R$ 3,48 ao dia: esse é valor per capita que o governo utiliza – em seus três níveis de gestão (federal, estadual e municipal) – para cobrir as despesas com saúde dos mais de 207 milhões de brasileiros. Esse é o resultado de uma análise detalhada das informações mais recentes disponíveis, relativas às contas públicas do segmento em 2017. Segundo o cálculo inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir de dados oficiais, naquele ano, o gasto por habitante com saúde em todo o País foi de R$ 1.271,65.
Este valor absoluto – apesar de apresentar um aumento médio de 3% ao ano entre 2008 e 2017 – está defasado frente ao principal indicador que mede a inflação oficial do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No período analisado, este indicador teve uma variação positiva de 80%. Por outro lado, a correção da despesa per capita em ações e serviços públicos de saúde foi de 26%, o que dá uma defasagem média, segundo a análise do CFM, de quase 42%.
As informações levantadas pelo CFM consideraram as despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) declaradas no Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), do Ministério da Saúde. Pela lei, cada ente federativo deve investir percentuais mínimos dos recursos arrecadados com impostos e transferências constitucionais e legais. No caso dos Estados e do Distrito Federal, este índice deve ser de pelo menos 12% do total de seus orçamentos. No caso dos municípios, o valor de base corresponde a 15%. Para a União, a regra prevê aplicação mínima, pelos próximos 20 anos, de 15% da receita corrente líquida, mais a correção da inflação.
Segundo o apurado pelo CFM, em 2017, as despesas nos três níveis de gestão atingiram a cifra de R$ 262,8 bilhões. O montante agrega a cobertura das ações e serviços de aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS), como o custeio da rede de atendimento e pagamento de funcionários, dentre outras. Na avaliação do presidente da autarquia, Carlos Vital, os indicadores de saúde e as más condições de trabalho no setor revelam que os valores gastos ainda estão abaixo do ideal.
Na avaliação dele, embora o número absoluto tenha aumentado ao longo dos últimos dez anos, período avaliado pela autarquia, o valor continua abaixo de parâmetros internacionais e tem sido insuficiente para responder às demandas crescentes da população, impulsionadas por mudanças nos perfis socioeconômico e epidemiológico.
“Por exemplo, aspectos como a maior incidência de doenças crônicas, o envelhecimento da população e o impacto crescente das causas externas (acidentes, violência, etc.) têm gerado maior procura por produtos e serviços de média e alta complexidade. Por outro lado, o aumento da população de desempregados, que fez com que quase três milhões de brasileiros abandonassem os planos de saúde nos últimos anos, repercutiu na procura por atendimento em cuidados básicos e ambulatoriais”, afirmou o presidente do CFM.
Vital reitera posicionamento da autarquia segundo o qual o combate à recessão, cumprimento das metas fiscais, reequilíbrio das contas públicas e retomada do crescimento econômico não podem ser justificativas para medidas de restrição orçamentárias à saúde pública, o que compromete a assistência da população por conta de impactos negativos nas condições de atendimento em termos de infraestrutura e recursos humanos.
Além do subfinanciamento, outro ponto destacado por ele é a má gestão dos recursos orçamentários disponíveis. Entre 2003 e 2017, o Ministério da Saúde deixou de aplicar quase R$ 174 bilhões do que havia previsto. “Os caminhos da reconstrução do Brasil e de seu desenvolvimento sustentável não podem ter, como preço a ser pago, mais sequelas e mortes evitáveis de milhares de cidadãos. É imperativo ético e moral, na pior das hipóteses, o adequado proveito do orçamento liberado para a área da saúde pela União”, ressaltou o presidente.
Em dez anos, gasto em saúde tem defasagem de 42% na comparação com a inflação
No período de 2008 a 2017, o que a gestão pública – em suas três esferas – dispensou com a conta da saúde por habitante no País não teve reajustes que superassem os valores de reposição previstos no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o principal indicador da inflação no Brasil e que, no período, subiu cerca de 80%. Mesmo tendo ganhos médios de 3% ano, nesse intervalo de dez anos, resultando em um acumulado de 26%, a perda do gasto per capita comparado ao medidor inflacionário chega a quase 42%.
