“A tendência é repetir a deflação na Saúde Suplementar de 2020 em 2021”, por Enio Jorge Salu, CEO da Escepti Consultoria e Treinamento
Existem várias formas de calcular a inflação:
- A informação se justifica pela “infinita” quantidade de índices que nos acostumamos a verem sendo divulgados, por diversos órgãos (IPC, IPCA, IGPM);
- Nenhum deles representa a realidade de todos, ao contrário, todos se restringem a um determinado cenário, e acabam sendo aplicados em situações específicas, dependendo da relação comercial que se deseja “medir” ou “controlar”.
Quem compara o preço que pagava no ano passado pelo arroz, carne, cerveja, lanche, medicamento, “obturação do dente”, gasolina … com qualquer dos “índices oficiais” sempre acha que vive em um mundo diferente do habitado pelos economistas, pelo governo e diga-se de passagem, um mundo bem distante da “maioria dos mortais”!
Medir a inflação na área da saúde pode ser feito também de diversas formas:
- Um dia assisti a uma demonstração de apuração da variação média de preços de medicamentos por parte de uma pessoa, coisa complicada, cheia de “senões”, definindo mais de 10 premissas, e no final, depois de “um milhão de médias ponderadas” um indicador que, na prática, na minha vivência prática, não tem utilidade alguma – em nada que diga respeito a relação comercial entre fornecedores, serviços de saúde, operadoras, secretarias de saúde;
- Porque calcular a variação de preços de tabela na área da saúde é algo absolutamente inútil, já que existem muitas tabelas, mas na prática nenhuma delas tem a menor chance de ser aplicada é uma referência de preços que nas negociações são completamente deturpados com deflatores, multiplicadores e condições de exceção;
- Me aponte um único contrato real que utiliza 100 % dos preços da CBHPM (ou AMBs antigas), CBO, CMED como base, e eu vou considerar que “a minha missão na Terra alcançou a plenitude”!
Na verdade podemos definir “2 inflações” bem diferentes:
- Uma que mede os preços entre quem produz o insumo (materiais, medicamentos, serviços …) e quem compra para realiza os procedimentos … que é uma coisa;
- E outra que mede os preços de quem financia os tratamentos – o que é pago pelo SUS, pela operadora de planos de saúde, pela empresa que contrata planos de saúde para seus funcionários … que é outra coisa !
Para isso precisamos entender inflação real como sendo a que pesa no bolso a diferença entre “o dinheiro” que precisávamos antes para pagar alguma coisa em relação “ao dinheiro” que precisamos para pagar hoje !
O primeiro tipo citado (variação de preços) não está dentro do contexto, aqui é a discussão do segundo contexto: a inflação do financiamento dos sistemas de saúde: quanto se paga para custear o tratamento dos pacientes.
O gráfico acima demonstra esta relação:
- A variação do que se gastava de um ano para outro pela “mesma coisa”;
- Na verdade o gráfico está ilustrando esta variação ao longo de 4 anos, e demonstrando que em 2020 tivemos deflação, ou seja, na média operadoras pagaram menos em 2020 do que pagavam em 2019;
- Portanto, a referência aqui é o quanto as operadoras gastam por beneficiário de plano de saúde em média por ano.
É simples entender fazendo uma analogia:
- Mesmo que o preço do ingresso do cinema na pandemia aumentou 1.000 %, a inflação associada para a população que assiste filmes em cinema é 0 %, porque os cinemas foram fechados no início da pandemia … o ingressou pesou 0 % no bolso dos “fãs da 7ª arte” como eu !!!
- Embora tenha tido inflação para os “donos de cinema” que pagaram aluguéis, funcionários.
Na saúde, por exemplo, individualmente o preço de alguns preços dispararam nos últimos anos;
- Com a elevação do preço do dólar, a variação do preço do OPME importado foi “lá nas nuvens”;
- Com a pandemia, os medicamentos e materiais que “quase sumiram” pelo excesso de consumo (anestésicos, máscaras …) também;
- Mas tivemos uma queda absurda de realização de determinados procedimentos, alguns chegaram a “quase extinção”!
