Inteligência artificial contribui para democratizar acesso à saúde e tratar pacientes como consumidores
A revolução digital no setor de saúde está redefinindo o cenário dos cuidados médicos no mundo, proporcionando avanços significativos e enfrentando desafios antigos do setor. Dois estudos recentes do Boston Consulting Group (BCG) – The Future of Digital Health 2024 e Transforming Healthcare: navigating digital health with a value-driven approach, em parceria com o World Economic Forum – destacam as principais transformações e impactos positivos da tecnologia na saúde em 2024 e ao longo dos próximos anos. Os insights indicam que as mudanças em curso estão sendo marcadas pela era da inteligência artificial (IA) e da inteligência artificial generativa (GenAI), que estão possibilitando aprimorar a eficiência, produtividade e acesso à saúde.
A personalização dos cuidados médicos e a promoção da autonomia das pessoas em relação à própria saúde são características preponderantes deste novo cenário da saúde. A pesquisa do BCG aponta que equipamentos vestíveis (wearable) e dispositivos médicos inteligentes para cuidados em casa serão cada vez mais frequentes, especialmente para pacientes com doenças crônicas e em pós-operatório. Empresas de seguros, por sua vez, também aumentarão os incentivos ao uso desses dispositivos, subsidiando sua distribuição para coletar dados de saúde em tempo real.
Os especialistas do BCG atestam que o constante fluxo de informações de dispositivos médicos inteligentes, vai impulsionar a eficácia dos grandes modelos de linguagem (large language models, em inglês, LLMs). LLMs aprimorados estão abrindo caminho para consultas virtuais altamente qualificadas disponíveis 24 horas, 7 dias por semana, gerando sugestões de melhores caminhos de tratamento e prevenção e aliviando a carga administrativa em hospitais, especialmente em um momento sem precedentes de escassez de profissionais. A World Health Organization (WHO) prevê uma falta de até 10 milhões de profissionais de saúde qualificados no mundo todo em 2030.
Outro uso fundamental das novas tecnologias no setor de saúde em 2024 é nas plataformas impulsionadas por IA para oferecer suporte à saúde mental. “Agentes de conversação estão sendo treinados para identificar sinais de depressão ou angústia. Essas ferramentas podem ser integradas a dispositivos diários, como smartphones ou assistentes virtuais, conectando indivíduos a terapeutas humanos quando necessário”, afirma Filipe Mesquita, diretor executivo e sócio do BCG. Além disso, as aplicações em saúde mental devem ser cada vez mais especializadas, como no apoio a pacientes crônicos ou em situações de luto e perda.
Desafios para a transformação digital em saúde
Apesar de todo o potencial que as ferramentas digitais e a IA têm, ainda existem muitos aspectos que precisam ser melhorados para que as aplicações tecnológicas realmente atuem como facilitadoras do setor de saúde. Entre eles estão a equidade social nos cuidados, investimento nos profissionais da área e melhoria no acesso a medicamentos e dispositivos.
Segundo Mesquita, a maioria dos sistemas de saúde ainda têm infraestrutura de tecnologia da informação (TI) fragmentada, incompatível com os padrões de dados, e formas inadequadas de compartilhar essas informações, fazendo com que o segmento fique atrás de muitos outros setores em termos de maturidade digital.
Por essa razão, os relatórios do BCG identificam os principais facilitadores que precisam estar em vigor para acelerar a adoção e impacto das soluções digitais, traçando um caminho a seguir para acelerar a jornada em direção a transformação na saúde.
Enfermarias virtuais e dispositivos em casa empoderam pacientes
Os pacientes estão no centro da transformação digital dos cuidados de saúde, evoluindo de stakeholders passivos para cocriadores ativos, afirmam os estudos do BCG. A telemedicina, por exemplo, irá além de consultas médicas tradicionais para contemplar diagnósticos remotos, análise de sintomas por IA, testes laboratoriais em casa e monitoramento de sinais vitais em tempo real. Tudo isso com o auxílio de dispositivos médicos para serem usados em casa e tecnologias vestíveis. Essa abordagem não só traz autonomia aos pacientes, permitindo-lhes serem ativos em seus cuidados, mas também possibilitando o monitoramento remoto contínuo pelas equipes médicas sem aumentar os custos das empresas de saúde.
