutilização e até auxilia famílias menos favorecidas economicamente … muitas delas, sem os saquinhos, descarta lixo diretamente em córregos e áreas verdes, especialmente em regiões metropolitanas, porque se não tem dinheiro nem para comprar comida, quanto mais para comprar sacos de lixo !
- Inclusive, o “cartel comercial” dos supermercados se apoderou do discurso para poder vender como produto algo que é embalagem … embalagem que é um direito do consumidor em qualquer tipo de estabelecimento … menos em supermercados onde o “lobby” prevaleceu ! … se fosse mesmo “causa” e não “intenção lucrativa” dos supermercados eles teriam investido em patrocinar a proibição de venda de canudinhos e não a lei que permite a venda de sacolinhas “por um preço criminoso”, diga-se de passagem !!
A “celebridade” dizia que não pode existir algo mais absurdo do que o consumo de canudinhos … que são utilizados por alguns segundos e descartados no meio ambiente … onde vão demorar anos para se decompor:
- Acertou “em cheio” em relação ao uso absurdo … é claro que é … e em relação ao tempo de decomposição … sem a menor chance de dúvida;
- Mas errou em relação ao fato de que não pode existir algo mais absurdo quando se fala do assunto … não teria dito isso se conhecesse um pouco o segmento da saúde.
Com todo o respeito … sempre … sempre … sempre respeitando ao máximo a opinião de outras pessoas:
- As sacolinhas plásticas têm um papel social muito maior do que a narrativa de quem está cobrando por elas no caixa dos supermercados … os que patrocinam a lei que obriga pessoas de menor poder aquisitivo a pagar por algo para aumentar seu lucro;
- Uma questão bem simples: ou se proíbe a distribuição porque o produto é danoso e fútil … não permitindo de forma que seja utilizado … ou não se pode permitir a venda … não é verdade ?
- Ou será que quando o produto é vendido deixa de fazer mal ao meio ambiente ?
Os produtos da figura acima, utilizados na área de alimentação, embora indiscutivelmente poluidores, e que já deveriam estar na mira da construção de alternativas para minimizar seu uso … ou para construir uma rede de captação mais eficiente para reciclagem … são menos impactantes ao meio ambiente do que é descartado em larga escala na natureza pela área da saúde !
O cálculo demonstra que somente no Brasil seria possível dar uma volta na Linha do Equador enfileirando as máscaras descartáveis após sua utilização em serviços de saúde … em apenas ~11 dias !
- Quando dizemos Linha do Equador, significa dar “uma volta no mundo inteiro” … na “maior circunferência” que ele tem !
- Você pode ajustar este cálculo minimizando as quantidades utilizadas da forma como quiser, uma vez que são números estimados e não coletados segundo melhores práticas científicas;
- Mesmo que o cálculo estiver “10 vezes errado” … e “olha que haja esforço e criatividade” para errar algo tanto assim ! … ainda seriam necessários apenas 111 dias para dar “uma volta no novelo” !!
E estamos falando somente de máscaras descartadas em serviços de saúde no Brasil:
- Não estamos citando as utilizadas em todos os serviços de saúde no mundo;
- E nem estamos citando as máscaras que todos passaram a utilizar desde que chegou a pandemia fora dos serviços de saúde … as que passamos a utilizar na nossa rotina responsável de prevenção da nossa saúde e, principalmente, da saúde das pessoas com quem convivemos socialmente !!!
E se na área da saúde nosso problema com o meio ambiente fosse somente as máscaras … que bom seria !
- Seringas, agulhas, toucas, cateteres …
- … depósitos gigantescos de soros em serviços de saúde … o soro vai pro organismo … a embalagem de plástico pro lixo !
Se fizéssemos o cálculo de quantos dias todo este lixo demoraria para cobrir a face da Terra, criando “touca” fabricada com “lixo descartável”, certamente ficaríamos muito mais preocupados com o rumo que o descartável tomou na área da saúde … e talvez deixássemos para depois o apoio aos “cartéis das sacolinhas” para nos empenhar em dar solução para coisas muito mais danosas para a sociedade … para o meio ambiente !
Se já se escandalizou ao saber quanto tempo demora para um canudo plástico se degradar na natureza … compare com o tempo de decomposição de uma seringa, um frasco de soro, um cateter … uma agulha !!!
Se acha absurdo descartar um canudinho que é utilizado por 1 … 2 minutos em um “boteco” … seringa e agulha na área da saúde “meu amigo”: 1 ou 2 segundos !