- Então calcular quanto custou para as fontes pagadoras cuidar da saúde dos pacientes não é viável comparando a variação dos preços de tabela;
- A inflação do financiamento da saúde é calculada a partir da variação do custo médio por paciente na saúde suplementar … é isso que demonstra o gráfico.
E pelo gráfico vemos uma pequena deflação, praticamente nem inflação nem deflação!
Quando “pegamos” apenas a assistência odontológica a coisa é bem diferente:
- Pode ter aumentado o preço da prótese, da restauração, do tratamento do canal, mas gastamos muito, mas muito menos com os beneficiários após o início da pandemia;
- O “medo de abrir a boca” e se contaminar de COVID-19 foi comemorado pelas operadoras de planos exclusivamente odontológicos !
Os números são implacáveis:
- A pandemia foi extremamente benéfica para as fontes pagadoras;
- Foi benéfica também para serviços de saúde que trataram pacientes Covid-19, mas estes serviços representam a minoria da rede de atenção assistencial;
- Já no caso das operadoras, passaram dificuldade apenas as que têm uma carteira muito pequena, e dentro dela, uma quantidade significativa de infectados Covid-19;
- Para as demais, especialmente as grandes, principalmente as gigantes, e muito principalmente e especialmente as grandes autogestões … sob o ponto de vista econômico é o período mais lucrativo das suas histórias.
O gráfico demonstra a evolução do ticket médio de “despesas” com beneficiários da saúde suplementar:
- É calculado dividindo a soma dos custos das operadoras (administrativas, comerciais, assistenciais e outras) pela quantidade de beneficiários que as operadoras possuem;
- Veja que o que elas gastam por beneficiários vem aumentando ano a ano, mas de 2019 para 2020, reduziu por conta da pandemia;
- Como são valores médios por beneficiário, o indicador não se contamina com aumento ou queda na quantidade de clientes !
Podemos estratificar este indicador, por exemplo considerando apenas as despesas assistenciais e/ou por modalidade de operadora e/ou por operadora e/ou por região geográfica:
- Aqui estamos fazendo uma análise geral da inflação do segmento, avaliando a tendência do mercado da saúde;
- Então consideramos todas as despesas e todas as operadoras, de todas as regiões.
O ano foi particularmente bom para as fontes pagadoras:
- Veja que o gráfico demonstra o ticket médio de “receita”, ou seja, o que entrou de dinheiro em média por beneficiário de plano de assistência médica;
- Além do ticket médio de despesa ter caído (o dinheiro “que sai do bolso” – gráfico anterior), o ticket médio de receita aumentou (o dinheiro que “entra no bolso” – este gráfico);
- Então … na média … o resultado das operadoras a partir do início da pandemia é algo “sem precedentes” !
E mesmo para operadoras de planos exclusivamente odontológicos, é um período para “comemorar com champagne de primeira”:
- Percebemos na linha azul que o ticket médio de receita até caiu, sinalizando que houve abandono / queda de beneficiários dos planos mais caros;
- Mas ao compararmos com a linha laranja, vemos que a queda do custo foi muito maior do que a queda da receita, ou seja, o que deixou de entrar de dinheiro foi muito menos do que elas gastaram, mantendo a excelente rentabilidade que o segmento vem colecionando já há alguns anos !
Bem … considerando que:
- A campanha de vacinação está fracassando … falta vacina … e quando tem, por incrível que pareça, tem gente que não toma;
- As medidas não farmacológicas de combate à contaminação fracassaram … a cada 15 dias após cada feriado temos lotação das UTI’s … todos os dias notícias de “pancadões”, “carreatas”, “motoatas” e todo tipo de incentivo às aglomerações;
- A população vai começar a ver a abertura total da economia nos países “livres da pandemia” e vai começar a fazer o mesmo em um país “refém da pandemia”, “liberando geral”;
- Já-já vamos esquecer os mortos e tudo vai se concentrar “nos muito vivos” que começarão a fazer campanha para as eleições do ano que vem …
- Não há nada que sinalize mudança de cenário antes de 2022 !
Ou seja:
- tudo leva a crer que 2021 será um ano ainda melhor para as fontes pagadoras,
- e com uma boa chance de batermos o recorde de deflação na saúde,
- afinal, caminhamos para 12 meses de pandemia em 2021, contra 9 meses de pandemia em 2020 !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.