Significa dizer, por exemplo, que se os valores fossem corrigidos pelo IPCA a partir de 2008, o gasto por pessoa, que no ano passado foi de R$ 1.271,35, seria ampliado para, pelo menos, R$ 1.800. Além do IPCA, o CFM também comparou a evolução do gasto per capita com ações e serviços de saúde com Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que também acumulou aumento de 80% no período. Já o Índice do Custo de Vida, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (ICV-DIEESE), subiu quase 83%.
“Seja qual for a perspectiva, é nítido o subfinanciamento do gasto público em saúde no Brasil. Se nos últimos dez anos, os recursos da saúde tivessem sido corrigidos pela inflação, por qualquer um dos índices reconhecidos, só no ano passado o investimento total no setor teria crescido R$ 110 bilhões, o que praticamente triplicaria o orçamento aplicado pela União, estados e municípios”, estima o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhausen.
Para ele, esse descompasso entre o financiamento do SUS e o patamar de inflação pode se constituir em um obstáculo ao desenvolvimento de iniciativas governamentais e na melhora da assistência. “A gestão financeira do setor será um dos grandes desafios do próximo presidente do País. Será preciso realizar investimentos que garantam uma rentabilidade mínima, capaz de superar a inflação dos insumos e equipamentos necessários ao bom desenvolvimento das políticas públicas”, destacou.
Na avaliação do conselheiro Hermann Tiesenhausen, a falta de reajuste nas contas da saúde prejudica a compra de equipamentos e a realização de obras e reformas, bem como atrapalha a manutenção adequada dos estoques de medicamentos e outros insumos. O prejuízo atinge ainda a atualização da Tabela SUS, que há quase duas décadas não passa por uma revisão ampla, fazendo com que prestadores de serviço à rede pública percam o interesse de manter seus contratos.
“Na prática, teremos redução no número de leitos de internação, incluindo UTIs, menor número de médicos e outros profissionais, e mais tempo de espera por cirurgias eletivas, consultas e exames. Ou seja, a população arca diretamente com as medidas adotadas na esfera governamental. Além disso, há o comprometimento da imagem do SUS, que passa a ser mal avaliado por seus usuários”, acrescentou.
Estados reduzem participação no gasto com Saúde
Apesar do gasto médio per capita com saúde no País ser de R$ 1.271,65, no ano passado, entre os 26 Estados esse valor varia de R$ 703,67, no Pará, a R$ 1.771,13, em Roraima. Esses montantes resultam da soma de recursos de impostos e transferências constitucionais da União a cada uma das unidades federativas e do que é dispensado também pelos Estados e Municípios, com recursos próprios para pagamento de despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Essas despesas são voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, a princípios da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990).
Além de Roraima, tiveram valores per capita acima da média nacional apenas três outros estados: Mato Grosso do Sul (R$ 1.496,13), Tocantins (R$ 1.489,18), e Acre (R$ 1.306,91). Estados com alta densidade populacional e índices elevados de desenvolvimento econômico apresentaram índices menores. São os casos de Mato Grosso (R$ 1.243,84), São Paulo (R$ 1.235,15), Rio Grande do Sul (R$ 1.207,13), Rio de Janeiro (R$ 1.194,19), Paraná (R$ 1.129.36) e Minas Gerais (R$ 1.011,21).
Na base do ranking dos gastos totais per capita em saúde, além do Pará, surgem: Maranhão, com despesa total por ano de R$ 750,45; Bahia (R$ 777,80); Alagoas (R$ 863,18); Ceará (R$ 888,71); e Amazonas (R$ 907,82). Também realizaram uma média inferior a R$ 1.000 ao ano por habitante: Pernambuco (R$ 908,68), Goiás (R$ 910,60), Paraíba (R$ 912,11), Sergipe (R$ 936,96) e Rio Grande do Norte (R$ 948,99).
Diferenciado – No caso do Distrito Federal, esse número tem um cálculo diferenciado por conta do maior volume de recursos dispensados pelo Ministério da Saúde para pagamento dos servidores. No nível federal, uma despesa de quase R$ 39 bilhões foi identificada em 2017 com a descrição “nacional”, que em parte reflete despesas com pagamento de pessoal, além de itens que o Ministério da Saúde executa de forma centralizada em benefício de todos os entes – como a compra de medicamentos de alto custo, vacinas e insumos.
