“Dona Senhorinha”, por Henrique Jatene, arquiteto do InCor

Uma placa no Ambulatório indica Métodos Gráficos- ECG. Embaixo da placa a senhorinha, com ar perdido e preocupado, segurando uma folhinha de papel, me para e pergunta: O senhor sabe onde eu faço esse exame? Acho que é de eletro!

Mostrei a placa e pelo ar atônito, não sei dizer se ela sabia ler, se enxergava direito ou mesmo se estava assustada naquele mundo cheio de gente, placas, cores, sons e filas, disfarçados de processos e fluxos.
Senhorinha me representa! Já me perdi em caminhos muito bem sinalizados, já errei o sentido do metrô e já desembarquei em estações de lugares em que eu era analfabeto na língua nativa.

As ruas e esquinas dos ambulatórios e hospitais estão cheias de senhorinhas, senhorzinhos e um monte de outras pessoas de todos os gêneros, idades e grau de instrução. Eles querem e precisam saber onde e como chegar no banheiro, na saída, no consultório, na sala de exame, onde está o Dr. Fulano, se ali pode tomar vacina, onde tem água, onde eu pego atestado… “Eu sou de outra cidade, como é o nome desse hospital? Aqui é do SUS?”.

Placas, totens, diretórios, faixas, cores, peças de design se esforçando para cumprir a ingrata missão de substituir o homem do posto que explica como virar “as esquerda”, “as direita”, seguir em frente toda vida até chegar onde você quer e, a salvadora voz da moça do aplicativo que conhece todos os caminhos, veredas e quebradas do mundo. Seu destino está logo à frente. Chegar ao destino, saindo da origem, sonho e alívio essencial do ser humano. Chegar no local e hora da consulta ou exame para, quem sabe, aliviar a angústia real de estar precisando de cuidados. Entre origem e destino, o caminho curto, é longo.

Achamos e, acham por nós, que o nosso objetivo de desenhadores é, muitas vezes, apenas criar um desenho gráfico ou digital atraente ou diferente, distribuir no espaço as peças desenhadas, num sistema padronizado, modular e replicável em várias situações, com bom custo de implantação e manutenção e, ainda, algo reforçando a marca da instituição. Alguns acham que as pessoas virão e voltarão ao hospital só para desfrutar da experiência de interagir com as peças de design.

Achamos certo. Tudo isso é o objetivo de um projeto e, muitas vezes, conduz a trabalhos notáveis, peças sedutoras e que provocam prazer estético em quem não só olha como vê. Às vezes, nem tanto, nem sempre o desenho é percebido e entendido. Continuemos a desenhar, resistindo à pressão libidinal de não inventar a roda e produzir ou reproduzir cópias ou releituras de sucesso.

Tudo é comunicação. E tudo é desenho. O espaço comunica, a placa comunica, a ausência de placa comunica. Na informação ou desinformação para a dona Senhorinha estão presentes, de alguma forma, a identidade da instituição, a política e o plano de comunicação do serviço de saúde, a integração da sinalização não como um apêndice, mas como um das partes interdependentes no espaço, lembrando que a parte não define o todo, o Branding não define a Arquitetura e o Marketing não define a saúde. Desenhemos sempre sem ofuscar a informação jamais.

A comunicação visual e a sinalização, por mais brilhantes que sejam, não resolvem fluxos, processos e acessos confusos, falta de lógica no zoneamento de serviços, crescimento não planejado e o gigantismo de algumas instituições. Assim, cai no colo dos “desenhadores” o desafio de fazer entender que a menor distância entre dois pontos é um polígono irregular de não sei quantos lados. A parte não define o todo, o Branding não define a Arquitetura e o Marketing não define a Saúde. Ao menos por enquanto.

Placas eletrônicas, QR Code´s, aplicativos de “GPS”, totens inteligentes, estão chegando para nos guiar dentro de hospitais. Usando meios digitais ou analógicos, a inteligência que precisa ser aplicada no espaço multilógico do hospital é na organização de um sistema de informação que junte todos os elementos humanos, gráficos, eletrônicos, organizacionais e arquitetônicos para não deixar ninguém perdido ou desencontrado.
Vem cá dona Senhorinha, vou levar a senhora até lá!

Com a certeza de que só o desenho não salva, recebi um sorriso de alívio e gratidão que valeu o meu dia.

**Artigo escrito por Henrique Jatene, arquiteto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (InCor)

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