A crescente demanda global por práticas sustentáveis e a evolução das políticas públicas relacionadas à gestão de resíduos e à circularidade deram o tom da palestra “Economia Circular e sua importância para o setor de dispositivos médicos”, realizada na programação exclusiva da ABIMED durante a Hospitalar 2025, maior feira de saúde da América Latina.
O encontro reuniu representantes do governo e especialistas do setor privado para debater os desafios e oportunidades relacionados à adoção de práticas circulares, em especial no contexto regulatório e produtivo brasileiro.
Circularidade como mudança de paradigma
Logo na abertura do painel, destacou-se que a economia circular deixou de ser um conceito voluntário ou reputacional para se tornar um elemento fundamental nas estratégias de sustentabilidade corporativa.
Maria Fernanda Pellizon, diretora de Controle de Poluição da CETESB, reforçou que, embora não existam obrigações legais expressas sobre circularidade para o setor, o caminho trilhado pela logística reversa aponta para um modelo em que essas práticas se consolidam como condicionantes no licenciamento ambiental.
“O licenciamento ambiental não impôs a obrigação de fazer logística reversa. O que ele fez foi observar e sistematizar as iniciativas que já existiam, organizando esse processo. Esse foi o grande ganho”, explicou Maria Fernanda.
Segundo ela, o mesmo movimento pode acontecer com a economia circular: “Já estamos avançando para práticas circulares no âmbito dos termos de compromisso da logística reversa, que será o próximo passo. Não exatamente para um termo exclusivo de economia circular, mas integrando essas práticas”.
Selo Verde e novos critérios para compras públicas
Outro ponto de destaque foi o lançamento do Programa Selo Verde pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), anunciado por Sissi Alves da Silva.
O programa cria um mecanismo de certificação para produtos ou grupos de produtos que atendam a requisitos específicos de sustentabilidade, com foco especial na circularidade.
Sissi ressaltou que, embora a certificação não possa ser diretamente vinculada às compras públicas, os critérios do selo serão considerados nesses processos.
“Já temos setores como o do café e a indústria química que aderiram, motivados sobretudo por questões reputacionais. O setor de dispositivos médicos precisa ficar atento, pois o ambiente regulatório e mercadológico está cada vez mais sensível a essas práticas”, alertou.
Segundo ela, o objetivo é impulsionar mudanças de comportamento e reforçar o compromisso setorial com a sustentabilidade. “A sociedade está de olho, e as empresas precisam mostrar que estão comprometidas com a mudança”, completou.
Pedro Carneiro, do escritório SPLAW Advogados, reforçou que esta é uma oportunidade estratégica. “O Selo Verde é um movimento importante e dialoga com discussões internas que já temos na ABIMED, como a criação de um selo setorial de qualidade. Podemos ser grandes fomentadores dessa iniciativa e trazer para dentro de casa uma certificação que reflita o nosso compromisso com a circularidade”, afirmou.
O papel do licenciamento ambiental
O debate avançou para a relação entre as exigências ambientais e as práticas circulares.
Pedro Carneiro lembrou que muitas empresas do setor de dispositivos médicos precisam de licenças ambientais, especialmente no estado de São Paulo, onde se concentra o maior parque fabril das associadas à ABIMED.
“A licença ambiental não se limita a exigir o cumprimento de obrigações legais. Ela induz comportamentos, como a adoção da melhor tecnologia disponível, conceito aplicado pela CETESB há anos, que acaba se tornando benchmark para o setor”, explicou.
Anselmo, representante da CETESB, destacou que o órgão busca manter um equilíbrio entre rigor técnico e razoabilidade, promovendo o desenvolvimento sustentável. “O licenciamento tem uma discricionariedade técnica importante, que observa efeitos sinérgicos e permite estabelecer condicionantes com embasamento”, disse.
Ele também fez um alerta: a CETESB está trabalhando para que a economia circular passe a ser considerada como um elemento formal dentro do processo de licenciamento, a exemplo do que ocorreu com a logística reversa.
“Esse é o próximo passo que estamos buscando construir, avançando para práticas circulares dentro dos termos de compromisso”, revelou.
Desafios específicos do setor
Durante a discussão, os especialistas destacaram que o setor de dispositivos médicos possui características muito particulares que precisam ser levadas em conta na formulação de políticas públicas e regulatórias sobre circularidade.
Entre elas, a presença de produtos com grau de risco elevado, que dificultam ou mesmo inviabilizam a reutilização ou reciclagem em cadeias produtivas, por questões de segurança sanitária.
“Não podemos deixar de dialogar com as exigências de segurança e prevenção de risco que são inerentes aos nossos produtos. Por isso é fundamental que o setor acompanhe de perto as iniciativas do MDIC, da CETESB e participe ativamente dos processos de consulta pública”, ponderou Pedro Carneiro.
O moderador do painel, Jorge Khauaja, diretor executivo da ABIMED, reforçou a importância da representatividade institucional nas discussões regulatórias.
Ele citou como exemplo positivo a participação da associação em consultas públicas recentes, cujas contribuições foram amplamente aceitas. “Isso mostra a força do setor quando atua de forma organizada e harmônica”, afirmou.
Jorge também fez um pedido à CETESB: que haja antecedência e previsibilidade na publicação de novas normas sobre circularidade, permitindo que o setor se prepare adequadamente.
“Com tempo, o setor se mobiliza, contribui e se adapta. A consciência ambiental não é mais uma moda, mas uma exigência de negócio, reputação e futuro”, concluiu.
Um caminho inevitável
Ao final, ficou evidente o consenso entre todos os participantes: a economia circular já é uma realidade em diversos setores e será, cada vez mais, um requisito para a competitividade e sustentabilidade das empresas de dispositivos médicos.
“O evento cumpriu seu papel ao trazer à tona os desafios, mas também as oportunidades. O setor precisa atuar de maneira proativa, antecipando-se às exigências e transformando compromissos voluntários em diferenciais competitivos”, concluiu Jorge Khauaja.