Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Não há como negar:
- Nós temos a cultura do 8 ou 80, do céu ou inferno … não temos “meio termo”;
- Quando erramos geralmente é porque esquecemos que “existe mais entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia” !
Quem já fez algum curso de administração, planejamento … viu a pirâmide acima:
- Ilustra a organização das ações das empresas em estruturas estratégicas, táticas e operacionais;
- Na gestão da saúde é muito comum nos depararmos com planos estratégicos e problemas operacionais … quase não escutamos a palavra “tática” … o que está entre uma coisa e outra;
- Na verdade só ouvimos aqui no Brasil esta palavra saindo da boca de algum comentarista esportivo … a gente não entende nada do que ele fala … para piorar ele ainda costuma mudar de opinião durante o jogo, dependendo “se a bola entrou ou não” !
O que não nos acostumamos a aplicar … o que é difícil fazer em grupo … em equipe … é entender que:
- O planejamento é um … único … (é bom que seja!);
- Mas as táticas podem ser muitas … o planejamento descreve ações estratégicas, objetivos estratégicos … mas não deve se propor a definir como serão as ações e processos operacionais;
- A organização das ações e processos operacionais … as alternativas possíveis … “o”: se acontecer isso vamos fazer aquilo … é o nível tático;
- Porque “o operacional” deve dar foco em produzir o que foi planejado … o operacional é a frente de batalha, muito (ou totalmente) influenciado pela “cara do inimigo”, pelas “pedras do caminho” … se “deixarmos ele” decidir o que vai fazer, quando alguma barreira ocorre é muito provável que possa ir na direção oposta ao que o planejamento definiu como objetivo !
- É fácil o estratégico dizer que “precisa matar o leão”, mas quando o operacional “encara de frente o bicho é que a coisa pega” !
Esta época do ano é bem oportuna para discutir o tema, porque a maioria das empresas costuma fazer o planejamento do ano seguinte no mês de novembro:
- É verdade que existem empresas que fazem isso antes … e não são somente empresas multinacionais;
- É até discutível se existe ganho em fazer o planejamento “mais perto” ou “mais longe” da virada do ano … existem vantagens e desvantagens em um ou outro caso;
- Mas o fato é que se a empresa não fizer perde em competitividade … isto é indiscutível … ficar “à mercê” do que pode acontecer sem se preparar é um grande erro.
É comum ver nos últimos meses do ano grupos discutindo metas e indicadores … quadros com “post it’s” coloridos … planilhas tabulando números do passado e “milhares” de projeções diferentes para o futuro.
E é muito mais comum ver um plano de ação com “um monte de objetivos e ações estratégicas” … uma lista de indicadores para serem cumpridos pela área operacional … e nenhuma tática para dar suporte ao resultado que todo este trabalho consumiu para planejar, e vai consumir para operacionalizar !
Vamos entender ilustrando a área da saúde ?
A área de “marketing” (ou o nome que você tiver na sua empresa / realidade) avalia o mercado e conduz o projeto de planejamento … envolve os que necessitam se envolver e se comprometer … e o plano sai de acordo com o que a maioria entende ser mais viável (pelo menos deve ser assim) … então … por exemplo:
- No caso de operadoras de planos de saúde a área de negociação sai com um caderninho de metas a serem cumpridas … mitigar reajustes, maximizar pacotes, mudar o perfil da rede … a área comercial sai com um caderninho de ações estratégicas para captar novos beneficiários …
- No caso de hospitais a área comercial sai com um caderninho de metas a serem cumpridas … maximizar reajustes, restrição de pacotes, expansão de clientes, mudança no perfil do consumidor, melhoria das parcerias … a área de suprimentos com metas em relação aos fornecedores …
- Seja lá o que foi definido no plano estratégico, haverá reflexo naquilo que o “baixo clero” tem para fazer, especialmente no próprio relacionamento interno dos departamentos …
- Entre a área de negociação da operadora e a área de credenciamento;
- Entre a área comercial do hospital e a área de faturamento …
Os post it’s que estavam grudados nos painéis das reuniões do planejamento estratégico descarregam “um caminhão” de trabalho para as áreas mais operacionais, e muito frequentemente o caminhão não vai ter “doca para descarregar”, porque a área operacional já tem vários caminhões dos anos anteriores que ainda estão com a “caçamba cheia” esperando sua chegar a vez na fila !!!
Porque até é possível que o planejamento tenha descrito de forma adequada o que se deve fazer “de hoje em diante” … mas raramente descreve o que fazer com o que “já está no colo e ainda não foi completamente operacionalizado”.