Além disso, a partir de 2015, o volume principal de pagamento de servidores ativos da União passou a constar do volume de recursos do Distrito Federal (até então carimbados como “nacional”). Dado o impacto na proporção do DF em relação aos demais estados, a unidade não foi incluída no ranking elaborado pelo CFM. Isso fez com que o volume de transferências da União ficasse em R$ 2.579,02, quase cinco vezes maior que o segundo lugar na lista (Roraima, com R$ 527,45).
Papel da União – O cálculo do volume de recursos enviados pela União aos Estados e municípios para ajudar no custeio e no investimento em ações e serviços de saúde é feito com base em critérios baseados nas necessidades da população; nas dimensões epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas e espacial; e na capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde. Além disso, o rateio deve ter como objetivo a “progressiva redução das disparidades regionais”, conforme estabelece a Constituição Federal.
Ao avaliar os dados disponíveis no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), administrado pelo Ministério de mesmo nome, o CFM conseguiu identificar o total dos repasses por Estado, no período (2008 a 2017). Depois, dividiu esses números pela população residente em cada unidade da federação, conforme estimativa do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), o que permitiu identificar o valor médio per capita dos repasses por Estado.
Em 2017, as transferências federais ficaram, em média em R$ 552,35. Por região, o pior desempenho foi no Norte (R$ 287,43), seguido do Sudeste (R$ 324,72), do Nordeste (R$ 334,24), do Sul (¨R$ 378,83) e do Centro-Oeste, com R$ 754,46, cujo resultado sofreu o impacto da distorção causada pela concentração de recursos do Ministério da Saúde no Distrito Federal.
Ranking estadual – O segundo item da operação que permitiu ao CFM saber exatamente o gasto per capita por Estado se baseia na análise dos valores destinados especificamente a Ações e Serviços Públicos de Saúde descritos nos orçamentos de cada Governo Estadual. Esses números integram relatórios que bimestralmente são encaminhados à União por meio do Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops).
De acordo com o declarado, os governos dos 26 estados e do Distrito Federal dispensaram, em média, R$ 315,93 na saúde de cada habitante, a partir de seus recursos próprios (sem contar com os repasses da União e os gastos de municípios). Onze estados se colocaram abaixo desse patamar. Os piores desempenhos foram percebidos na Bahia (R$ 226,56), Maranhão (R$ 231,48) e Pará (R$ 258,02). Na outra ponta, se destacaram Roraima, com per capita em saúde de R$ 976,77 ao ano, seguido pelo Distrito Federal (R$ 898,78) e Acre (R$ 736,24).
Municípios – Para fechar a conta da despesa per capita por unidade da Federação, também se buscou saber qual o comprometimento orçamentário dos municípios com essa responsabilidade legal. Nesse caso, foram analisadas as informações oficiais das Prefeituras enviadas ao Ministério da Saúde, também por meio do Siops. A alimentação desse sistema é uma das condições, por exemplo, para que Estados e municípios possam continuar recebendo transferências constitucionais e voluntárias da União, como os Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Dessa contabilidade dos recursos municipais, foram excluídos apenas Fernando de Noronha (PE) e Brasília (DF), por terem configurações administrativas específicas. Assim, somou-se o declarado por todos os municípios de um Estado e dividiu-se o resultado pela população total. O resultado mostra que os 5.568 municípios que têm essa obrigação legal e administrativa responderam, em 2017, por uma despesa per capita em saúde que ficou, em média, em R$ 403,37.
Por unidade, os melhores desempenhos médios foram percebidos entre os municípios de São Paulo (R$ 601,98), Mato Grosso do Sul (R$ 567,74), Mato Grosso (R$ 502,22), Santa Catarina (R$ 471,91) e Paraná (R$ 470,93). Já nas últimas posições ficaram as médias das cidades do Amapá (R$ 141,55), Acre (R$ 170,76), Pará (R$ 206,55), Maranhão (R$ 225,09) e Alagoas (R$ 241,38). Considerando a média nacional, além dos municípios desses Estados, os de outras 12 unidades da Federação também ficam abaixo do parâmetro nacional.
