ESG, que significa Environmental, Social and Governance, ou em português, ambiental, social e governança, é o tema do momento no mundo corporativo. O termo não é novo. Surgiu em 2004, a partir de uma provocação do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, com a proposta de integrar esses fatores no mercado de capitais. O tema foi ganhando espaço e cresce em ritmo acelerado também no Brasil. Mas, qual a relação disso com a Lei de Cotas?
Quanto ao aspecto ambiental, em práticas como desenvolver embalagens recicláveis, utilizar energias limpas e renováveis ou fazer a destinação correta de resíduos, talvez essa relação seja menos óbvia. Entretanto, quando se fala dos aspectos sociais e de governança, em que entram fatores como responsabilidades perante a comunidade, transparência, compliance, entre outros, a ligação é direta e inequívoca. Como é possível adotar o ESG e discriminar pessoas com deficiência ao mesmo tempo?
No Brasil, por vezes, criamos uma falsa dicotomia que opõe o cumprimento da lei à responsabilidade social, como se fossem coisas distintas. No entanto, não são, pois cumprir a lei é um fator básico de responsabilidade social. É o mínimo de cidadania. Não se pode falar de ESG de forma consistente se nem as leis do país somos capazes de cumprir. Isso seria não apenas contraditório, seria hipocrisia. Ou levamos o conceito a sério ou ele cairá no descrédito.
No dia 24 de julho de 2021 completamos 30 anos da Lei de Cotas, na verdade o artigo 93 da Lei 8.213/91. Em três décadas não conseguimos cumprir o que está previsto na legislação, sendo que temos o tema não apenas na Constituição, mas como Emenda Constitucional, além da Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Na prática, o grande problema é que as barreiras arquitetônicas, comunicacionais, programáticas e, principalmente, atitudinais, entre outras, não foram eliminadas. Ao invés disso, o que ficamos fazendo é tentar alterar a lei, tornando-a mais confortável, mais flexível, como ocorre com o PL 6.159/19, que propõe, entre outras coisas, a possibilidade de as empresas pagarem uma mensalidade ao poder público ao invés de contratar as pessoas, ou até o recentemente apresentado PL 626/21, que pretende dar um prazo de 90 dias para a empresa substituir uma pessoa com deficiência demitida sob a falsa alegação de que “a oferta de vagas é maior do que a quantidade de pessoas habilitadas ou interessadas”.
Vivemos em um país capacitista, que discrimina as pessoas com deficiência e muitas vezes nem se dá conta disso. A Lei de Cotas seria facilmente cumprida se estivéssemos dispostos a receber pessoas com quaisquer tipos de deficiência, e não as supostamente mais leves, se houvesse acessibilidade, se houvesse disponibilidade, se houvesse interesse. Mudar a lei é um atestado de nossa incompetência, de nossa frágil democracia, de nosso frágil engajamento na construção de uma sociedade mais justa, que finalmente reconheça e respeite a diversidade humana e os direitos dos cidadãos. Quem sabe o ESG consiga verdadeiramente nos ajudar a despertar a nossa consciência socioambiental. Sem ela, essa sigla continuará representando três palavras vazias.
** Artigo escrito por Flavio Gonzalez, executivo de Negócios Sociais no Instituto Jô Clemente, antiga Apae de São Paulo.