Corrupção, falta de ética e integridade, fraude na saúde, desvio de recursos, infraestrutura deficiente, mortes. Esta terrível combinação de palavras tem sido frequentemente encontrada em muitos países, em maior ou menor grau. O que parece ser um cenário desolador e sombrio, no entanto, sofreu uma reviravolta consistente na recente IX Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles (EUA), no início de junho.
O trabalho começou há muito tempo. Entidades da Sociedade Civil, como o INAC – Instituto Não Aceito Corrupção, Instituto Ética Saúde, Instituto Ethos, ETCO, ou organismos internacionais, como o UNODC, apenas para citar alguns, têm feito um incansável trabalho para mostrar o valor da ética nos negócios e a importância da adoção e implementação dos programas de integridade nas empresas, a fim de estabelecer-se um novo paradigma.
Parceiros da Academia como o FGVethics, núcleo de ética e integridade da Fundação Getúlio Vargas, e mesmo do governo, tais como a CGU – Controladoria Geral da União, TCU – Tribunal de Contas da União ou o CADE – Conselho Administrativo de Direito Econômico, têm sido fundamentais para alterar a mentalidade vigente por muitos anos, através de ações de educação e processos de gestão de mudanças ou mesmo pela investigação e apuração criteriosa de possíveis ilícitos ou denúncias de práticas ilegais.
O Instituto Ética Saúde é um caso exemplar a ser citado. Entidade de autorregulação criada a partir de um Pacto Setorial para lidar com as fraudes e falta de integridade no setor de próteses e órteses, há cerca de seis anos, tomou um vulto jamais esperado. Hoje, representa toda a cadeia de valor de saúde. Indústria, distribuição, hospitais, laboratórios, sociedades médicas e de outros profissionais de saúde, além de operadoras de saúde e de pacientes, devidamente representados por suas associações, têm voz ativa, inclusive para levantamento dos riscos de integridade nas relações em que são parte. Com isto, o IES mantém as suas Instruções Normativas (e seu Estatuto Social) atualizados para balizar o mercado em termos de mitigação de riscos conhecidos.
Este trabalho árduo tem surtido efeitos concretos, como o “Marco de Consenso Brasileiro para a Colaboração Ética Multissetorial na Área de Saúde”, que já conta com a adesão de mais de 43 entidades e apoio, a título de observadores, do Ministério da Saúde, Ministério da Economia, CGU, TCU, Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção do Congresso Nacional e do UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime. Assinado durante o Fórum Virtual Américas Ética na Saúde, em agosto de 2021, ele foi uma grande conquista na promoção da transparência e ética nos negócios em saúde, por alinhar todas as entidades em busca de objetivos mínimos comuns.
Aquele evento híbrido – com mais de 1000 participantes de vários países, mais de 50 palestrantes em 16 sessões – foi preparatório para a recente Cúpula das Américas. Neste contexto internacional, vale destacar as atividades da Coalizão Interamericana de Ética nos Negócios, que tem promovido discussões em todos os países do continente americano, de forma coordenada, para promoção de ações de integridade, dentro do setor de Saúde.
A Coalizão tem feito a defesa de várias ferramentas essenciais para aumento da transparência e justa concorrência, como por exemplo a defesa da utilização de Boas Práticas Regulatórias e defesa da transparência em Compras Públicas. Seu trabalho tem sido marcado por bons avanços principalmente por estar lado a lado com a Coalizão Interamericana de Convergência Regulatória, com impacto positivo já sentido em vários países, em função da aceleração do acesso a novas tecnologias em saúde para muitos países, graças ao uso de normas para fins regulatórios ou mesmo de ferramentas como o “reliance”, principalmente durante a pandemia do COVID-19.
Durante o evento em Los Angeles, a CGU fez uma breve apresentação sobre a nova Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei 14133/21), que traz várias inovações, como o diálogo competitivo ou mesmo uma gestão de riscos adequada (prevendo formas de mitigação). O Portal Nacional de Contratações Públicas, por outro lado, trará a devida transparência com a divulgação centralizada e obrigatória dos dados relativos ao processo de aquisição e aos contratos firmados. Por fim, a exigência de que as empresas que contratam com o Estado, tenham seu próprio Programa de Integridade implantado (para os casos de grande vulto, ou seja, acima de R$ 216 milhões por ano).
Embora seja obrigatório apenas para tais contratações de grande vulto, o Programa de Integridade poderá servir como um dos critérios de desempate ou mesmo como condição de reabilitação, após a aplicação de sanções. Espera-se com isto que haja um incentivo adicional para o mercado acelerar as implementações de seus Programas de Compliance. Programas como o Selo Pró-Ética da própria CGU e o Programa QualIES do IES são iniciativas já existentes e que valorizam a empresa aderente à ética nos negócios, servindo como uma boa base para a nova lei.
Pelo Ministério da Economia, há claramente um interesse no aumento de investimentos no Brasil e ampliação dos negócios internacionais, onde o papel de Boas Práticas Regulatórias (BPRs) e do combate à corrupção são mais do que vitais. Afinal, as BPRs promovem regulações melhores, previnem e reduzem barreiras não tarifárias e apoiam a adesão a obrigações a negócios internacionais.
Ambientes onde impera a integridade e com a devida previsibilidade jurídica, inclusive com o respeito às normas ESG, são hoje requisitos básicos para uma interação maior com outros países. Nesta direção, o Brasil deu fortes indicações de que está ciente de seu papel e tem promovido mudanças regulatórias para tornar o Estado mais leve e ágil (avanço acelerado em iniciativas de digitalização, por exemplo), em um ambiente de negócios integrado, valorizando não apenas os acordos multilaterais, mas buscando firmar acordos bilaterais quando possível, inclusive com a promoção de iniciativas de “nearshoring” (aumento de negócios internacionais com países próximos).
Não obstante o difícil cenário político de extrema polarização que temos adiante, vemos que as instituições continuam funcionando – como deveria ser – e promovendo o desenvolvimento sustentável do nosso país, com base em critérios sólidos: transparência, integridade e promoção do acesso à saúde. Continuemos a trabalhar por um Brasil melhor!