A liderança feminina na saúde brasileira

A liderança feminina na saúde brasileira

 

Igualdade de gênero e diversidade no corpo de trabalho têm sido temas cada vez mais discutidos dentro e fora das companhias. É fato que os tempos já mudaram, e esta mudança fica clara ao compreender que, atualmente, o público feminino representa apenas 40% da população economicamente ativa, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Mas muito embora tenham conquistado uma participação mais clara e expressiva no mercado de consumo, e até no de trabalho, um estudo recente do Insper com a Talenses revelou que, no Brasil, apenas 13% das empresas têm CEOs mulheres. O cenário se replica em diversos setores; inclusive na Saúde.

Ainda que representem 65% dos mais de seis milhões de profissionais da Saúde pública e privada, no âmbito de tomada de decisões o número de mulheres em cargos de gestão e liderança ainda é baixo.

Motivar para conquistar

Diretora-executiva da Abramed – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica, Priscilla Franklim Martins

Para a diretora-executiva da Abramed – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica, Priscilla Franklim Martins, os papéis sociais que as mulheres exerceram no decorrer da história podem ser parte do motivo enquanto “frutos de uma herança organizacional patriarcal.”

“A representatividade das mulheres é baixíssima, e não acredito que isso seja reflexo do baixo interesse das mulheres em cargos de liderança. A responsabilidade da criação e educação dos filhos, por exemplo, ainda é muito centrada na mulher, o que muitas vezes a prejudica profissionalmente.”

Simone Agra, vice-presidente do Conselho de Administração da ABIMED, compartilha da linha de raciocínio, e afirma que muitas meninas não são devidamente motivadas a estudar para, assim, viabilizar que seus pais e irmãos trabalhem estudem.

Dupla jornada

De acordo com Simone, a falta de motivação acarreta na dificuldade em concorrer de igual para igual no futuro, por uma vaga ou promoção. “Com a responsabilidade de cuidado familiar, elas têm dificuldade para conciliar o estudo e, ao entrarem no mercado de trabalho, encontram-se desqualificadas para conquistar empregos melhores ou para assumir maiores desafios.”

Paulete Nicolino de Freitas Ventura, diretora do CAIS – Centro de Atenção Integral à Saúde do Grupo São Cristóvão Saúde

Paulete Nicolino de Freitas Ventura é um dos grandes exemplos quando falamos sobre a constante tentativa de conciliar a vida pessoal e profissional. A diretora do CAIS – Centro de Atenção Integral à Saúde do Grupo São Cristóvão Saúde, conta que “combinava com as mães das amigas das minhas filhas um rodízio, eu as levava para a escola com as amigas, e as outras mães as buscavam.” Na hora do almoço, Paulete aproveitava para levar as filhas no curso de inglês e estar presente nos momentos mais importantes. Mas ressalta os sentimentos de dificuldades e medos quanto a vida profissional e pessoal.

“Como toda mãe, tive acertos e erros. Porém nunca me senti culpada como mãe por deixá-las para ir trabalhar, por exemplo”, ressalta Paulete.

 

Adaptabilidade em pauta

Elizabeth Carvalhaes, presidente-executiva da Interfarma. – foto Adri Felden/Argosfoto

Falando em mercado e gestão de pessoas, a presidente-executiva da Interfarma, Elizabeth Carvalhaes, acredita que o problema resida em grande parte no hábito de tratar profissionais com inteligências distintas de uma mesma forma padrão.

“Estudos demonstram que mulheres e homens têm diferentes habilidades e perspectivas para o trabalho, inclusive posturas distintas com relação ao risco e à colaboração. A partir do momento que essa informação é internalizada e reconhecida pelas grandes lideranças das organizações/empresas, as oportunidades e vozes passam a ser ouvidas de formas mais igualitárias”, explica.

Barreiras de gênero

“Infelizmente, já sofri discriminação por ser mulher.” A frase é de Priscilla Franklim, da Abramed, mas é tão comum no mercado profissional que poderia ter sido dita por milhares de outras mulheres. Com base no relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2020, 90% das pessoas carregam alguma forma de preconceito contra mulheres.

“Já fui tratada como secretária apenas por ter um homem como diretor. Tive que me impor inúmeras vezes, senti na pele a dificuldade de ser uma mulher no mercado de trabalho”, relata a executiva. Simone, da ABIMED, encontrou em seu caminho a mesma dificuldade foi identificada, presente na ausência de outras mulheres em posições superiores, para diálogo, inspiração ou aconselhamento.

Simone Agra, vice-presidente do Conselho de Administração da ABIMED

“Em muitas situações, eu era a única mulher à mesa e isso tornava tudo mais difícil. Era rotulada de mandona e até de mal-humorada, quando na verdade você está sendo tão assertiva e objetiva como qualquer outro par do sexo masculino”, pontua a vice-presidente.

