“Alguns Reflexos do Calote dos Precatórios na Área da Saúde”, por Enio Salu
O gráfico demonstra a evolução da arrecadação de tributos federais entre janeiro de 2019 e setembro de 2021:
- São números do próprio web site da secretaria da receita federal;
- O governo federal nunca arrecadou tanto imposto na história !! … Está “vazando dinheiro pelo ladrão da caixa d’água” nos cofres públicos !!!
- Perceba que, pela linha de tendência, em menos de 2 anos a arrecadação subiu mais de 20 % !!!!
Enquanto a população … os empresários das áreas de hotelaria, eventos, bares e restaurantes, educação … parte da área da saúde … enquanto parte da economia agonizou … o governo “nadou de braçada” em arrecadação de tributos.
Se estiver pensando que aqui vamos criticar o presidente … somente ele … recomendo parar a leitura:
- Não gastarei o curto espaço aqui com demonstrações … apenas afirmar que estados e a maioria absoluta dos municípios “fizeram revezamento no nado de braçada” com o governo federal;
- O que está descrito aqui serve para presidente, governadores, a maioria absoluta dos prefeitos, senadores, deputados, vereadores … estamos ilustrando com os números do governo federal, como poderia ilustrar com os demais tributos arrecadados nos Estados, Distrito Federal e Municípios … todos “igual que nem” !
Se modificarmos “o design” da linha de tendência aplicando a curva polinomial:
- Vemos que houve retração no início da pandemia, quando uma série de ações “dos governos” ajudaram os cidadãos e as empresas a postergarem suas obrigações fiscais;
- Mas nem mal terminou a primeira onda, e o apetite fiscal do governo “abocanhou” novamente tudo que estava na “bandeja … até raspar o prato”.
Para o governo, a pandemia não gerou crise econômica … apenas adiou o que ele arrecadaria uns 2 ou 3 meses … nada mais que isso … nosso problema … meu, seu, das empresas … é que 2022 é um ano eleitoral em uma sociedade nunca antes “tão ideologicamente dividida” !
Somente pela análise destes números já é muito simples questionar qual era a dificuldade de reajustar o bolsa família, ou criar um outro com outro nome com valor maior … se o governo reajustasse os benefícios sociais proporcionalmente ao que arrecada eles teriam ganho real em relação à inflação naturalmente !
Mesmo perdendo o controle da inflação … com inflação batendo recorde após recorde … a arrecadação superou a própria ineficiência do governo em lidar com ela.
Parte das pessoas nem sabe o que é “precatório”:
- Cobrar o governo não é simples, quando ele lhe deve, você realmente tem um problema !
- Uma coisa é mover uma ação contra instituições privadas … por mais que demorem os processos são anos-luz mais rápidos do que os que têm como réu o governo;
- Todos têm demoradas instâncias, recursos … mas os contra o governo envolvem tribunais e ritos específicos … muito mais burocráticos e lentos … e políticos … a justiça é política como qualquer outra coisa que existe na estrutura pública, e é difícil entender que pudesse ser diferente !
Entendendo o calote dos precatórios para a saúde:
- Parte das dívidas do SUS são precatórios e ficarão para depois das próximas eleições !
- Muitas instituições de saúde terão que aguardar mais algum tempo para receber o que o governo federal deve.
Por exemplo …
… um hospital que “toma uma rasteira” do SUS … que tem direito de pedir uma reparação:
- Entra nesta “longa seara” para conseguir provar na justiça que foi prejudicado;
- É tão tensa a jornada que desanima … se o valor não for significativo desiste … porque o honorário de advogado especializado “não é cafezinho” … e não espera;
- Depois de anos … muitos anos de luta, aflição, expectativa, injúria … para não falar de eventual retaliação … consegue passar pelo último recurso da última instância na justiça;
- Quando não existe mais possibilidade do governo recursar, o juiz dá ganho de causa definitivamente … e esta dívida do governo que se relaciona ao SUS entra na lista dos que devem ser pagos … ou seja, a dívida do governo vira precatório.
Então vem um ano eleitoral, o governo precisa de dinheiro para dar aos necessitados, senão não se elege:
- E ao invés de tirar dinheiro do excedente de arrecadação … das regalias de parte de uma administração pública inchada;
- Resolve dar calote nos precatórios ! … adiar o pagamento !
- E aquele hospital que eventualmente atendeu pacientes para o SUS e não recebeu … ou recebeu menos do que deveria … ou foi obrigado a atender paciente do SUS por decisão judicial … ou … ou … ou …
- Esperou anos até que o juiz desse ganho de causa … estava esperando receber este dinheiro para pagar dívidas, investir, atender mais pacientes;
- E volta a “ficar com o pires na mão” por mais sabe-se lá quantos anos !!
Na justiça tem uma infinidade as ações de empresas privadas contra o SUS …
- Não somente de Santas Casas, como a maioria das pessoas pensam … na verdade até são poucas as das Santas Casas em relação ao que deveriam ser, porque em muitas situações politicamente se compensa o prejuízo de algo através de alguma alternativa compensatória de remuneração para elas, caso a caso … cada caso de um jeito … dá-se um jeito … e a vida segue;
- Mas quando o embate envolve um empreendedor independente, que investiu em um serviço de saúde e “se aventurou” a prestar serviço ao SUS, estas alternativas raramente existem;
- Centenas ( milhares ? ) de serviços de saúde estão na lista dos que vão deixar de receber o que esperavam agora, por conta da “PEC dos Precatórios”;
- Empresários que sofreram com a pandemia, e eventualmente viram sua empresa definitivamente sucumbir …endividados … já sem conseguir mais crédito … tinham o pagamento da sua dívida por parte do governo como a única salvação.
Postergar o pagamento de algo justo, que a justiça já fechou questão é difícil de entender … tanto gasto desnecessário para o governo ir buscar o dinheiro que necessitava … e ele preferiu pegar dos que estão “na lanterna dos afogados’ … uma pena !
Que fique claro que este cenário inaceitável não pode ser atribuído “exclusivamente” ao presidente:
- Certamente não foi ele que definiu de onde sairia o dinheiro que precisava para seu interesse político … foram seus assessores que “entendem de finanças” … e conhecem pouco de economia … sabem fazer “contas de juros” mas não têm a dimensão exata dos reflexos “de uma canetada” nos diversos segmentos do mercado;
- Ele não podia fazer isso sem aprovação do legislativo, que só aprovou porque tinha interesse nisso … senão proporia origem diferente … quem sabe redução dos fundos eleitoral e partidário … ou redução das exorbitantes verbas de gabinete ! … ou daquelas verbas destinadas aos parlamentares !!
- O legislativo não levaria para frente se os governadores e prefeitos formassem uma frente de oposição firme e forte … se utilizassem os mesmos discursos que fazem uso quando é do interesse deles … ligados aos mesmos partidos políticos do legislativo que se articulam em parcerias para as eleições, “ficaram na moita” !
- E o Ministério Público não entrou com ação de inconstitucionalidade contra uma lei que vai retroagir prejudicando quem ganhou uma ação “definitivamente transitada em julgado” … assim o judiciário “também fica na moita” ?
Veja pelo gráfico a demonstração da arrecadação das contribuições previdenciárias, que não estão inclusas naqueles tributos lá em cima … estão destacadas de forma separada e poderiam ser somadas às anteriores:
- As curvas têm característica similar;
- Vamos lembrar que contribuição previdenciária é para custear previdência social, saúde e assistência social … sim assistência social … justamente o que se refere ao Bolsa Família rebatizado de Auxílio Brasil, demonstrando claramente que se trata de “um drible” fiscal … como foi a própria criação do bolsa família lá atrás, diga-se de passagem;
- E a arrecadação média subiu mais proporcionalmente que a dos tributos … mais de 25 %;
- Portanto … nem em relação aos tributos … nem em relação às arrecadações previdenciárias … haveria justificativa para buscar dinheiro em outro lugar para aumentar a distribuição aos necessitados … não faltava dinheiro da “origem constitucional” definida para fazer isso !
Ou seja:
- O calote nos precatórios ocorreu porque os prejudicados não têm força para mudar o cenário eleitoral … na verdade não tem força nem para receber o que a justiça definiu ser um direito, quanto mais influir no cenário político;
- Ocorreu porque o governo queria aproveitar o aclamo popular de conceder um benefício, para “garfar” mais uma fatia de dinheiro para compor sua “poupança eleitoral”;
- Assim sobra mais dinheiro para gastar em outras coisas … que só vamos saber quais são daqui a algumas semanas, quando a mídia “horrorizada” começar a divulgar … não é verdade ?
Precatório pendente de pagamento … a dívida de hoje do governo … foi originada no governo anterior, ou anterior do anterior, ou anterior do anterior do anterior …
- Este governo não é o único responsável … não é exclusividade dele … vem de anos lá atrás !
- Ele simplesmente está fazendo igualzinho aos governos anteriores … atrasando o pagamento e aumentando a dívida para o próximo pagar … nenhuma perspectiva de mudança !
- Aos hospitais do nosso exemplo só resta “pedir a Deus” que este calote não seja objeto de outras PECs inconstitucionais que acabem transformando estas dívidas do governo em “coisa prescrita” … que não inventem algo para que o governo deixe de pagar “por decurso de prazo” … e uma preocupação muito “com sentido”, é bom que se diga !!
Isso é Brasil !
- Quando o tema é responsabilidade fiscal absolutamente nada muda no Brasil desde a “Carta de Caminha”;
- Nada sinaliza que poderá mudar no cenário político que fortemente se desenha… não podemos nos iludir !
E assim, no caso dos particulares da área da saúde prejudicados pelo calote dos precatórios fica o dilema: vale a pena trabalhar para o SUS ?
O maior prejudicado pela dúvida neste caso nem é o empresário que está levando o calote do seu precatório … é o SUS que tem cada vez menos oferta de rede dos privados … e a população que depende do SUS !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.