Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Somente esta tabela já pode dar, para quem não lida com indicadores da área da saúde, a dimensão do que é a especialidade Cardiologia no Brasil:
- Temos ~5.400 municípios no Brasil … e quase 400.000 equipamentos utilizados para monitorar o coração e os efeitos que ele pode causar;
- Imagine se associado a cada equipamento desses tenhamos um profissional (tem mais) … isso já sinaliza posto de trabalho / emprego, para quase meio milhão de pessoas.
E isso só citando as pessoas que operam estes equipamentos:
- Para que estes equipamentos estejam lá no serviço de saúde, precisam ser desenvolvidos, fabricados, distribuídos …
- Precisam ser aferidos … calibrados … periodicamente;
- Ah se os governantes brasileiros enxergassem saúde não apenas como custo … mas como oportunidade de negócios que movimenta a economia … coisa que os países mais ricos fazem com maestria !
- Esta “cegueira governamental” que nos fez ficar tão dependentes de insumos importados durante a pandemia … e infelizmente “nada no horizonte” nos faz crer que isso vai mudar no futuro … continuamos importando materiais, medicamentos, equipamentos, e pagando royalties sobre tecnologias que foram “inventadas na época do computador à válvula” !!!
Formamos aqui no Brasil um exército de profissionais altamente competentes na especialidade:
- Mais de 60.000 considerando apenas os médicos;
- Pela forma como o CNES é estruturado não conseguimos tabular os demais profissionais multidisciplinares especializados em cardiologia (enfermagem, fisioterapia, técnicos de equipamentos …);
- Mas quem, como eu, já teve a oportunidade de ser diretor em um dos mais conceituados hospitais especializados do Brasil … bem-conceituados em todo o mundo, diga-se de passagem … quem já atuou em consultoria em algumas dezenas de hospitais que têm esta especialidade como “carro chefe” … tem a dimensão de como somos evoluídos na atenção em cardiologia.
Tanto isso é verdade que nos hospitais universitários é muito comum nos depararmos com médicos estrangeiros, de uma infinidade de países diferentes, que vêm buscar especialização aqui:
- Vemos o nosso professor andando pelo hospital seguido de “uma penca” de residentes seguindo em fila atrás … boa parte deles que aprendem cardiologia ao mesmo tempo que aprendem a língua portuguesa !
- Alguns destes jovens, pude acompanhar a carreira: voltaram para seu país de origem e tenho contato ainda hoje … e ainda hoje recomendam que o recém-formado lá no seu país venha fazer especialização em cardiologia aqui no Brasil !!!
O gráfico da esquerda ilustra a quantidade de hospitais especializados em cardiologia:
- Dá uma falsa noção de que são poucos os centros de cardiologia no Brasil;
- A tabela da direita tabula a quantidade de serviços especializados, demonstrando que a maioria absoluta dos serviços especializados não está nos hospitais especializados exclusivamente em cardiologia;
- Se considerarmos que temos ~8.500 hospitais … e que temos mais de 6.600 serviços especializados em cardiologia, fica fácil entender que a especialidade está presente em praticamente “todos os cantos” do Brasil !!
Temos um volume de leitos especializados de dar inveja a qualquer país do mundo:
- Tanto os especializados exclusivamente em cardiologia;
- Quanto os que são utilizados por diversas especialidades (Semi, UTI …) mas que sabemos que prioritariamente são utilizados em cardiologia … exceto neste período de pandemia que monopolizou os leitos de UTI para doenças respiratórias … é claro !
Falando em pandemia …
- Se não fosse por esta especialidade ter desenvolvido a medicina intensivista no Brasil, multiplicando as UTI’s …
- O que teria sido de nós na pandemia que necessitou de alto volume de leitos de UTI ?
- Vamos lembrar que o número de óbitos no Brasil foi proporcionalmente acima da média da maioria absoluta dos países que têm um sistema de saúde estruturado, por questões políticas;
- E se não tivéssemos a quantidade de leitos que tínhamos antes da pandemia, quantos óbitos a mais teríamos contabilizado por falta de leito para tratamento COVID-19 ?
O Brasil:
- Inovou ao realizar o primeiro transplante (com ou sem controvérsia sobre isso … é inegável que inovou);
- É referência em tratamentos preventivos em cardiologia que acabaram contribuindo para o desenvolvimento dos programas antitabagismo, de alimentação saudável (sal, gordura saturada …) … além dos protocolos de diagnóstico precoce de várias doenças cardiovasculares (arritmia, infarto …);
- Hoje, por exemplo, não se realiza um jogo de futebol profissional sem uma ambulância, prioritariamente para atender casos de súbita parada cardíaca !!!
E os indicadores sinalizam que a evolução é irreversível:
- Somente para ilustrar o gráfico demonstra a evolução no volume de Monitores de ECG nos últimos anos;
- É como se não tivéssemos tido pandemia em 2020 … a linha de evolução não foi afetada significativamente “nem pra cima, nem pra baixo” !
E, para quem lida com a parte financeira da gestão da saúde como eu:
- É muito bom ver que o custo dos insumos na especialidade é o que menos variou nos últimos anos;
- Refletindo no fato do preço dos procedimentos também não ter tido variações absurdas.
É bom porque se a especialidade está expandindo e os custos e preços se mantêm equilibrados, sinaliza que estão compatíveis com a remuneração justa … e isso permite cada vez maior acesso da população no SUS, e dos beneficiários de planos de saúde na saúde suplementar … é isso que importa como objetivo final do planejamento em saúde.
Se ninguém atrapalhar … propondo pacotes inviáveis, tanto contas pacote como pacotes para melhoria de cuidados … propondo modelos de remuneração inadequados e inviáveis para resolver um problema que não existe … tudo leva a crer que a especialidade vai continuar se desenvolvendo normalmente … e vai continuar nos orgulhando, seja na saúde pública, seja na privada !!!
É engraçado, para não dizer trágico, como os que discursam que hospitais e médicos exploram de maneira antiética a saúde obtendo lucro excessivo em detrimento das fontes pagadoras, quando sentem “formigamento na perna”, ou “uma pontadinha no peito” nem pensam em ir nos serviços de saúde que cobram mais barato reduzindo a qualidade assistencial … “correm praquele” serviço mais caro que eles vivem dizendo que fazem coisas desnecessárias e apresentam contas mais caras … fazem coisas desnecessárias para os outros – para eles não !
Quando assumi a missão de reestruturar a área comercial do hospital de cardiologia a primeira coisa que fizemos foi cancelar todos os pacotes, porque estavam sem atualização há anos:
- Na prática o hospital não estava fazendo as cirurgias vinculadas aos pacotes porque se fizesse estaria pagando para a operadora, e os médicos não se sujeitavam a realizar com aquela remuneração;
- É claro que “fui fuzilado” por pessoas de dentro e de fora do hospital, porque interesses são muitos e surpreendentemente muito diferentes do que a maioria das pessoas pensam … a realidade é o que é e não o que se narra;
- Mas em pouco tempo as operadoras que perceberam que estavam deixando de contar com um serviço de altíssima qualidade e resolutividade acordaram novos pacotes, e passaram a contar novamente com o hospital na rede, e ativamente … não só “no papel” !
Quem atua anos no segmento e entende que não existe qualidade sem custo, certamente se orgulha de estar em um país onde a especialidade se desenvolveu, a concorrência é grande, e o preço é justo:
- Maior qualidade … maior preço – menor qualidade … menor preço !
- Como em qualquer outro tipo de segmento da economia !!
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.