Quem é mais velho, como eu, viu unidades de internação onde medicamentos eram dispensados a partir de vidros grandes que ficavam no “armário da unidade” … as farmácias de serviços de saúde que conhecemos hoje são “eventos” recentíssimos da história da medicina:
- Tinham vidros de 2 … 3 litros … cheios de comprimidos … a enfermagem “pegava” os comprimidos e dava ao paciente de acordo com a prescrição … e você pode não acreditar, mas em muitos países do mundo isso ainda acontece … e, é claro, evidentemente traz muitos riscos à assistência, não só pela contaminação por manipulação do medicamento, mas pelo fato do recipiente ser de vidro !
- Hoje a regulação mundial e as “boas práticas” obrigam que sejam embalados individualmente;
- Cartelas de plástico … vasilhames de plástico … seringas preenchidas !!!
- Dentro da “farmácia hospitalar” reembalados em “tirinhas” de plástico individualizadas para cada prescrição … é “plástico a dar com pau” !!
- Quantos medicamentos você conhece que a embalagem é muito … mas muito … mas muito mais cara que o medicamento … e o volume da embalagem muito … mas muito … mas “gigantemente maior” do que do medicamento ?
- Além da embalagem ser mais cara e maior … o medicamento vai para o organismo … a embalagem pro lixo !
E geralmente é uma embalagem “híbrida”: mistura uma coisa de metal com “não sei o quê” na base (aquilo que a gente rompe para liberar o medicamento”, com plástico mais resistente que envolve e “transparece” o medicamento por cima:
- Para entender o problema disso … você já deve ter visto várias notícias de roubo de fios (cabos) … porque o “ladrão” vende o metal;
- Por isso rouba cabos de energia, em que o isolante (o plástico) é muito pouco em relação ao total do produto, e fácil de ser separado … derretendo o plástico, que é pouco, o metal, que é muito, “sobrevive” !
- Note que não roubam cabos de telecomunicações: os que são de fibra de vidro não tem metal para ser vendidos, justamente por serem de fibra de vidro e não de metal … e nos de tecnologia mais antiga, que têm metal, é muito difícil separar o plástico, porque a quantidade de metal em relação a quantidade de “plástico” e papel (!!) é insignificante;
- Por isso roubam o que é fácil reciclar … não roubam o que não é fácil … custa mais caro derreter do que o que se vão conseguir com a venda do metal;
- Por que estamos citando isso ? … estas embalagens “transgênicas” de medicamentos são como “cabos de telecomunicações” … não existe “motivação econômica” para reciclar !!
O que se discute é o rumo que “o descartável” tomou na área da saúde … foi e continua sendo absolutamente inadequado:
- Não se questiona o uso … não é isso … longe disso;
- É evidente o ganho assistencial que se tem com a sua utilização, como redução de riscos de infecção, controle de validade, rastreabilidade, segurança do paciente …
- É mais do que evidente a diferença entre o risco de se manipular um vidro de 2 – 3 litros que pode quebrar, ou manipular medicamentos em tarjas … “não tem cabimento” discutir isso !
- O que se questiona é a “desresponsabilização” dos envolvidos em prol do cálculo de custos que só considera “o seu umbigo” e esquece do dano ambiental … o “custo ambiental”;
- O cálculo do custo na cadeia de valores não considera o custo do destino, o custo da reciclagem … ninguém está realmente envolvido em se responsabilizar pelo custo de todo o ciclo … com o custo da reciclagem !
- Como ninguém paga por isso, é claro que ninguém vai se interessar em reciclar … desde quem produz, até quem utiliza e descarta … é isso que necessita ser ajustado no “modelo descartável” desenvolvido pela área da saúde” !
É claro que:
- O custo para esterilizar uma agulha “no varejo” é muito maior do que comprar uma nova agulha “produzida no atacado”;
- O custo da logística de reposição e de lavar um lençol utilizado em uma maca de cada consulta em um consultório é muito maior do que utilizar papel descartável em rolo;
- O custo de lavar uma fralda de pano no varejo é muito maior que o de comprar fralda descartável produzida no atacado;
- Se o cálculo é feito desta forma, o descartável sempre vai “dar de lavada” no reutilizado !
E é claro que o risco que envolve a logística e manipulação do reutilizado não tem como ser menor que o do descartável, em qualquer situação !!
O problema é que na área da saúde não se cogita inserir no panorama o custo ambiental para que ele faça parte deste cálculo e ao mesmo tempo se preocupe em economizar e desenvolver modelos mais sustentáveis na cadeia de valores:
- Quanto custa implantar uma estrutura de coleta seletiva adequada … realmente adequada, de ponta a ponta ?
- Quanto custa reciclar o material que vai pro lixo ?
- Quanto custa o dano causado no meio ambiente do material que não é reciclado ?
