“Regras para integrar IA à saúde”, por Giovanni Guido Cerri

Marco regulatório da inteligência artificial terá de se adaptar à velocidade dos avanços da tecnologia

 

A tecnologia há muito tempo encontra na medicina um espaço privilegiado de aplicação. É inegável o auxílio que os desenvolvimentos científicos convertidos em ferramentas médicas prestam. Do raio-X à tomografia computadorizada, da aspirina aos anestésicos que permitem fazer cirurgia em pacientes conscientes…A lista não caberia aqui. Mas para o uso de todas as inovações trazidas ao exercício da medicina há regras. Em busca de criar o conjunto de regras que vai orientar a integração da Inteligência Artificial (IA) à saúde, o Marco Regulatório da IA, uma comissão composta por 18 juristas e encabeçada pelo ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva já analisa os textos propostos no Legislativo desde o dia 29 de abril.

Tais regras são necessárias porque não se pode ter avanços tecnológicos na saúde que coloquem em risco a segurança ou a privacidade dos pacientes. Há questões éticas e de responsabilidade dos profissionais de saúde com as quais será preciso lidar. Estamos no início do processo de ter a IA integrada cada vez mais profundamente à medicina, e alguns desafios serão inéditos – não há arcabouço legal, portanto, para lidar com questões específicas que poderão surgir. Um arcabouço legal tem de estar presente, sob risco de que eventuais questões relacionadas a falhas ou erros médicos acabem em um limbo jurídico.

No ano passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou o relatório “Ética e governança da inteligência artificial para a saúde”. Trata-se de um documento que levou dois anos para ser elaborado, e elenca seis princípios para que a IA seja aplicada considerando os direitos dos pacientes: proteção da autonomia humana; promoção de bem-estar, segurança e interesse público; garantia de transparência, tornando-a compreensível a todos (trata-se, afinal, de um assunto bastante complexo); promoção de responsabilidade e prestação de contas; garantia de inclusão e equidade; e promoção de uma inteligência artificial responsiva e sustentável.

São guias bastante amplas, que possam orientar cada país a elaborar suas regras específicas. O relatório também chama atenção para algo importante, a se levar em conta na criação do marco regulatório brasileiro: a inteligência artificial é uma ferramenta. Não se deve superestimar seus benefícios e descuidar de investimentos e estratégias que promovam a cobertura universal dos serviços de saúde.

Um risco embutido na elaboração de regras para orientar o uso de uma tecnologia que avança bem rápido é que algumas delas já cheguem defasadas ao papel. Esse desafio é real. A comissão deverá levar isso em conta para que não se crie um conjunto de regras que já surja obsoleto. As regras que vão compor esse marco regulatório precisam levar em conta o ritmo rápido com que as inovações chegam e isso exigirá um ajuste bastante equilibrado.

O uso da inteligência artificial já cria dilemas éticos: basta ver as questões relativas a reconhecimento. Há casos em que tons de pele não puderam ser reconhecidos pela máquina, levantando questões sobre racismo. Ainda resta um longo caminho a percorrer também no caso de usar IA para reconhecer emoções humanas a partir das expressões do rosto. Esses são dois exemplos de áreas em que é preciso mais desenvolvimento e pesquisa. Insuficiências da IA que venham a ocorrer em uma decisão médica podem ter consequências trágicas. É preciso ter embasamento legal que permita apontar responsabilidades em caso de uma falha vir a ocorrer.

O marco regulatório para usar a inteligência artificial na saúde é peça central no emprego das inovações tecnológicas na atividade dos profissionais médicos. E é um caminho sem volta: não há nem haverá a opção de que se volte a tratar pacientes com a medicina de um ou dois séculos – ou mesmo de 50 anos atrás.  IA será cada vez mais parte da rotina de todos nós – e o marco regulatório será o guia orientar pelo melhor caminho, salvaguardando médicos e pacientes.

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