“Na saúde, empreendedorismo e pesquisa devem andar juntos”, por Giovanni Guido Cerri

Qual é mais importante para a promoção de um sistema de saúde com qualidade, o setor público ou o privado?

O leitor ou leitora certamente percebeu a falsa dicotomia contida na pergunta. Não há saúde de qualidade sem a união harmoniosa dos dois setores, com suas respectivas responsabilidades perante cada desafio da área.

O setor público é crucial para garantir a democratização da saúde, com sua enorme capacidade de investimento e sua capilaridade sem paralelo.

Porém, sobretudo quando olhamos para as condições atuais da ciência médica, esse movimento de democratização depende fortemente da inovação tecnológica, que simplifica, aprimora e barateia os procedimentos.

Em larga medida, democratizar a saúde no século XXI é fazer com que tecnologia de ponta chegue a todos os estratos sociais, em todas as regiões do país.

Aqui a presença da iniciativa privada é crucial. Quando olhamos para alguns dos setores mais disruptivos, como o da telemedicina, robótica, IoT (“internet das coisas”, na sigla em inglês), 5G, inteligência artificial (IA) e Big Data, todos ligados direta ou indiretamente à área da saúde, a maior parte dos avanços produzidos nos últimos anos veio do setor privado.

São as empresas de tecnologia que lideram a atual revolução da área da saúde, puxada pelo surgimento de métodos remotos para a realização de exames e atendimentos, bem como pela sofisticação dos meios de diagnóstico, com o apoio de aparelhos mais precisos e de ferramentas de IA que podem, por exemplo, analisar exames de imagem em uma fração de segundo.

Uma política séria para a área da saúde deve, portanto, incorporar essas empresas inovadoras a uma grande estratégia nacional de saúde, estudando maneiras de fazer com que o setor público, com sua abrangência inigualável, possa justamente ampliar o alcance das boas tecnologias surgidas no âmbito privado.

O interesse é mútuo. Cerca de três quartos dos atendimentos de saúde no Brasil são feitos no SUS (Sistema Único de Saúde).

Isso significa que o setor público representa, de longe, o maior filão do mercado brasileiro da saúde. Toda empresa da área deseja entrar nesse mercado – deseja, em suma, vender para o SUS. Cabe ao poder público buscar estratégias que façam todos esses entes trabalharem a favor do interesse da população.

Uma iniciativa do InovaHC, o Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), ilustra bem o potencial dessas parcerias público-privadas.

O núcleo anunciou recentemente a 4ª edição do seu programa de incentivo à inovação, o In.cube, voltado a profissionais, colaboradores e pesquisadores do Hospital das Clínicas e da FMUSP.

Neste ano, o In.cube conta com a parceria da Unimed, que além de destinar mais de R$ 700 mil para financiar o lançamento do programa, oferece sua expertise como uma das maiores operadoras de planos de saúde do Brasil.

Isso significa que as soluções tecnológicas desenvolvidas no âmbito do In.cube poderão muito mais facilmente se traduzir em aplicações práticas no mercado da saúde, haja vista o apoio de uma grande empresa na formatação desses projetos.

O InovaHC, que já é um dos principais hubs de inovação em saúde da América Latina, responsável pelo protótipo de várias tecnologias que tornam a jornada do paciente mais intuitiva e eficiente, terá a chance de abrigar projetos em saúde digital com ainda mais potencial transformador.

A participação da Unimed no In.cube é parte de um acordo mais amplo entre a empresa e o InovaHC, com prazo de cinco anos. É a primeira vez que o núcleo de pesquisa fecha um acordo de longo prazo com uma empresa da área da saúde.

Esse caso ilustra bem o potencial das parcerias público-privadas na saúde. A cooperação não beneficiará apenas os pacientes do Hospital das Clínicas ou os usuários de um único plano de saúde.

Por tratar-se de um programa capitaneado por uma instituição pública, quaisquer inovações tecnológicas ali surgidas serão patrimônio de todos os brasileiros, com potencial aplicação nacional via rede SUS.

Ademais, o foco em soluções digitais garante que o impacto da pesquisa do InovaHC ultrapasse barreiras locais, dadas as possibilidades de uso dessas tecnologias em atendimentos à distância.

O Brasil precisa perder o medo de misturar saúde com empreendedorismo, ou, por outra, de promover uniões frutíferas entre os setores público e privado.

A experiência mostra com clareza que o principal resultado dessas parcerias, sobretudo nesta era digital, é uma saúde de melhor qualidade para todos os cidadãos.

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