Se o produtor e quem utiliza não é responsabilizado pelo insumo poluente que gera … nem se preocupa em responder estas perguntas … nunca vamos mudar o cenário:
- Pneu, por exemplo, o fabricante tem que “recolher o vasilhame” (o usado) para vender um novo … isso tem custo;
- Latas de refri, de cerveja … foi criada uma cadeia de valores de reciclagem que recolhe tudo de volta para alimentar a cadeia de produção … isso tem custo;
- Este custo é “aportado” na cadeia de valores “no atacado”, evidentemente elevando o preço de venda … isso reduz o dano ao meio ambiente … o dano é mitigado de “forma profissional” e sustentável distribuindo “o custo invisível para o consumidor” em toda a cadeia de valores … o aumento do preço do produto em uma cadeia de valores inteligente como esta também é reduzido … e “gera empregos”.
Seringa, agulha, máscara, fralda … embalagens de medicamentos e outros insumos na área da saúde:
- A estrutura de reciclagem ainda é embrionária onde existe … quem faz propaganda de que tem uma estrutura adequada para isso até merece consideração … mas na realidade é insipiente quando analisamos sem viés de patrocínios ou marketing institucional … onde existe, por mais tecnologia empregada, o ciclo ainda funciona de forma “amadora”;
- E é inexistente na maioria absoluta dos locais em todo o mundo !
- Você pode não ter reparado … repare … até nos seriados que mostram “heróis das câmeras” sobrevivendo em locais inóspitos aparece lixo hospitalar … nos confins do mundo … especialmente em praias desertas nos 5 oceanos do mundo, onde não existe a preocupação de “limpar para não atrapalhar o turismo” !
Ainda estamos “engatinhando” em coleta seletiva na área da saúde – somos completamente amadores nisso:
- Ainda temos rotina de coleta de lixo comum maior do que a de coleta seletiva;
- Isso ainda acontece em praticamente 100 % dos municípios brasileiros para a área da saúde;
- Tem “caminhão de lixo comum” passando todos os dias … e o caminhão de coleta seletiva passando uma vez por semana !
- Mesmo sendo o lixo “facilmente reciclável” em volume … já há muito tempo … muito maior em volume do que o “lixo comum” !!
A questão ambiental no mundo é grave … já estamos sentindo os efeitos há alguns anos:
- É irreversível … não podemos eliminar o problema, mas podemos mitigar os danos se a consciência mudar;
- E infelizmente, em uma época de tanta “ideologia barata” governando o mundo, a consciência só muda se “doer no bolso” de alguma forma … não existe motivação se não envolver penalidades … não adianta ser ingênuo e pensar o contrário … conscientização real vai demorar “umas boas décadas” para deixar de ser discurso e se tornar realidade;
- Precisa doer no bolso inclusive dos órgãos governamentais, responsabilizando os políticos irresponsáveis através de processos administrativos que obriguem o órgão e o servidor público a ressarcir os danos que causa por negligência ou de forma dolosa !
Nossa consciência ambiental ainda nem “debutou”:
- Você não se sente um alienígena quando utiliza máscara de pano ? … especialmente as que não foram compradas “na semana passada” e já estão “um bocadinho desbotadas” ?
- As pessoas olham com aquele olhar de reprovação: “caramba … não tem dinheiro para usar máscara descartável ?
- O que custa lavar máscaras reutilizáveis ? … é tão ruim assim ?
- Cada um de nós … se contabilizarmos quantas descartamos desde o início da pandemia … e ainda vamos descartar por muito tempo, porque o novo normal nunca mais será o mesmo … se fizermos a conta do quanto mediriam se estivessem enfileiradas: já pensou nisso ?
- Acontece com as máscaras tudo que acontece com a sociedade consumista que nos moldou durante décadas … usar roupa velha e/ou que “não está na moda” e/ou que “não é de marca” … “queima o filme” !
- Então descartamos “um zilhão” de coisas desnecessariamente, sem nos preocupar com o destino !!
Com a saúde acontece a mesma coisa … e a saúde polui muito … “hospital” que é a instituição que me encantou a ponto de mudar minha atuação profissional é “um porcalhão ambiental na essência” !
A “cúpula ambiental” do ano passado … os reflexos ambientais que nem mesmo “os mais ferrenhos negacionistas” estão conseguindo “desmentir” … as coisas que deixaram de ser tendências para se firmarem como realidade, a ponto de passarmos a ver corridas de automóveis que “não fazem barulho”, não utilizam combustíveis fósseis e obrigam o piloto a poupar ao invés de “não ter limites” … evidências de que não tem como a saúde escapar da mira do ambientalismo !
- Em uma forma parecida com a de uma “inquisição ambiental na saúde” … doendo no bolso dos “culposos” e penalizando severamente os “dolosos”;
- Porque é urgente rever o “modelo descartaveloso” atual da saúde que só considera custos que interessam para “o agora” e deixa para as gerações futuras a solução de um problema que deveríamos ter colocado na nossa agenda já há alguns anos, mas não fizemos !!!
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Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.