O intuito é avaliar um novo dispositivo redirecionador de fluxo sanguíneo e diminuir os efeitos adversos causados pelos medicamentos
Um aneurisma cerebral é uma dilatação anormal, em formato de bolha, de uma artéria no cérebro, causado por uma fraqueza na parede do vaso. Segundo professor Daniel Giansante Abud, do Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia (RIO) da FMRP e coordenador do serviço de Neurorradiologia Terapêutica e Radiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FMRP) da USP, essa bolha formada pode crescer ao longo do tempo e, eventualmente, se romper, levando a uma hemorragia cerebral, um evento grave que apenas um terço dos pacientes sobrevive sem sequelas.
Há poucas décadas, os pacientes só descobriam o aneurisma cerebral na fase aguda, ou seja, quando ele se rompia e se tornava um caso de emergência. Com o avanço das técnicas diagnósticas por imagens de alta resolução é possível visualizar a presença do problema precocemente, permitindo que o médico acompanhe a evolução do aneurisma e tome as melhores decisões em cada caso para evitar complicações.
De cirurgias invasivas a métodos tecnológicos
Abud conta que pacientes que precisavam de um tratamento para os aneurismas cerebrais no passado, tinham que passar por uma cirurgia muito invasiva. No procedimento era feita uma abertura no crânio para poder acessar o aneurisma e inserir um grampo que cessava o fluxo sanguíneo para dentro da bolha.
Com o avanço da medicina, os tratamentos passaram a ser menos invasivos passando para o método endovascular, que foi consolidado como uma alternativa eficaz à cirurgia aberta. Esta técnica envolve o uso de cateteres para acessar o aneurisma através da rede vascular, permitindo o tratamento direto da lesão. A embolização — procedimento cirúrgico para bloquear o fluxo sanguíneo — com molas (coils) foi uma das primeiras técnicas desenvolvidas, na qual espirais metálicas são inseridas dentro do aneurisma, induzindo a formação de um coágulo que o isola do fluxo sanguíneo.
Conforme a tecnologia foi evoluindo surgiram dispositivos mais sofisticados, como os stents diversores de fluxo, os quais são colocados no vaso principal, afetado pelo aneurisma, para redirecionar o fluxo sanguíneo, promovendo a trombose do aneurisma, com a formação de um coágulo que bloqueia o fluxo sanguíneo de forma gradual e segura, sem a necessidade de preenchê-lo diretamente.
Porém, os pacientes tratados com estes dispositivos precisam de um tratamento rigoroso com medicamentos de antiagregação plaquetária devido ao risco de trombose associada ao dispositivo. A terapia, iniciada antes do procedimento e mantida posteriormente, envolve geralmente o uso da associação de dois medicamentos durante alguns meses.
No entanto, no Brasil, esse tipo de tratamento é apenas parcialmente coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Embora o SUS ofereça cobertura para técnicas como a embolização com molas, ele não inclui as tecnologias mais recentes e avançadas, como os stents diversores de fluxo, que possuem um alto custo.
A novidade no tratamento de aneurismas
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP começa nesta semana uma nova era no uso desses moduladores de fluxo. “A inovação está na utilização de um material diferenciado na composição da malha desses neurostents, em comparação aos outros disponíveis no mercado, o que pode permitir que os pacientes precisem tomar menos medicação e por um período mais curto”, segundo Abud.
A nova tecnologia, diz o professor, pretende reduzir o uso e os efeitos colaterais de medicamentos após o procedimento e aprimorar a maneira como a condição é tratada, beneficiando os pacientes e tornando o procedimento mais seguro. Nessa parte clínica do uso dos novos neurostents serão tratados 100 pacientes com aneurismas cerebrais complexos.
O professor diz, ainda, que o Hospital das Clínicas da FMRP-USP será a primeira instituição do mundo a utilizar esse tipo de modulador, denominado DERIVO® 2heal® da empresa alemã Acandis, com esse novo protocolo reduzido de antiagregação plaquetária.
“Essa tecnologia de neurostents é bastante recente e começou a ser adotada em alguns países da Europa. No entanto, ela ainda segue protocolos tradicionais, que exigem dos pacientes uma dupla antiagregação plaquetária por cerca de um ano.”
Menos efeitos adversos
Os redirecionadores de fluxo de nova geração permitirão que os pesquisadores avaliem se esse dispositivo consegue bloquear completamente os aneurismas em um período que pode ser de um, seis e 12 meses após o tratamento.
A dupla antiagregação plaquetária, essencial para prevenir a formação de coágulos após o implante dos diversores de fluxo, tem seus riscos. O uso prolongado desses medicamentos pode aumentar significativamente o risco de complicações hemorrágicas, como sangramentos gastrointestinais ou intracranianos. Além disso, há a possibilidade de complicações isquêmicas, especialmente se houver uma interrupção precoce ou inadequada da terapia.
O professor explica que para este projeto, serão utilizados dois antiagregantes plaquetários em programas isolados. Um grupo usando um fármaco mais potente, o prasugrel, e outro com a aspirina, ambos em doses reduzidas, para testar a eficácia de cada programa nos períodos de seis meses e um ano. “Esperamos que doses reduzidas dos medicamentos possam diminuir os efeitos adversos, proporcionando uma maior segurança aos pacientes sem comprometer a eficácia do tratamento” afirma o professor.
Segundo Abud, esse trabalho abrirá caminho para uma linha de pesquisa específica, gerando diversas oportunidades de orientação em programas de pós-graduação e iniciação científica relacionadas ao tema.
A disponibilização de 100 stents diversores de fluxo para o tratamento de aneurismas cerebrais, que não são cobertos pelo SUS, sem nenhum custo para a instituição, representa um impacto econômico significativo. Essa medida alivia o orçamento da instituição ao evitar gastos substanciais que seriam necessários para a aquisição desses dispositivos de alta tecnologia, permitindo que recursos sejam direcionados para outras áreas essenciais. Além disso, facilita o acesso dos pacientes a tratamentos avançados, que, de outra forma, poderiam ser financeiramente inviáveis.
Fatores de riscos para aneurismas
Os principais fatores que corroboram para a formação de um aneurisma, segundo o professor, são: a pressão alta (hipertensão), o tabagismo e fatores genéticos. “Nós não nascemos com um aneurisma, ele surge devido um processo degenerativo, sendo mais frequente em mulheres e em pessoas com histórico familiar, com um pico de incidência entre os 40 e 60 anos, afetando cerca de 3 a 5% da população”, afirma Abud.
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