Na ponta do lápis

O sentimento de Simone tem embasamento estatístico. Três em cada 10 brasileiros (27%) admitem que se sentem desconfortáveis em ter uma mulher como chefe, conforme o levantamento “Atitudes Globais pela Igualdade de Gênero”, publicada neste ano pela Ipsos.

Não obstante, o salário consiste em ainda mais um obstáculo enfrentado pelas mulheres. Enquanto os homens ganharam, em média, R$ 2.495 ao mês no último trimestre de 2019, as mulheres receberam, pela mesma carga de trabalho, R$ 1.958. Os dados do Dieese apontam rendimento feminino 22% menor, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que abrange o trabalho formal e também o informal.

“É absurdo que ainda existam diferentes salários para funções iguais simplesmente pelo fato de uma pessoa ser de um gênero diferente da outra. É fundamental que haja políticas públicas que coíbam essa prática infundada”, pontua Priscilla.

O mundo vem mudando

Erika Vrandecic, diretora do Biocor Hospital de Doenças Cardiovasculares.

Mas, apesar das inúmeras barreiras enfrentadas diariamente, as mulheres têm conquistado cada vez mais seu espaço no mercado de trabalho, fazendo-se mais participativas e, consequentemente, mais ouvidas.

“Nestes nossos tempos, vejo com satisfação o crescimento da participação das mulheres nos mais diversos setores da sociedade, com destaque nas áreas de ensino, nos altos cargos nas grandes empresas, nas pesquisas e no desenvolvimento científico”,

pontua Erika Vrandecic, diretora do Biocor Hospital de Doenças Cardiovasculares.

Evolução esta que se dá em grande parte dado o aumento da representatividade feminina, conforme acredita Claudia Cohn, diretora-executiva do Grupo Dasa. “O caminho que devemos olhar é para a quantidade de lideranças mulheres na saúde. Acredito que assim, podemos fazer com que brilhe os olhos das mulheres líderes hoje, que estão formando novas pessoas”, destaca.

Múltiplos papéis

Elizabeth, da Interfarma, ressalta no entanto que essa inclusão feminina no mercado de trabalho não cabe apenas às mulheres, e sim à sociedade como um todo. “Em minha trajetória profissional, aprendi que as mulheres chegam aos resultados porque, muitas vezes, têm maior orientação às pessoas e capacidade de agir em muitas direções simultaneamente”.

Erika sente o mesmo, e ressalta as lições de liderança que recebeu de seu pai, Mario Vrandecic, fundador do Biocor. “Ele incentivava a livre abertura de oportunidades, a mulheres e homens, e aprendemos, desde o início, a focar no que realmente importa: o cuidado ao próximo.”

Ainda neste escopo, Simone acredita que mudanças na forma como mulheres são criadas e inseridas na sociedade também são essenciais para um futuro melhor. Para a executiva, motivar meninas a se tornarem grandes líderes é imprescindível para que se encaixem melhor nesta posição, pessoal e profissionalmente.

“Meninas que acreditam no seu potencial e meninos que enxergam neles e nelas igualdade de possibilidade profissional são a base de uma sociedade mais igualitária, que explora todo o seu potencial”, ressalta.

Mais mulheres, mais portas

Como forma de tentar aplacar os anos de abismo entre as oportunidades para homens e mulheres, algumas empresas têm desenvolvido políticas para maior inserção feminina em seus contingentes de trabalho. E não se trata apenas de reparação histórica: os números mostram que a diversidade faz bem, financeiramente falando, a qualquer tipo de negócio.

O relatório “Mulheres na gestão empresarial: argumentos para uma mudança”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), descobriu que, para mais de 75% das companhias entrevistadas, os resultados cresceram com mulheres em cargos de chefia. Em suma, três quartos das companhias que acompanham e monitoram a diversidade de gênero em posições de gestão cresceram de 5% a 20%.

“A mulher tem uma capacidade de enxergar o diferente que, quando está junto com os homens, essa mistura entre mulher e homem traz uma riqueza muito grande para o sistema de saúde”, explica Cláudia.

Claudia Cohn, diretora-executiva do Grupo Dasa

“Quanto mais oportunidades tivermos para discutir os nossos anseios, perspectivas, preocupações e objetivos, mais poderemos juntos, independentemente do gênero, chegar a soluções justas, que valorizem competências e proporcionem oportunidades”, destaca Elizabeth.

 

Já para Erika, é preciso reconhecer e prestigiar o mérito de cada profissional. “A melhor formação e a comprovada competência, isso tanto para homens quanto mulheres, pois todos devem ter as mesmas condições e oportunidades.”

 

 

 

Apesar das dificuldades, Paulete Ventura continua incentivando as mulheres a não desistirem dos seus sonhos. “Como mulher e mãe de três mulheres, o conselho que eu dou é o mesmo que dou para minhas filhas: A nossa vida é feita de opções e o caminho que escolher seguir, faça dar certo. Seja autêntica e corra atrás dos seus objetivos!”

 

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