Full Disclousure, a teoria para dirimir erros na prática da Medicina

Full Disclousure, a teoria para dirimir erros na prática da Medicina

 

As empresas hospitalares enfrentam o desafio de realizar sua gestão de risco perpassando sempre entre a linha tênue da transparência de seus serviços e da imagem social que devem ter para vender estes serviços, pois cair no descrédito após algum evento adverso é um fato seguramente temido, principalmente na atual era da Internet.

A teoria do Full Disclousure propõe a completa abertura de informações relativas a ocorrências e intercorrências vivenciadas nas empresas hospitalares, pela qual se tenta primordialmente diagnosticar a causa do erro e evitar que ela volte a ocorrer, primando pelo aperfeiçoamento do serviço acima de qualquer outra coisa.

Contudo, lidar com o erro, especialmente quando se trata de erro médico, ainda não é tarefa das mais fáceis, nem para os empresários do ramo nem para os consumidores, vítimas ou familiares. Um exemplo de empresa que refuta totalmente esta teoria é a gigante Apple, que não divulga seus erros, apenas as soluções.

O grande setor que aplica o Full Disclousure com maestria e tem importantes resultados desta cultura de segurança é o setor da aviação. Fácil observar que quando ocorre um acidente aéreo, as buscas iniciais já se direcionam para encontrar a famigerada caixa preta. Isso porque todo o setor quer saber:  o que deu errado?

Na saúde, claro, pela própria natureza delicada da relação que se firma entre médicos e pacientes, pois estes já se encontram em situações dramáticas, eivadas de emoção e de expectativas para além do mero consumo, o enfrentamento da transparência precisa de um olhar diferenciado também por parte de todos, não adiantando simplesmente encontrar culpados para dirimir dor ou dividir perdas: o foco deve ser encontrar a real causa que originou o evento adverso simplesmente para que ele nunca mais volte a se repetir.

O problema é que o passivo judicial eventualmente oriundo desta postura de transparência pode ser fatal e resultar em uma sucumbência absurda, já que não é novidade que a sistemática processualista não torna a dinâmica processual algo tão equilibrado e isonômico às partes, vez que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ficam à deriva quando da constatação de qualquer dano ao consumidor, ainda que não relacionado diretamente à causa de pedir inserta na ação, tudo sob o manto da responsabilidade objetiva que norteia as relações de consumo.

Por outro lado, a qualidade do serviço é imperativa e avançar é preciso. O que fazer, então? Investir em protocolos de segurança, através dos escritórios de qualidade hospitalar para fazer a gestão de riscos.

Os protocolos de segurança na área da saúde envolvem diversos players que geralmente não são observados (como zelador, farmácia, nutrição etc.) e, por isso, precisam de total atenção em todos os seus fluxos e, claro, investimento financeiro – o que sabemos não ser nada módico. O desafio aqui é priorizar a cultura da segurança em meio a uma cultura de modestas economias e de punição já tão arraigadas.

80% dos players não são médicos ou profissionais da enfermagem, mas sim todos os outros agentes envolvidos na assistência. Portanto, é essencial que haja a análise de riscos (probabilidade de eventos adversos e consequentes danos) em todas as searas hospitalares, mas sempre sob a perspectiva da correção para melhorar, não para punir.

A realidade demonstra que os profissionais que cometem erro na área da saúde são execrados como se não fossem seres humanos, como se agissem com dolo sistemático de prejudicar o paciente, quando a verdade é que um erro, quando existe realmente, sempre advém de uma falha nos protocolos de segurança, assim como pode ocorrer em qualquer atividade.

No entanto, por ser o resultado de um erro na Medicina sempre dramático e de alto risco, a tolerância para com esses profissionais praticamente não existe.

Essa cultura de culpabilização se revela como um grave empecilho para um trabalho preventivo e para correções mais rápidas e seguras, o que consequentemente gera uma reação de adversidade em cadeia em todos os agentes envolvidos: desde os profissionais assistentes até o paciente e seus familiares, nascendo processo judicial exatamente nesta fase de irritação.

Obviamente que existem, sim, aqueles profissionais que pensam ser melhor e mais seguro (para eles) anotar e falar o mínimo possível sobre os atos médicos praticados, acreditando que assim não se comprometem com uma eventual discussão sobre os procedimentos adotados na condução de algum caso. Ledo engano.

Em uma análise dos casos que culminam em ações judiciais, percebemos que o paciente e seus familiares entendem a ocorrência do evento adverso, o que eles não aceitam é o sentimento de descaso e abandono.

A teoria do Full Disclousure defende que o apoio à família através das divulgações de informações completas das falhas e dos danos é imprescindível para evitar passivos judiciais, porque se sentem amparados e conseguem perceber o compromisso dos profissionais para curar o paciente.

O Ministério da Saúde já tem demonstrado tímida simpatia pelo Full Disclousure (por enquanto, apenas para pagamento), mas o que já representa o início de uma nova era na saúde, uma era que a mudança necessária existe para que os hospitais possam ser organizações capazes de expandir os resultados que desejam.

 

*artigo escrito por Camilla Goes Barbosa, Advogada sócia e coordenadora jurídica da Área Hospitalar do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados – Lex Net Fortaleza. Especialista em Direito Médico. Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Assessora jurídica de hospitais da rede privada, clínicas de imagem, laboratórios, cooperativa de médicos e empresas do terceiro setor na área da saúde pública.

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