Em um painel que reuniu representantes de três das principais agências reguladoras do país – Inmetro, Anvisa e Anatel – foi discutido o panorama atual dos Requisitos de Avaliação da Conformidade (RACs) aplicados a dispositivos médicos.
O debate, parte da programação da Jornada Regulatória ABIMED, destacou a sinergia e os desafios na regulação do setor, com apresentações de Hércules Antônio (Inmetro), Juliano Tesser (Anvisa) e Leonardo Marques Campos (Anatel).
A Complexa Atuação do Inmetro nos RACs
Hércules Antônio da Silva Souza, Chefe da Divisão de Acreditação e Qualidade Regulatória de Requisitos de Conformidade do Inmetro, iniciou sua fala buscando esclarecer os diferentes papéis que o Inmetro desempenha e que, por vezes, geram confusão.
Ele destacou três competências principais que se relacionam com os RACs de dispositivos médicos:
- Acreditação: O Inmetro atua como o órgão nacional de acreditação, responsável por atestar a competência técnica de Organismos de Avaliação da Conformidade (OACs), como Organismos de Certificação de Produtos (OCPs) e laboratórios de ensaio, conforme normas internacionais (ISO/IEC 17065 para OCPs e 17025 para laboratórios). Este papel é fundamental para criar um sistema confiável para a avaliação da conformidade e é utilizado por diversas agências, incluindo Anatel. Atualmente, na área da saúde, o Inmetro possui 25 OCPs e 26 laboratórios acreditados.
- Regulamentação: O Inmetro também é um órgão regulamentador, responsável pela segurança de produtos e serviços em áreas que não são de competência específica de outros reguladores (“suplementar” ou “residual”), o que explica a vasta gama de produtos regulamentados pela agência.
- Coordenação de Avaliação da Conformidade: Este é o papel onde o Inmetro interage diretamente com a Anvisa e outras agências. Mediante delegação de competência, o Inmetro provê e coordena as regras de avaliação da conformidade para uso por outros regulamentadores. As regras contidas nos RACs são sempre definidas em parceria com o regulamentador e as partes interessadas. O Inmetro publica o RAC em portaria própria, realiza a gestão do esquema, esclarece dúvidas e harmoniza regras, sempre alinhado com o regulamentador.
Hércules informou que o Inmetro coordena atualmente 37 RACs para outros órgãos, sendo oito deles com a Anvisa.
Ele citou exemplos de RACs em parceria com a Anvisa, incluindo chupetas e dispositivos médicos como implantes mamários.
“Para implantes mamários, atualmente, está em processo de aperfeiçoamento da Portaria 786, parte da agenda regulatória do Inmetro”, esclareceu Antônio.
Ele também ressaltou que as portarias recentes do Inmetro têm clareza sobre a delimitação de competências, indicando que o Inmetro atua no cumprimento das regras de avaliação da conformidade, não na regulamentação técnica do produto ou no exercício do poder de polícia administrativa, que cabe à Anvisa.
A Compulsoriedade e a Parceria com o Inmetro na Visão da Anvisa
Juliano Accioly Tesser, Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, com atuação na Gerência de Tecnologia de Equipamentos, reforçou a parceria de longa data com o Inmetro na área de avaliação da conformidade para dispositivos médicos.
“A Anvisa tem a função de tornar o processo de avaliação da conformidade compulsório, o que é feito por meio de regulamentos específicos, como Resoluções de Diretoria Colegiada (RDCs)” explicou.
Tesser mencionou que o Inmetro é responsável por acreditar os OCPs e laboratórios que conduzem os processos de avaliação da conformidade.
“Devido ao fato de a grande maioria dos produtos regularizados na Anvisa serem importados (aproximadamente 70%), é possível aceitar relatórios de ensaios realizados por laboratórios fora do Brasil, desde que façam parte de acordos como o ILAC MRA, mas o processo de certificação deve ser conduzido por um OCP brasileiro”, ressaltou.
Tesser também citou a RDC 549/2021, que estabelece a compulsoriedade para equipamentos, e a Instrução Normativa 283/2024, que lista as normas técnicas que requerem certificação.
O representante da Anvisa também deu um panorama sobre os dispositivos médicos regularizados pela agência, mencionando que, embora a maioria seja de classes de risco I e II, há um aumento perceptível nos produtos de classes III e IV.
“A Anvisa possui mais de 96 mil autorizações ativas para dispositivos médicos, abrangendo materiais de saúde, produtos para diagnóstico in vitro, equipamentos e implantes ortopédicos”, indicou.
A Abordagem Específica da Anatel na Certificação
Leonardo Marques Campos, Gerente de Certificação e Numeração da Anatel, apresentou a perspectiva da agência na regulação do setor.
Ele destacou que, diferentemente do modelo Anvisa-Inmetro, onde o Inmetro coordena RACs para a Anvisa, a Anatel define seu próprio regramento para avaliação da conformidade e seu esquema de certificação, com base em sua experiência.
“A principal atribuição da Anatel é a proteção do espectro radioelétrico. Nesse contexto, a agência avalia a compatibilidade eletromagnética (CEM) dos equipamentos para prevenir emissões não intencionais que possam interferir em outros sistemas e garantir que o desempenho do próprio equipamento não seja perturbado por distúrbios eletromagnéticos”, explicou Campos.
O representante da Anatel explicou que a agência avalia equipamentos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) com base em normas internacionais diferentes daquelas utilizadas para avaliar a segurança e desempenho de equipamentos médicos (como a série IEC 60601, mencionada por Juliano e Denise).
“A Anatel foca no ambiente eletromagnético específico dos equipamentos de TIC, enquanto as normas para equipamentos médicos tratam do ambiente médico e a nossa classificação de risco se relaciona com o impacto potencial da interferência eletromagnética, especialmente para produtos usados em ambientes críticos, como hospitais”, frisou.
Sinergia e o Diálogo Necessário entre Agências e Setor
Durante o painel, Denise Souza, representando o setor regulado, levantou a importância da harmonização entre as três agências e o setor regulado, incluindo OCPs e laboratórios, especialmente em áreas como a compatibilidade eletromagnética abordada em normas como a IEC 60601, onde podem surgir dúvidas e percepções de sobreposição.
Ela questionou qual ferramenta seria ideal para esse trabalho conjunto, visando maior clareza e transparência.
Em resposta, Hércules explicou que, no passado, existiam comissões técnicas permanentes que facilitavam esse diálogo, mas elas foram descontinuadas.
“Atualmente, o Inmetro convoca reuniões de partes interessadas durante o processo de elaboração ou aperfeiçoamento de regulamentos, complementadas por consultas públicas”, explicou.
Ele reconheceu o valor de uma prática mais perene de discussão e que a agência está aberta a explorar essa possibilidade no futuro. Juliano, da Anvisa, endossou a relevância de discussões contínuas.
Leonardo, da Anatel, reforçou a necessidade de que as competências regulatórias de cada agência, definidas legalmente, estejam bem delineadas para que as discussões sejam eficazes e as percepções de sobreposição sejam esclarecidas.
O painel evidenciou a complexidade do cenário regulatório brasileiro para dispositivos médicos, que envolve a atuação e a sinergia de diferentes órgãos.
A colaboração entre Inmetro, Anvisa e Anatel, juntamente com a participação do setor regulado, é vista como essencial para a otimização e harmonização dos requisitos de avaliação da conformidade, garantindo a segurança e o desempenho dos produtos que chegam à população.