“Diagnóstico por imagem: o futuro já é o presente”, por Giovanni G. Cerri
Observar o interior do corpo humano foi uma atividade cercada de tabu e interdições ao longo da história, quase sempre de cunho religioso.
Os primeiros registros mais sistemáticos e “precisos”, por assim dizer, são os de Andreas Vesalius (1514-1564), o “pai da anatomia”, e Thomas Willis (1621 – 1675), autor de “Cerebri Anatome”, o primeiro “atlas do cérebro”.
As ilustrações eram feitas, claro, a mão, simples reproduções do que os desenhistas viam e manipulavam. Deviam tomar um tempo considerável até ficarem prontos, independentemente dos talentos artísticos de quem desenhava – e mesmo Leonardo da Vinci se aventurou em representar o órgão.
Passados mais de três séculos, a medicina – agora lado a lado com a ciência moderna – pode produzir uma imagem do cérebro rica em detalhes, em poucos minutos, e basear nessa imagem diagnósticos extremamente precisos.
Isso porque os exames por imagem vêm revolucionando a medicina – e isso vai ganhar ainda mais velocidade quando já estiver em pleno uso a velocidade 5G da internet.
Graças a essa evolução, foi possível para um grupo de cerca de 200 pesquisadores produzir o “Brain Charts”, uma coleção de imagens que abrange a formação do cérebro desde o feto, a partir de 15 semanas, até o de um adulto de 100 anos de idade.
O trabalho foi coordenado pelos neurocientistas Richard Bethlehem (Universidade de Cambridge, Reino Unido) e Jakob Seidlitz (Universidade da Pensilvânia, EUA). Foram utilizadas cerca de 124 mil imagens (de mais de 100 mil pessoas) obtidas por ressonância magnética.
O trabalho mostra desde a rápida expansão do cérebro nos primeiros anos de vida até seu encolhimento à medida em que a idade avança.
Mostra como volume e componentes do cérebro variam segundo gênero e faixa etária. Os gráficos produzidos pela pesquisa foram apresentados em um artigo publicado em abril deste ano na revista especializada “Nature”.
Esse conjunto de imagens já tem cerca de 165 rótulos diferentes de diagnósticos. Servirá não só como uma rica fonte para pesquisa como, no futuro, deverá ser uma ferramenta clínica inestimável.
A pesquisa é não só um testemunho da capacidade de fazer avançar o conhecimento acerca do cérebro como mostra o avanço que os exames por imagem têm feito.
A capacidade dos equipamentos hoje disponíveis já permite detectar, por exemplo, lesões de menos de 1 milímetro.
Há 30 anos, no entanto, as lesões detectáveis tinham a partir de 2 centímetros. Diagnosticar e tratar pode, assim, começar muito mais cedo atualmente.
A pandemia fez acelerarem os avanços no contato remoto de médicos e pacientes e entre médicos, e destes com suas equipes.
Trabalhos a muitas mãos se tornarão mais ágeis e eficientes – reduzindo a necessidade de deslocamentos apenas ao que for necessário. Isso expande para outros continentes o alcance da colaboração, da divulgação de resultados.
Cirurgias feitas por robôs, comandados por cirurgiões que não precisam estar sequer no mesmo hospital em que o procedimento ocorre. Tudo isso, que parece ficção científica (e em algum momento foi mesmo), está ou sendo implementado desde já, ou pode estar a apenas alguns anos no futuro.
A IA (inteligência artificial) tornará ainda mais eficiente a chegada a um diagnóstico a partir de imagens mais e mais detalhadas.
Desde o raio-X, descoberto há mais de cem anos e desenvolvido ao longo de todo o século 20, a evolução foi assombrosa. Mais do que nunca, o avanço tecnológico beneficia o exame por imagem – e dá ao médico subsídios cada vez mais detalhados para se chegar às conclusões mais precisas sobre o que tem cada paciente.
E o paciente é o grande beneficiário de tudo isso: a experiência será cada vez mais fluida e eficiente, as terapias serão baseadas em informações acuradas e tudo isso se traduzirá em mais qualidade de vida.
O Brasil está em meio não só à chegada do 5G como da regulamentação da saúde digital.
Quando tudo isso estiver implementado e acertado no país, haverá, claro, a questão de como tornar o acesso aos avanços tecnológicos dos exames de imagem cada vez mais igualitário.
Mas as inovações e os avanços estarão presentes, e a sociedade como um todo é quem mais terá a ganhar.
Médico, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).