Por exemplo: a área de negociação da operadora está “há anos” negociando um pacote com os hospitais segundo a diretriz do planejamento anterior:
- A negociação está andando, mas a “batalha está sendo dura” … e de repente vem uma diretriz nova para negociar o mesmo pacote, totalmente diferente da anterior;
- Ela (a área de negociação) não pode de uma hora para outra mudar completamente o discurso … o mundo dos negócios não é tão simples assim;
- Assim se cria o que chamamos de “legado” … não dá para abandonar o passado e isso impede que se possa dar foco no futuro !
O plano tático existe, também, para mitigar o problema do “legado” no planejamento:
- Em tempo de planejamento a visão é muito “alto nível” … a área de marketing está olhando lá para “o topo da montanha” … “na linha do horizonte” … no “desenho da estrada” … na propaganda que “vai pintar na boleia do caminhão”;
- Mas não sabe claramente “quantas pedras e buracos” existem no caminho até a montanha … os roubos de carga, os “pedágios” para milícias … quem sabe disso é a área operacional, que é quem dirige o caminhão todos os dias;
- Então é fundamental para que um plano tenha mais sucesso, que exista uma estrutura que seja responsável pela tática;
- Que analise os objetivos e ações estratégicas, avalie junto com a área operacional o que pode viabilizar e/ou inviabilizar as ações estratégicas, e defina alternativas para desviar das pedras e buracos do caminho;
- Que entenda que para chegar à montanha pode ser necessária a utilização de atalhos !!
Então … por exemplo … definiu objetivos de redução de sinistralidade para a área de negociação na operadora … o plano estratégico está fechado ?
- Antes de ficar cobrando os resultados que aparentemente fazem sentido, mas que algum legado impede que seja alcançado …
- Vale muito a pena primeiro alinhar com a área de negociação … avaliar o que pode ser barreira e o que é “mi mi mi” … e detalhar as opções táticas, para conseguir o que foi definido como meta, ou devolver “para cima” a informação segura de qual o resultado que realmente pode ser esperado;
- Não adianta “apertar demais o parafuso … senão espana” !
Definiu metas estratégicas para a área comercial do hospital alinhar preços ?
- Antes de esperar um ano para receber uma excelente e incontestável justificativa de que não deu certo …
- Vai lá agora analisar o que está “no colo dele” e veja o que é necessário fazer para “driblar” o legado … porque é muito provável que ele possa estar pensando: lá vem de novo aquele pessoal novinho que leu que isso dá certo em outro lugar e não sabe como é a vida aqui !
Porque geralmente é assim:
- Na área de planejamento existe muita gente jovem e impetuosa que lida com números e informações do mercado, lógica e métricas “cartesianas” … é muito importante que a empresa tenha “gente” assim;
- E na área comercial existe muita gente mais experiente que “já comeu alguns quilos de sal” no relacionamento com o que é a realidade em que a empresa se enquadra, que não necessariamente é a realidade do mercado ! … é muito importante que a empresa tenha “gente” assim !
- Por isso ter opções táticas é o que faz a diferença … impedem o impasse … se a tática 1 está sinalizando a derrota total, temos a alternativa da tática 2 para pelo menos empatar o jogo !
Nesta semana estamos praticamente encerrando as atividades da mentoria do último trimestre de 2021 … umas das coisas que deram prazer com esta turma foi discutir as estruturas organizacionais mais comuns em operadoras de planos de saúde, serviços de saúde e fornecedores:
- Alguns comentaram que a participação no planejamento acaba sendo prejudicada .. inibida … porque quando são colocadas dificuldades operacionais fica o “mantra da resistência às mudanças” … corre-se o risco de ser excluído da participação por conta disso !
- Quem intermedia na instituição a estratégia de marketing e a operacionalização comercial ?
- Quem intermedia na instituição a transformação dos objetivos e metas estratégicas e os objetivos e metas operacionais ?
- Ninguém ? … Problemão hein !!!
- Então a instituição espera que o que foi definido no “Monte Olimpo” naturalmente seja escutado e seguido pelos que navegam no “Mar Egeu” ? Sério ?
Como é gratificante poder conduzir cursos com turmas pequenas, que têm gestores que já atuam na área privada e pública … a troca de experiências não tem preço !!!