Comprometimento–“Enquanto os municípios brasileiros aumentaram gradativamente sua participação na composição das despesas públicas, os Estados, aos poucos, têm retraído sua presença proporcional nas contas da saúde”, lembrou o conselheiro Hermann Tiesenhausen. Para provar isso, ele avalia o comprometimento dos percentuais do orçamento com o setor entre 2008 e 2017.
Segundo ele, os municípios e os Estados ampliaram o gasto, especialmente a partir dos anos 2000, com o estabelecimento da Emenda Constitucional nº 29, que vinculou os recursos da saúde às suas receitas (12% para Estados e 15% para municípios). Em 2008, as prefeituras assumiam 29,3% do gasto total público, percentual que, em 2017, alcançou 31,4%. No mesmo intervalo, no caso dos estados, eles respondiam por 26,8% das despesas, percentual que caiu para 25%, no ano passado. “Já no caso da União essa vinculação, que na década de 1990 chegou a ser responsável de 75% da participação do Estado com o gasto sanitário total, no período analisado se manteve em torno de 43%”, complementou.
O economista e coordenador de Pós-Graduação em Gestão e Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Áquilas Mendes, diz não ter dúvida de que o crescimento dos gastos municipais se deve ao seu papel de responsabilidade sobre a execução da política de saúde, em virtude do processo de descentralização do Sistema único de Saúde (SUS). “Em tempos de crise econômica que o Brasil atravessa desde 2014, alguns enfrentamentos devem ser feitos”, aponta.
Mendes, que foi presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) e é referência nacional em financiamento da saúde, avaliou os números do CFM e avaliou que os contextos, mundial e nacional, contribuem para os embates na história do financiamento do SUS, desde sua criação. “Entre 1995 a 2015, o gasto do Ministério da Saúde não foi alterado, mantendo-se 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que o gasto com juros da dívida representou, em média, 7,1%. Tudo indica que o quadro do subfinanciamento, no período recente, vem se transformando num processo de desfinanciamento, que certamente levará a um aniquilamento das tentativas de construção de nosso sistema universal”, criticou.
Em recente análise sobre o tema, publicada pelo instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), Mendes destacou que, com a adoção de uma das maiores medidas de austeridade para alcançar um equilíbrio fiscal no País, a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, “os recursos federais para o SUS devem reduzir de 1,7% do PIB para 1,0% até 2036, acumulando perdas superiores a três orçamentos anuais nesse período de 20 anos”. Segundo ele, num cenário retrospectivo, entre 2003 a 2015, a medida já teria causado uma perda de R$ 135 bilhões.
Nas capitais, comprometimento com despesas em saúde aumenta, mas não resolve problemas
A demanda pelos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) tem pressionado cada vez mais as despesas dos municípios com saúde, em especial nas capitais, que na maioria dos estados são as localidades com maior população e ocupam a posição de referência no acesso aos serviços assistenciais, em todos os níveis de complexidade. De modo geral, essa sobrecarga sobre as prefeituras levou ao aumento do comprometimento percentual dos orçamentos com a área.
“O município é o Estado mais próximo do cidadão e, portanto, mais suscetível às pressões diretas da população. Além disso, é o maior responsável pela entrega dos serviços do SUS na atenção primária e na urgência e emergência, que são as portas de entrada do sistema, e mesmo na média complexidade”, avalia o economista e diretor da consultoria Monitor Saúde, Januário Montone.
Segundo o especialista, a União e os Estados tiveram maior capacidade de se ajustar com a queda de receitas. “Os que quebraram simplesmente deixaram de honrar seus compromissos e de atender a população, mas os municípios têm uma capacidade infinitamente menor de ajuste. A União não reajusta a Tabela SUS e faz uma economia enorme e o município, em especial os de maior porte, tem que administrar a redução dos serviços na ponta”, destacou Montone, que já foi secretário municipal de saúde e de gestão de São Paulo.
