Estudo da Fiocruz revela como dados de mobilidade podem auxiliar a prevenir pandemias

A rápida disseminação de novos patógenos, como observado nas pandemias da Covid-19 e H1N1, é facilitada pelas milhares de conexões entre cidades, estados e países. Um novo estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), publicado na The Lancet Digital Healthtraz evidências inovadoras que podem aumentar significativamente a precisão da vigilância epidemiológica para evitar futuras emergências de saúde pública.

“Quão rápidos seríamos para detectar um novo patógeno?”. Quem questiona é Juliane Oliveira, pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e líder da pesquisa. “O resultado mais importante do estudo foi a classificação do padrão da cobertura de mobilidade humana das cidades brasileiras”, destaca. Utilizando um modelo computacional baseado em dados de transporte rodoviário, hidroviário e aéreo, a pesquisa catalogou as conexões entre os 5.570 municípios brasileiros, classificando-os entre o padrão de cobertura mínima e máxima de mobilidade.

Liderado pelo Cidacs/Fiocruz Bahia e pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudo faz parte da iniciativa do Sistema de Alerta Antecipado de Surtos com Potencial Pandêmico (ÆSOP). O projeto é feito em parceria direta com o Ministério da Saúde e envolve outras instituições nacionais e internacionais, com financiamento da Fundação Rockefeller.

A pesquisa é pioneira ao usar dados de mobilidade humana em um país continental como o Brasil para identificar os locais mais estratégicos para redes de coleta de amostras para identificação e análise genética de patógenos respiratórios. No Brasil, essa responsabilidade cabe à Rede Sentinela, uma estratégia coordenada pelo Ministério da Saúde para monitorar e entender a propagação de patógenos e suas variantes. “Ao incorporar um padrão de mobilidade humana, será possível antecipar a detecção de patógenos, com o intuito de frear sua disseminação antes que atinja o potencial pandêmico”, afirma Juliane.

A Rede Sentinela para vigilância de síndrome gripal atualmente tem 310 unidades de coleta em 199 municípios, cobrindo cerca de 52% da mobilidade do país. O estudo demonstrou que uma redistribuição estratégica dessas unidades aumentará a cobertura para 70%, sem aumentar o número total de pontos, priorizando cidades que contribuirão para a detecção antecipada da doença em sua fase inicial de disseminação. “Redistribuindo os municípios, encontramos locais melhores para detecção precoce”, observa Juliane, indicando um ganho de aproximadamente 18% na cobertura nacional.

De acordo com Juliane, é possível conseguir resultados ainda mais precisos do que os mostrados até agora: “As bases de dados de transportes rodoviários e hidroviários costumam ser menos atualizadas em comparação com os dados aéreos. As últimas atualizações dessas bases são de 2016, por exemplo. Se tivermos dados ainda mais recentes, os resultados podem fornecer suporte estratégico e mais preciso”, explica.

 

Fiocruz
O mapa mostra as comparações entre os locais atuais (em amarelo) das redes sentinela e a redistribuição sugerida. Os pontos em vermelho são locais existentes de coleta de amostras que convergem com os locais estratégicos orientados pela classificação da cobertura de mobilidade humana. Em azul estão as sugestões de redistribuição

Impacto 

Essa redistribuição estratégica pode ter um impacto significativo na vida das pessoas e dos profissionais de saúde. Com a detecção mais rápida de antigos ou novos patógenos, os gestores de saúde pública poderão tomar medidas preventivas mais eficazes, o que pode reduzir a propagação de doenças e potencialmente salvar inúmeras vidas. Essa antecipação pode auxiliar na alocação de recursos e propagação de informações mais rapidamente. Isso vai permitir uma resposta mais ágil e eficaz a surtos emergentes.

Para Juliane, as cidades com maior população não são necessariamente as melhores para detecção antecipada, pois patógenos tendem a se espalhar pelas rotas de conexão antes de atingir grandes centros populacionais. “Devemos quebrar a ideia de que as redes de coleta devem estar apenas nas cidades mais populosas, pois um novo patógeno pode surgir em qualquer local do país, até em uma cidade isolada, percorrendo assim uma rota antes de chegar a essas áreas populosas, onde haverá uma explosão de casos”, conclui.

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