Fica bem claro a necessidade de qualquer empresa de que o facilitador da interlocução entre o estratégico e o operacional seja feita por um “ente neutro”:
- Que entenda e abrace o objetivo estratégico e se preocupe em entender os riscos e dar o apoio e as alternativas viáveis para que os objetivos estratégicos realmente se concretizem !
- Por exemplo: vale muito a pena ter alguém entre o Marketing e a Área de Negociação da Operadora de Planos de saúde … entre o Marketing e o Comercial do Hospital;
- Vale muito a pena ter alguém que não seja “tão pirotécnico” e “nem tão braço” … e que tenha como objetivo fazer acontecer as coisas que não foram definidas por ele, e que não serão realizadas por ele !!
É muito oportuno aplicar isso neste momento histórico que vivemos na área da saúde pública e privada:
- Passamos por uma pandemia que mudou completamente o cenário confortável que dominávamos … não vamos voltar exatamente ao cenário que conhecíamos antes da pandemia;
- Na verdade nem sabemos se vamos conseguir acabar com a pandemia … não sabemos exatamente o que pode acontecer em 2022 !
- Vamos lembrar que neste momento tem país europeu fazendo lockdown … “caramba”, vamos passar por tudo de novo, ou isso é por conta da baixíssima adesão à vacinação por lá ?
- Quem diria … com todos os erros que cometemos aqui, temos índices de vacinação superiores às de “muita gente grande do velho continente” … quem diria !!!
Certamente as empresas e instituições que fizeram o planejamento há 2 meses atrás já devem estar revendo alguma coisa … “colando post it’s” nos quadros tudo de novo !
- Quando não temos visão clara do futuro a chance do planejamento “arremessar dardos na direção errada” é grande … é isso que estamos passando na saúde neste momento;
- Enquanto o “alto clero” está projetando um cenário sem uma base segura … o operacional “está entrincheirado” colocando as filas das eletivas suspensa em dia nas operadoras, lidando com o ida e volta dos leitos que eram para tratamento cirúrgico, foram “repaginados” para tratar COVID e agora uma “meia muçarela meia calabresa” !
- E “Deus me livre” pensar que algumas destas instituições não vão ajustar o plano antes do próximo “período oficial de planejamento” que só vai acontecer no segundo semestre de 2022 !
- Na área pública vamos lembrar que é um ano eleitoral … presidente, governadores e prefeitos vão fazer “todo tipo de atrocidades” para driblar o plano conforme os números das pesquisas forem sendo divulgados … vai ser um tal de “tirar dinheiro da rubrica X do orçamento e transferir para a rubrica Y” … “uma festa onde quem dançam” são os gestores das DRSs, dos Hospitais Públicos, UPAs, AMEs, UBSs !
A área da saúde é fantasticamente diferente das outras em um aspecto fundamental:
- Temos uma infinidade de profissionais de formação diferente … medicina, enfermagem, administração, engenharia, matemáticos … formações que não têm nada a ver umas com as outras;
- A comunicação é muito difícil, porque o nível de entendimento destes profissionais tão diferentes é completamente e igualmente “tão diferente’;
- Algo facilmente absorvido pelo médico é muito difícil de ser absorvido da mesma forma pelo administrador, pelo engenheiro … e “vices-versas”;
- Algo que foi definido “lá em cima na pirâmide” demora para “permear” até a base … não chegam nos níveis intermediários e na base no mesmo momento da mesma forma !
A figura ilustra que quando se toma uma decisão lá em cima, os níveis abaixo vão absorvendo, e uma nova decisão lá em cima, vai demorar para permear … e vai permear de forma diferente:
- A chance de termos uma “Torre de Babel” é gigante;
- É rotina me deparar com isso na minha atividade de consultoria … gestores não sabem exatamente o que está valendo;
- Alguns estão “acertando na mosca” sobre o que a instituição espera dele … outros pensam que estão alinhados, e “de repente” descobrem que não ! … e o mais decepcionante é perceber que poderiam estar … que não é uma questão de não querer … é uma questão de não saber !!
O plano tático também mitiga este problema … de comunicação … de entendimento do plano estratégico em toda a instituição !
Uma coisa é certa neste momento antológico que estamos vivendo por conta da pandemia:
- Empenhar esforço para fazer um plano e “jogar de cima para baixo” como sempre foi feito, desta vez tudo indica que será muito mais danoso;
- Será um desperdício de recursos caros de planejamento … um stress na gestão operacional muito forte;
- Envolvendo custos que podem fazer falta em um ano em que desperdiçar é algo que pouquíssimas empresas podem “se dar ao luxo” !
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.