Nos últimos dez anos, só as despesas das capitais com recursos próprios, por exemplo, aumentaram 55%, passando de R$ 14,1 bilhões, em 2008, para R$ 21,9 bilhões, em 2017. No ranking, o destaque positivo recai sobre Campo Grande (MS), com um valor correspondente a R$ 686,56 per capita ano. Na sequência, aparecem São Paulo (SP), com R$ 656,91; Teresina (PI), que dispensa R$ 590,71; Vitória (ES), com R$ 547; e Rio de Janeiro (RJ), com R$ 533,92.
Os piores desempenhos foram registrados em Macapá (AP), com R$ 156,67; Rio Branco (AC), com R$ 214,36; Salvador (BA), com R$ 243,40; Belém (PA), com R$ 247,48; e Maceió (AL), com R$ 294,46. Considerando-se 26 capitais, à exceção de Brasília, que possui uma especificidade administrativa que não permite esse cálculo, a média nacional ficou em R$ 398,38 per capita aplicados pelas Prefeituras em ações e serviços de saúde. Além dos cinco municípios com pior desempenho, já citados, outros 11 não conseguiram superar esse parâmetro dentre as capitais.
“Com o aumento significativo do desemprego, especialmente a partir de 2015, muitos perderam seus planos de saúde, ampliando a demanda por serviços na rede púbica. Como é de responsabilidade dos municípios a gestão plena da atenção básica, as cidades estão ampliando gradativamente seus gastos para compensar o que deveria ser financiado pelo governo federal, por meio do Ministério da Saúde”, destacou o coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS. Donizetti Giamberardino.
Para o conselheiro, no entanto, não é incomum também que prefeituras menores não compreendam o seu papel e relevância na atenção básica, dando foco a contratação de ambulâncias para transportar seus pacientes para serviços da região. “Grande parte dos municípios brasileiros, sobretudo os de pequeno porte, carece de quadro técnico especializado em gestão. Nesse cenário, ao invés de implementar a assistência local, alguns gestores optam por comprar uma ambulância, em geral com o nome do prefeito estampado nas laterais, e enviar os necessitados a outros municípios maiores”, criticou.
Países ricos gastam quase dez vezes mais que o Brasil
As informações do Conselho Federal de Medicina (CFM) dialogam com o relatório de Estatísticas Sanitárias 2018, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que revelou que o Estado brasileiro tem uma participação aquém das suas necessidades no financiamento da rede pública. Os percentuais destinados pela União, Governos estaduais e prefeituras às despesas com ações e serviços na área, em especial no âmbito do Sistema Único de Saúde, são insuficientes para atender a demanda e, mesmo somados, ficam bem abaixo do que é praticado em outras Nações com modelos assistenciais semelhantes ao SUS.
Apesar de diferenças metodológicas, segundo os cálculos mais recentes da OMS, com base no orçamento de 2015, o gasto público em saúde no País alcançava US$ 334 por habitante. No Reino Unido, comumente citado pelos gestores brasileiros como exemplo de sistema universal a ser seguido, o investimento público per capita em saúde foi dez vezes o valor aplicado por aqui: US$ 3.500.
Em outros países de sistema universal de saúde, a regra é a mesma. França (US$ 3.178), Canadá (US$ 3.315), Espanha (US$ 1.672) e na América do Sul a Argentina (US$ 713) aplicam mais que o Brasil. Dentre as Nações, com modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil também aparece com a menor participação do Estado nas contas da saúde: apenas 42,8% do gasto total tem como origem os cofres públicos.
O restante foi gasto pelas das famílias, com serviços de saúde privados (incluindo planos de saúde) e compra direta de medicamentos. Nesses mesmos países, a participação pública no gasto total em saúde variou entre 71% (Espanha) e 80,3% (Reino Unido).
Para o presidente do CFM, Carlos Vital, o relatório é coerente com a realidade nacional e reflete o histórico e crônico subfinanciamento do SUS. “Estamos em uma posição nada lisonjeira para quem se coloca entre os países mais ricos do mundo, com pretensões de assumir assento entre as maiores economias. Nossas autoridades precisam entender a importância de ampliar o financiamento da saúde no Brasil, lição que estes outros países já aprenderam”, defendeu.