“Nuances da precificação de produtos hospitalares”, por Enio Salu

(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti

Nesta sexta-feira encerramos o programa de atualização gerencial para gestores dos hospitais da Unimed do Estado de São Paulo … 5 etapas … 54 gestores de 32 hospitais diferentes … agradeço imensamente (mais uma vez) à Unimed FESP pela oportunidade … muito obrigado !!

Neste último encontro o foco foi precificação.

Os gráficos acima ilustram a frequência proporcional de realização do procedimento Herniorrafia Incisional:

  • Entre homes e mulheres, por faixa etária;
  • O da esquerda no Estado de São Paulo … o da direita no Estado de Minas Gerais.
  • Pergunta: existe alguma chance de um produto qualquer (não precisamos pensar em herniorrafia incisional) custar a mesma coisa sendo vendida para públicos tão diferentes ?
  • Resposta: qualquer pessoa que algum dia já empreendeu em qualquer tipo de negócio, seja um carrinho de cachorro-quente, uma loja de eletrônicos, um mercado … seja lá o que for … vai dizer: “de jeito nenhum !”.

Se você vai abrir uma loja de calçados femininos, a primeira coisa que pensa (ou que o motiva a abrir é):

  • É uma loja de comércio de rua para vender calçados populares e baratos, ou de shopping para vender calçados mais sofisticados e caros ?
  • O custo de aquisição do calçado vai pesar menos na definição do preço do que a definição de quem vai comprar o calçado;
  • Voce pode errar em muitas coisas quando vai abrir um negócio, mas se errar no público-alvo “é morte certa” … é querer vender calçados de luxo na Rua 12 de Outubro na Lapa em São Paulo – “vai passar sufoco, como diria Zeca Pagodinho” !
  • Definiu calçado feminino, definiu o sexo … a definição do local pode direcionar não somente a classe social, mas a idade – voce não vê pessoas de 80 anos “perambulando” por ruas de comércio popular se esbarrando umas nas outras “na massa popular” deste tipo de mercado !

Se isso acontece com um produto que não muda – cada sapato a ser vendido é sempre o mesmo produto – imagine o “modelo de produto Herniorrafia Incisional” que, é o mesmo produto de venda, mas é um produto totalmente diferente quando é vendido para uma pessoa de 30 anos, ou de 80 anos – muito diferente do sapato nº 38 que serve tanto para pessoas de 30 como de 80 !

Então, olhando para os gráficos acima que demonstram a distribuição do volume de herniorrafias realizadas por local, sexo e idade, já dá para entender que não tem como ela ser vendida pelo mesmo preço no Brasil inteiro !!!

E este gráfico comprova, utilizando exatamente a mesma amostra dos anteriores, o ticket médio proporcional das contas de Herniorrafia Incisional:

  • Ticket médio é o valor médio da conta … não o preço do “procedimento TUSS” Herniorrafia Incisional na tabela de preços de honorários médicos … é o preço total da conta incluindo o procedimento e os demais insumos;
  • Precificação em saúde não é fantástica ? … perceba que ele não guarda proporção com o anterior !
  • Se fosse um sapato fabricado em qualquer lugar e distribuído por todo o Brasil, era de se esperar que onde existe maior consumo, o preço é proporcionalmente menor … talvez com alguma variação em relação ao custo da logística entre a fábrica de sapatos e a loja regionalmente – isso certamente seria algo de alguma importância, mas não mudaria o perfil radicalmente como é o caso da herniorrafia.

Porque saúde … saúde é outra coisa … os parâmetros de precificação são diversos … e um parâmetro pode ter maior ou menor influência dependendo do contexto:

  • Não se fabrica a herniorrafia em série em uma fábrica para ser distribuída pelos pacientes em todo o Brasil;
  • Ela é executada “de forma personalíssima”, por médicos diferentes …
  • … em diferentes serviços de saúde de configurações muito diferentes …
  • … em locais que têm mais ou menos oferta de médicos para realizar (lembrando que “a vida não mudou” … é muito difícil conseguir médicos para procedimentos de alta complexidade na maior parte do Brasil);

Em locais que têm mais ou menos serviços de saúde equipados para realizar – também, a vida não mudou … não temos serviços de saúde preparados para realizar todos os procedimentos da medicina em qualquer parte do Brasil.

E assim é com todos os produtos na alta complexidade:

  • Os gráficos ilustram as proporções de outro produto;
  • Intencionalmente escolhi um produto “muitíssimo parecido com o anterior” para que não haja dúvida;
  • Se fossem modelos de sapatos diferentes, mas digamos assim “do mesmo tipo”, manteriam uma certa proporcionalidade de variação de preços;
  • Saúde, definitivamente, não é o caso … os números demonstram esta diferença de forma absolutamente clara;
  • Vender um procedimento médico em um hospital não tem absolutamente nada a ver com produzir e vender sapatos;
  • Os números não deixam a menor dúvida sobre isso !

E assim discutimos práticas e cenários de precificação no curso, da mesma forma como conduzimos projetos de precificação em consultorias:

  • Mas não falamos somente sobre melhores práticas;
  • Se posso contribuir com gestores é também – e talvez principalmente – dando exemplo de “piores práticas” que não gostaria de ter visto na minha experiência em consultorias.

Citando a melhor das melhores práticas do gestor comercial hospitalar:

  • Conhecer bem o seu produto;
  • Tem gestor comercial de hospital discutindo preço de diária de UTI, e não conhece a UTI do seu hospital e dos seus concorrentes … dá para acreditar ?
  • Discute diária de apartamento com a operadora, sem saber a diferença do seu apartamento e do apartamento do vizinho;
  • Tem os que nem sabem a diferença entre uma UTI e uma Semi … a diferença da qualificação e disponibilidade do seu corpo clínico em relação aos concorrentes no seu mercado …
  • Entra no hospital pela portaria, nunca passou uma manhã na recepção para conhecer como é “o cartão de visitas” da empresa que representa no mercado … a recepção não somente pelos móveis, arquitetura, ar-condicionado, mas principalmente pelo clima … ambiente, acolhimento … sempre será o cartão de visitas de qualquer serviço de saúde … é isso que o cliente tem algum grau de discernimento para julgar, subjetivamente … a técnica assistencial de forma objetiva ele não tem a menor condição /competência para avaliar;

Como pode um profissional da área comercial, que não conhece profundamente seu serviço para poder comparar com os serviços concorrentes, entender o sentido da discussão dos gráficos lá acima ?

  • … não pode ! … “não tem como poder” !
  • É um vendedor de carros que nunca entrou no carro que vende, nem no carro da concorrência … e opinam sobre algo que na verdade não conhecem … perdem vendas porque o comprador sabe mais do produto que está comprando do que ele que está vendendo !!
  • É muito comum ver em serviços de saúde gestores de precificação que vêm de operadoras e demoram anos para “cair a ficha” de que o mercado de venda é bem diferente do mercado comprador … e levam o serviço para o pior caminho que existe: a submissão “ao mantra” da fonte pagadora que conhecem !!!

Está longe o tempo em que a gente “precificava no escuro” … faz muito tempo que a gente tem praticamente todas as informações que necessitamos em bases de dados públicas e na Internet para isso … tive a oportunidade de acompanhar na prática esta evolução … dá trabalho compilar, mas que dá para precificar “no claro” … isso é indiscutível !

Cabe encerrar com um ditado que os mais velhos, com muita sabedoria, nos ensinaram: “se quiser conhecer o mar é preciso sair de dentro do aquário !”.

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