Possibilitadas pelos dispositivos vestíveis, o BCG aponta a expansão das enfermarias virtuais como outras tendências, reduzindo a necessidade de visitas hospitalares presenciais. Sua integração ao ecossistema hospitalar deve se tornar cada vez mais prevalente nos próximos anos, algo que já está ocorrendo no Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido. “As enfermarias virtuais têm o potencial de revolucionar o atendimento ao paciente por meio do monitoramento remoto, telemedicina e análise de dados, contribuindo para melhores resultados aos pacientes e para um uso mais eficiente dos recursos dos sistemas de saúde”, analisa Mesquita.
Tecnologia contribui para acesso equitativo à saúde e maior eficiência
Nessa revolução digital, o paciente passa a ser visto como um consumidor e os serviços médicos precisam chegar até ele onde quer que esteja e a baixo custo. O BCG observa que junto à expansão das enfermarias virtuais, IA e digital podem contribuir na otimização de diversos elos da cadeia de saúde, por exemplo na redução dos custos de pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos e na otimização de gastos na fabricação de dispositivos médicos para serem usados em casa, tornando-os mais acessíveis e simples para uso de pessoas comuns. A utilização da IA pelo poder público também é importante na velocidade dos processos para acelerar submissões regulatórias e aprovações, além de diminuir custos de registro de produtos, possibilitando que empresas de saúde cheguem a mais países e populações carentes a um custo menor. Um dado da pesquisa que confirma a necessidade de revisão de recursos é que 20% dos gastos globais com saúde são considerados desperdício, totalizando US$ 1,8 trilhão. Endereçar o problema contribuirá para o acesso mais equitativo aos cuidados de saúde.
Além disso, pacientes agora esperam diagnóstico e tratamento quase instantâneos. “O próximo grande avanço para as empresas de diagnóstico será fornecer resultados de testes laboratoriais em minutos, em vez dos dias que costumam levar atualmente. Esse desenvolvimento terá um impacto significativo na satisfação do paciente, mas exigirá também um avanço de normas e regulações sobre o uso de IA nos fluxos clínicos”, comenta Mesquita.
Além do diagnóstico, deve haver uma escalada no uso de ferramentas digitais de IA e IA generativa para melhoria de eficiência de processos de prestadores de saúde, como faturamento, gestão do ciclo de receita e outras tarefas administrativas manuais, como documentação. Além de redução de custos, essas aplicações permitirão que profissionais de saúde foquem seu tempo em tarefas de maior valor agregado e viabilizarão maior transparência na precificação e aumento de contratos de compartilhamento de risco (value-based).
Saúde da mulher terá destaque em 2024
Nos últimos anos, o BCG identifica casos de sucesso de empresas que aplicaram IA na saúde reprodutiva de mulheres, com startups que começaram a melhorar a taxa de sucesso de fertilizações in vitro, por exemplo. Empresas também já estão reduzindo o tempo de diagnóstico de condições ginecológicas de anos para meses. O BCG prevê que o maior uso de dados e aplicações da IA será uma das principais tendência em saúde da mulher, em especial na saúde reprodutiva. Somente no Reino Unido, por exemplo, mais de 90% das mulheres envolvidas ativamente em sua jornada de fertilidade usam um aplicativo para acompanhar seu ciclo menstrual. “As empresas líderes nesse espaço ainda não oferecem insights clinicamente significativos às usuárias e estão desperdiçando essa abundância de dados disponíveis. Ao longo dos próximos anos, veremos empresas de saúde ajudando as mulheres a gerenciar sintomas, prevendo tendências de longo prazo, otimizando a fertilidade da população e diagnosticando condições ainda mais precocemente”, conclui Mesquita.
Para vencer e continuar expandindo em serviços em saúde feminina, será chave também a busca de parcerias estratégicas entre as empresas de modo a criar uma oferta e experiência integrada, que cubra toda a jornada de saúde da mulher.