ChatGPT: uma excelente ferramenta que ainda precisa de avaliações

Ferramenta se tornou a febre do momento, mas tecnologias têm de ser testada antes de se cogitar seu uso na saúde

ChatGPT: uma excelente ferramenta, mas que ainda precisa de avaliações

Vivemos tempos ansiosos. O Brasil pode ser um caso mais agudo – afinal, é o lugar com a maior prevalência de transtornos de ansiedade, segundo dado recente da OMS (Organização Mundial da Saúde) – mas isso se verifica em toda parte. Isso pode ajudar a entender a vontade geral de querer ver em qualquer novidade tecnológica a “solução”, seja para problemas atuais, seja para os potenciais. O ChatGPT está nessa chave.

Não se trata de uma tecnologia exatamente nova: já conhecemos os chatbots, que estão presentes em tantos serviços de atendimento, com graus variados de eficiência. Mas aquela corrida à novidade ficou evidente, mais uma vez, com a chegada dessa ferramenta – e dados objetivos comprovam isso: medição feita pela consultoria de dados alemã Statista mostrou que, cinco dias depois de lançado, o ChatGPT já tinha alcançado 1 milhão de usuários. O Facebook, usado por bilhões de pessoas hoje, só chegou ao primeiro milhão de usuários após dez meses. O Instagram, outra febre da internet, levou dois meses e meio.

O que se pode dizer já de saída a respeito dessa corrida ao ChatGPT é que ninguém se preocupou muito em parar e analisar o que se está fazendo. Algo do tipo “vamos usando, e a gente aprende para que serve no caminho”. Isso pode ter suas vantagens, mas no setor de saúde não é bom se proceder assim.

Pense, por exemplo, em novos medicamentos: são anos de testes até que se chegue a uma versão segura para uso em tratamentos. Equipamentos que utilizem radiação, idem. As tecnologias envolvidas nesses dois casos já são amplamente conhecidas, então já existe um know-how para testagem e uso. No caso da IA (inteligência artificial), há alguns nuances a serem considerados, no entanto.

Não tanto por uma novidade intrínseca da IA, que já convive conosco há algumas poucas décadas. Mas a velocidade com que evoluiu é que precisa ser avaliada. A IA empregada, por exemplo, no supercomputador Deep Blue, da IBM, causou assombro à sua época, na já longínqua década de 1990. Ainda que essa máquina vá continuar a figurar em alta posição na história da informática, muito já se avançou. O ChatGPT simula a capacidade humana de construir argumentos em texto. Mas quem já fez o teste pôde conferir que os textos por ele produzidos tendem um tanto ao genérico. E nem poderia ser diferente: a ferramenta, como acontece com toda e qualquer outra, vai ser aperfeiçoada.

ChatGPT

No futuro, quem sabe, o ChatGPT poderá ter até ideias originais – o que poderá criar um problema maior ainda quanto à produção de teses acadêmicas. Pode-se dizer que, de certa forma, trata-se mais de uma promessa que de algo pronto a ser aplicado de forma eficiente na substituição de mão de obra humana – ao menos, para tarefas que requerem reflexão e pensamento crítico.

Mas a área de serviços de saúde é uma das que mais abraça o avanço da tecnologia. Versões posteriores do ChatGPT poderão ter grande valia no atendimento de pessoas num nível mais sofisticado que o dos atuais chatbots. Um grande atrativo dela já está à disposição: o de operar com a tecnologia de PLN (Processamento de Linguagem Natural). Chegará o momento em que poderemos entabular uma conversa com o computador sem sequer perceber que é uma IA, e não uma “IN” (“inteligência natural”), que está interagindo conosco.

Em 1986 estreava o filme “Star Trek IV: A Volta para Casa”. Em determinado ponto do filme, o engenheiro-chefe da Enterprise, Montgomery Scott (o ator James Doohan) pede para usar um computador (um Macintosh Plus); ao se aproximar da máquina, nem olha para teclado – vai direto para o diálogo: “Computador?”. Sem resposta, o oficial médico, Leonard McCoy (DeForest Kelley), lhe oferece o mouse – e Scott acha que se trata de um microfone. No futuro, talvez utilizemos os computadores da forma como os tripulantes da Enterprise usavam os deles, com a naturalidade com que interagimos com outras pessoas.

E o ChatGPT pode ser o começo dessa história. Hoje, no entanto, o melhor antes de empregá-lo no campo da saúde seja esperar para ver o que ele será. Até porque há questões de segurança ainda mais elementares a cuidar antes – como desenvolver defesas contra golpes financeiros, por exemplo, e mesmo a propagação de fake news. Utilizá-lo, no atual estágio, na área da saúde é um risco que definitivamente não compensa correr.

*Artigo escrito por Giovanni Guido Cerri, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente também do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).

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