A Saúde do País possui muitos entraves para que a maior parte da população tenha acesso à serviços eficazes e uma real oferta de serviços que proporcione saúde e qualidade de vida. O modelo de negócio da Saúde no Brasil ainda é focado, quase que exclusivamente, em tratamento e cura, em que prestadores e operadoras (Sistema Único de Saúde – SUS e Privadas) convivem com a realidade de uma massa excessiva de procedimentos e exames, demora para atendimento e muitas vezes a realização de procedimentos desnecessários. O modelo atual da Saúde não foi pensado a partir da necessidade do cliente, mas a partir do procedimento, da atividade, e um dos grandes desafios no momento é avançar na mudança do modelo de remuneração para implantar um modelo que privilegie o resultado, não apenas a produção e o consumo (seja materiais, medicamentos ou procedimentos).
A histórica guerra entre hospitais e operadoras de Saúde tem acarretado o enfraquecimento da operação de ambos os lados. A produção de serviços médicos, medicamentos, taxas, encaminhamento para exames e oferta de OPMEs (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) são o foco do atual modelo de negócio dos hospitais. Isso porque é necessário aos hospitais a justificativa financeira de cada procedimento para o repasse do pagamento, o modelo é focado na produção e consumo. Do outro lado, as operadoras de Saúde mantêm controles rígidos para evitar desperdício e o desequilíbrio financeiro. Nesse ínterim surgem as glosas e, pior que isso, o paciente é o principal prejudicado por um modelo de operação focado na produção, não no resultado, o que induz muitas vezes a excessos de ambos os lados (seja na produção ou glosas).
O setor está passando por um momento de grandes transformações com a consolidação através de fusões e aquisições, a aplicação de novos modelos de pagamento e remuneração, com o descredenciamento de hospitais nos planos de Saúde – que também enfrentam a migração de usuários para o SUS devido à crise financeira e consequente aumento do desemprego. De ambos os lados a estratégia de gestão está direcionada para o aumento do resultado individual, cada um com seu discurso de eficiência e ganho para o cliente. Com a nova era digital e a chegada de novas tecnologias, o sistema de Saúde pode encontrar meios para equilibrar estas distorções, ampliar a oferta de serviços e passar a ofertar também prevenção ativa, não apenas tratamento e cura: telemedicina, wearable devices, big data e tantas outras soluções podem promover a saúde de fato, com a participação do usuário no próprio tratamento, monitoramento de sintomas e comportamento em tempo real. Mas para que isso ocorra é necessário uma mudança na cultura organizacional.
É preciso preparar internamente a casa, pois em breve a incorporação de novas tecnologias e novos modelos de remuneração serão uma realidade nas instituições e vão requerer novas formas de pensar e operar o negócio. Uma gestão baseada em governança corporativa, processos claros e eficientes, engajamento das equipes para fornecer serviços de melhoria da saúde dos pacientes, métricas de compliance para garantir que o negócio não sofra sanções legais, modernização do parque digital – entre outras práticas administrativas, são o mínimo para se iniciar um preparo para a evolução do modelo de operação e a criação de um modelo centrado no cliente com foco em eficiência e resultado.
Compreender a transformação que o setor está passando e que não há muito tempo para adaptação é uma demonstração de maturidade de gestão na organização de Saúde. Os gestores das instituições devem estar preocupados em buscar a perenidade e crescimento do negócio em realmente promover a saúde dos usuários – que a cada dia estão mais empoderados e procuram por novas formas de acesso aos serviços e qualidade de vida com custos que sejam possíveis de serem pagos.
* Roberto Gordilho é CEO da GesSaúde, mestrando em Administração e especializado em Sistemas de Informação, Engenharia de Software e Desenvolvimento Web e em Finanças, Contabilidade e Auditoria. Possui cursos de extensão na Kellogg Business School, em Chicago, e na Universidade da California (University of California, UCI).
Esta matéria e muito mais você encontra na edição 60 da revista Healthcare Management