Em um painel focado na complexa jornada de tecnologias médicas inovadoras no Brasil, Murilo Contó (BSCI) e Marcio Godoy (ABIMED) discutiram os caminhos regulatórios e de acesso que vão muito além da aprovação sanitária inicial.
Utilizando a Ablação por Campo Pulsado (PFA) como exemplo de inovação, os palestrantes detalharam as barreiras e os processos necessários para que dispositivos cheguem efetivamente aos pacientes.
A apresentação destacou que a obtenção do registro sanitário na Anvisa, embora fundamental, é apenas o primeiro passo em um longo percurso para garantir o acesso da tecnologia à população.
“Mesmo com o produto considerado seguro e eficaz pela agência reguladora, diversas outras etapas se impõem, criando barreiras regulatórias ao acesso”, afirmou Contó.
Um ponto de aparente contradição levantado foi a necessidade de reconhecimento do procedimento associado ao dispositivo por entidades como a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Para o palestrante, é um tanto contraditório que um procedimento possa ser considerado “experimental” quando o dispositivo a ele relacionado já foi aprovado pela Anvisa, atestando sua segurança e eficácia para uso em todo o país.
Isso ressalta um desalinhamento entre as diferentes esferas de aprovação e reconhecimento no ecossistema de saúde.
O caminho detalhado pelo palestrante para uma tecnologia alcançar a população abrange múltiplos atores e processos:
- Certificações Prévias: Antes mesmo da submissão à Anvisa, são frequentemente necessárias certificações de segurança elétrica e compatibilidade eletromagnética pelo Inmetro, além de homologação pela Anatel para dispositivos com funcionalidades de telecomunicação.
- Registro Anvisa: Obtenção do registro sanitário, que atesta a segurança, qualidade e eficácia do produto.
- Avaliação pelos Prestadores e ANS: Após o registro, o produto passa pela avaliação dos núcleos de avaliação de tecnologias em saúde dos hospitais (NUS/NS). Para cobertura por planos de saúde, há um processo de ATS junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que envolve análise técnica pela GGRAS/Dipro, manifestações do Criude (análogo à CONITEC, porém não deliberativo), consulta pública e decisão final sobre a inclusão no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
- Incorporação no SUS: Para acesso via Sistema Único de Saúde, um novo processo de ATS e incorporação é conduzido pelo DGITS (Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde) no Ministério da Saúde.
A discussão abordou também a importância da evidência clínica ao longo desse processo.
“Com a RDC 848/2024 estabelecendo requisitos mais robustos de segurança e desempenho, o processo inicial de registro se torna mais rigoroso”, disse Contó.
Para a avaliação clínica exigida (conforme RDC 87/2015), os estudos clínicos controlados e randomizados (RCTs) ainda são considerados o “padrão ouro” e a melhor evidência para fins regulatórios.
No entanto, foi destacado o valor crescente da Evidência de Mundo Real (RWE), especialmente para avaliar questões relacionadas a eventos adversos em um ambiente de uso mais amplo e diversificado do que o de um estudo clínico controlado.
O ressalta que “Apesar da utilidade, os órgãos de ATS (como a CONITEC) seguem diretrizes rigorosas que, muitas vezes, ainda demandam mais convencimento para incorporar totalmente a RWE em suas decisões de incorporação.
Iniciativas como o monitoramento de horizonte tecnológico da CONITEC, que busca identificar inovações em desenvolvimento, poderiam ser mais estreitamente aplicadas a dispositivos médicos em comunicação com a Anvisa para antecipar avaliações, como ocorreu com sucesso para medicamentos de Hepatite C”.
Em resumo, o painel reforçou que a introdução de dispositivos médicos inovadores no mercado brasileiro é um processo multifacetado que exige navegar por diferentes agências, regulamentos e processos de avaliação e incorporação, muito além da etapa inicial de registro sanitário.
A sinergia entre os atores e o diálogo constante são essenciais para otimizar essa complexa jornada.