Artigo por Ana Cristina Müller e André de Moura Reis
O lançamento de produtos farmacêuticos no mercado é um processo complexo e custoso que permeia diversos departamentos de uma empresa farmacêutica, bem como órgãos governamentais que regulam o setor e, eventualmente, empresas parceiras. Além da complexidade em manter todas as partes interessadas atualizadas com o fluxo de informações, que muitas vezes é sensível e exige cautela para manutenção de confidencialidade, a restrição de tempo é um obstáculo recorrente desde o início do desenvolvimento até o lançamento de novos produtos farmacêuticos.
Nesse sentido, a propriedade intelectual, especialmente a proteção patentária, é uma ferramenta de grande importância para garantir a exclusividade na exploração de tecnologias farmacêuticas e protegê-las do uso não autorizado. Além disso, patentes podem alavancar o retorno econômico dos gastos em P&D de novos medicamentos e, consequentemente, seu posicionamento de mercado em territórios onde os preços dos medicamentos são regulamentados. No Brasil, por exemplo, ter uma patente que proteja o princípio ativo do novo medicamento permite uma melhor alocação nas categorias de preço. Não surpreendentemente, o negócio farmacêutico é classificado como uma indústria intensiva em patentes, com uso ao longo do ciclo de desenvolvimento até o lançamento e comercialização.
Vale ressaltar que a pesquisa farmacêutica nem sempre resulta em um candidato a medicamento viável, apesar dos custos substanciais e dos períodos prolongados despendidos ao longo do processo. De fato, o pool inicial com milhares de candidatos é significativamente reduzido à medida que a pesquisa avança do estágio pré-clínico, passando pelos ensaios clínicos Fase I, Fase II e Fase III, eventualmente com ensaios pós-comercialização Fase IV (considerando que um candidato viável seja de fato identificado).
Certamente, o escopo do trabalho envolvendo patentes pode variar durante esse longo período de tempo. Por exemplo, ele pode ser desencadeado já durante o processo de design molecular, onde são concebidas diversas substâncias (pequenas moléculas ou moléculas biológicas, dependendo do alvo da pesquisa) com potencial efeito terapêutico. Alternativamente, pode iniciar após a identificação e otimização dos compostos-protótipo (leads), etapa em que candidatos com atividade terapêutica aceitável são identificados e aprimorados para alcançar melhores propriedades secundárias. Em ambos os casos, recomenda-se uma avaliação de patenteabilidade para identificar as chances de proteger as referidas moléculas. Com o sinal verde para esta análise, o próximo passo é depositar um ou mais pedidos de patente relacionados. A definição de exatamente quando depositar o pedido, no entanto, pode ser particularmente complexa.
Se um pedido de patente for depositado muito cedo durante o processo de desenvolvimento, existe o risco de não haver resultados de testes para moléculas que eventualmente tenham maiores chances de sucesso posteriormente no processo, prejudicando a suficiência descritiva da invenção. Por outro lado, se um pedido de patente for depositado posteriormente durante o ciclo de desenvolvimento, com um conjunto bem definido de candidatos com boa probabilidade de sucesso, os requisitos de patenteabilidade de novidade e atividade inventiva podem ser prejudicados, uma vez que terceiros podem, nesse meio tempo, publicar artigos, divulgar resultados de testes ou até mesmo depositar pedidos de patentes direcionados a moléculas semelhantes ou idênticas àquelas em desenvolvimento.
A divulgação por colaboradores internos também não deve ser desconsiderada como um risco potencial ao patenteamento, embora alguns territórios, incluindo o Brasil, isentem a divulgação anterior como impedimento à patenteabilidade quando a mesma ocorrer em um determinado período de tempo antes do depósito efetivo do pedido de patente (Período de Graça) e sendo realizada pelo inventor ou por terceiros com base nas informações obtidas do inventor. Em qualquer caso, é altamente recomendável depositar primeiro um ou mais pedidos de patente e apenas subsequentemente publicar estruturas das novas moléculas e resultados dos testes na forma de artigos, apresentações em congressos ou qualquer tipo de divulgação pública.
Idealmente, a empresa está estruturada de tal forma que os colaboradores de todas as áreas, incluindo Pesquisa & Desenvolvimento, Propriedade Intelectual, Regulatório, Jurídico, Comercial e Marketing, estejam cientes da importância de patentear invenções e suas respectivas responsabilidades durante o processo, que são comumente interdepartamentais.
Outras ferramentas patentárias importantes para empresas farmacêuticas incluem busca exploratória (landscape), análise de patenteabilidade e escopo, bem como análise de liberdade de exploração (FTO). A busca exploratória é realizada em bancos de dados de patentes e artigos para fornecer um panorama sobre tecnologias relevantes, como tratamentos atuais de doenças específicas ou evolução de estruturas moleculares dentro de uma determinada classe de medicamentos. Já a análise de patenteabilidade e escopo define as limitações de um pedido patente ou patente e a efetiva/esperada extensão de proteção. Por fim, a análise de liberdade de exploração é adequada para antecipar e mitigar eventuais violações de direitos de patentes de terceiros, que podem levar a litígios, e é fundamental, por exemplo, ao lançar novas formulações de ingredientes ativos conhecidos que ainda podem ser protegidos por uma ou mais patentes válidas.
Além disso, avaliar o portfólio de patentes de uma empresa parceira durante as negociações para incorporar sua tecnologia na forma de um contrato de licenciamento (in-licensing) é extremamente relevante no momento de montar o plano de negócios. Nesse sentido, métricas como valoração de patente, prazo de proteção e escopo devem ser ponderadas para garantir que o licenciado possa explorar a tecnologia em todo o seu potencial.
O resultado de cada um desses serviços de patentes fornece suporte técnico ao processo de tomada de decisão durante a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos, mapeando desafios e riscos e maximizando oportunidades. Como resultado, as empresas farmacêuticas inovadoras podem melhor definir um posicionamento estratégico de mercado ao lançar novos medicamentos.
Ana Cristina Müller, Sócia da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados
André de Moura Reis, Especialista em Patentes da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados