Nenhum outro tema ocupou mais os espaços de debate do que a saúde desde o início da pandemia. Isso com relação a vacinas e tratamento e também sobre o funcionamento dos sistemas de saúde como um todo e as melhorias que podem ser implementadas. Nesse contexto, um dos principais tópicos de interesse é a atenção primária e como a tecnologia pode servir de suporte.
O atendimento primário é a porta de entrada de pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS), e aí se encontra justamente um de seus principais gargalos. A pessoa é recebida inicialmente por um médico generalista. Nessa primeira etapa há uma conversa para conhecer o paciente e entender sua condição e seus sintomas. A isso se seguem pedidos de exames e o tratamento inicial. O especialista é procurado apenas quando é o caso. Isso torna o funcionamento do sistema mais racional.
A principal questão, no entanto, está na demanda dos pacientes, que excede em muito a oferta de médicos e a infraestrutura para atendimento. Nos grandes centros urbanos, embora haja mais profissionais da saúde e instalações à disposição, o número de pacientes supera a capacidade de atender. Em regiões mais remotas e até em algumas cidades no interior do país, há localidades sem estrutura de saúde própria, e as pessoas precisam ir a cidades vizinhas – e em alguns casos, com mais de um dia de deslocamento.
Mas com os avanços da tecnologia é possível trazer cada vez mais eficiência. Com a pandemia, a telemedicina, por exemplo, se tornou fundamental para lidar com as restrições à circulação sem prejuízo do atendimento médico. A atenção primária certamente se beneficiará em muito ainda do uso mais difundido das consultas remotas. Além disso, já é possível realizar monitoramento a distância, o que facilita a vida de pacientes com hipertensão ou diabetes, para ficar em só dois exemplos.
No futuro, mesmo procedimentos como cirurgias e ultrassonografias remotas serão possíveis. Hoje, essa ideia parece improvável, mas num passado nem tão distante a telemedicina também parecia algo tirado da ficção científica. Mas não é só nos procedimentos mais avançados que a tecnologia encontrará cada vez mais uso: nos processos considerados rotineiros haverá ganho: os aparelhos eletrônicos portáteis, como smartphones, poderão servir de instrumento para que o médico colete sinais vitais do paciente – como aferir pressão e temperatura, checar a função cardíaca, fazer um ultrassom.
Tudo isso vai, claro, exigir capacitação de profissionais para usar a tecnologia como ferramenta rotineira. Será possível inclusive capacitar profissionais da saúde a distância: médicos em localidades mais afastadas poderão ter acesso, por exemplo, a cursos de pós-graduação e especializações – e até experimentos práticos de forma virtual. Os custos envolvidos também serão reduzidos com a atenção primária combinada ao alcance da tecnologia. O investimento para implantar, ao contrário do que poderia parecer, é relativamente baixo – ainda mais tendo em vista a melhora na qualidade do serviço a ser prestado.
Não se trata de reinventar a roda: o Brasil tem muito a ganhar observando exemplos internacionais. O caso do Reino Unido, com seu NHS (Serviço Nacional de Saúde, na sigla em inglês), é um exemplo: a satisfação dos pacientes com o atendimento primário remoto no país já é maior do que com a versão presencial.
A combinação de atenção primária com a telemedicina já se mostrou eficiente, mas é só o começo. Os avanços da tecnologia embutida nos smartphones e em outros dispositivos ao alcance das pessoas vão ampliar muito as possibilidades para que a consulta remota ofereça ao médico o maior número de informações possível. Menos filas, menos espera, maior precisão – tudo isso tornará a jornada do paciente cada vez mais fácil e eficiente.
Médico, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).