“A impagável indústria da saúde brasileira”, por Ricardo Brito, CMO da Bioscience Medical

A oportunidade de viver fora do Brasil e manter relações comerciais e produtivas com nosso país, me permitiu analisar criticamente os desafios de empreender no Brasil e compará-los com outros países. Considerado um dos países com maior custo de vida do mundo, a Suíça não atrai pessoas que buscam redução de custo e aumento da lucratividade, mas estou constantemente surpreendendo nossos parceiros locais quando apresento uma comparação de custo de produção entre os dois países. Excessivamente caro: estou falando do Brasil. Na análise de custo, os pesos invisíveis do nosso país ficam evidentes e impactam na viabilidade das indústrias locais: o Brasil carrega um custo empresarial 30% mais alto do que o resto do mundo. Isso acontece devido ao excesso de tributos; oscilação do câmbio, juros e spreads; encargos trabalhistas; infraestrutura deficiente; logística altamente complexa; regulação excessiva; insegurança jurídica e educação de baixa qualidade, e consequentemente mão de obra pouco especializada.

O custo Brasil foi um termo criado em 1995 pela CNI (confederação Nacional da Indústria) e é amplamente discutido no trade da saúde, pois demonstra que graças a ele, há 27 anos estamos perdendo mercado (inter)nacional. Segundo o Banco Mundial, o índice que compara as 190 economias mundiais e a capacidade das nações de fazer negócios, nos coloca na 124º classificação, materializando a dificuldade que todos os empresários brasileiros vivem no seu dia-a-dia de empreendedorismo.

A realidade é que a indústria nacional vive de pequenas vitórias, e ano após ano, desperdiçamos nosso potencial. No setor de medical devices, por exemplo, trabalhamos com uma balança comercial negativa, com importações somando US$ 5 Bi, contra US$1Bi do volume de materiais exportados. O Brasil importa 80% dos produtos industrializados de 15 países diferentes, que, juntos, correspondem por 75% do PIB mundial; indicador que demonstra a alta demanda e a importância do Brasil no contexto internacional. De acordo com o ranking mundial desenvolvido pelo MDIC (Ministério do desenvolvimento da indústria e comércio exterior) que classifica os países de acordo com seu volume de importação, o Brasil ocupa o 29º lugar. Suas maiores relações comerciais de importação são: China com 21%, EUA com 18%, Alemanha com 6%, Argentina com 6%, Coreia com 3% e os demais 46% distribuídos entre: Japão, França, Itália, México, Índia, Espanha, Inglaterra e a Suíça. Ainda que inverter esse quadro dependa apenas de reformas das regras de importação e exportação; essa ação envolve muitas questões políticas.

Quando olhamos a carga tributária de países como: China, EUA, Canadá, Japão, índia, México, Inglaterra, Espanha, Suíça, Chile e Argentina constatamos a triste realidade de que somos o país com a maior cobrança tributária de todos. A tributação dos lucros no Brasil, por exemplo, é a soma da mesma tributação da Alemanha, França e Itália. A título de comparação, a Suíça tributa os lucros das empresas entre 17% e 19%, a média dos países citados acima é de 27%, e o Brasil tributa o lucro das empresas em 35%.

Não há mais tempo! Como é possível ser competitivo em um país onde, além de todos os altíssimos custos diretos e indiretos de produção, despesas fixas e variáveis, ainda temos que absorver custos fiscais e tributárias que alcançam 35%? As empresas brasileiras pagam 1,5 trilhão de reais a mais por ano para realizarem seus negócios quando comparadas com empresas dos países integrantes da OCDE (Organização Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Segundo a OCDE os países desenvolvidos precisam de 158,9 horas de trabalho para pagar o tributo dos seus lucros. No Brasil, uma empresa precisa de 1.501 horas para cumprir com a mesma carga tributária; recorde mundial. Somado a isso, temos os custos burocráticos para elaboração de cálculos e relatórios tributários de R$ 25 bilhões.

O frágil sistema financeiro do Brasil, que carrega uma das maiores taxas média de juros dos países industrializados, dificulta ainda mais a nossa busca por competitividade no mercado mundial. Enquanto esses mesmos países sustentam uma taxa média de juros de 0.2%, o Brasil se posiciona no mercado financeiro com uma taxa 20 vezes maior. Os custos financeiros acompanham o mesmo cenário: nossos spreads bancários, por exemplo, são dez vezes mais caros do que os demais países industrializados. Poderíamos acrescentar nessa triste constatação da realidade que vivemos, questões controversas ao desenvolvimento relacionadas a política cambial, ambiente de negócios, custos de internacionalização e tributos sobre as vendas.

Mundialmente conhecido como um país rico em recursos naturais, o Brasil não faz uso dessa vantagem competitiva para desenvolver sua economia. Quando analisamos o custo de produção do país relacionado a matéria-prima e recursos, nosso produto final, ainda assim, é mais caro do que diversos outros países dependentes de recursos externos.

E a logística acompanha a mesma verdade. Devido a uma infraestrutura deficiente, a dificuldade de distribuição logística nesse país continental, encarece e aumenta o ciclo produtivo dos produtos brasileiros. Cerca de 60% do escoamento de produtos é realizado por transporte rodoviário, um dos meios mais caros e morosos de transporte de cargas. Com pouca rede ferroviária e estrutura aeroportuária, apenas 20% das cargas são transportadas por trens e 16% por meios aéreos. Mesmo traçado por uma ampla rede hidroviária, o transporte aquaviários representam apenas 4% da logística do país, pela ausência de hidrovias.

O cenário das nossas indústrias não é animador. Problemas de segurança e excesso de burocracia, aumentam também o custo indireto das unidades produtoras. A indústria brasileira, além de todas as contas de base para a manutenção do negócio, ainda absorve custos altíssimos com, por exemplo: segurança patrimonial e pessoal, contadores e serviços fiscais complexos, e serviços advocatícios para mitigar possíveis inseguranças jurídicas. Naturalmente, esses custos adicionais refletem no preço final do produto brasileiro. Uma das consequências deste cenário é o afastamento dos investidores. Quanto menos investidores no país, menos recurso disponível para investimento. As linhas de crédito dos bancos são, na maioria das vezes, inviáveis, graças ao juros abusivos e excesso de garantias. As linhas de crédito do governo, mesmo atrativas — no cenário atual — são inalcançáveis pela grande maioria das empresas, que não conseguem atender as inúmeras regras e exigências impostas para o pleito.

As associações setoriais ligadas ao mercado de dispositivos médicos, como: Abraidi, Abimo e Abimed, por exemplo, mesmo com um trabalho sério e competente desenvolvido por representantes do setor com vasta experiência e capacidade, tem tido dificuldade para obter realizações concretas e significativas. O MBC (Movimento Brasil Competitivo), uma organização da sociedade civil, apartidária e patrocinada por grandes empresas nacionais, também tem trabalhado junto ao governo para reduzir o custo Brasil, propondo diversas medidas interessantes, e entre elas a reforma tributária para eliminar impostos cumulativos nas esferas federais, estaduais e municipais. E, porque essa realidade ainda não mudou? O que está faltando? Na minha opinião, nessa situação não haverá mudanças sem alinhamento de todas as partes envolvidas, e é questionável até que ponto os tomadores de decisão do nosso país estão comprometidos com situação das indústrias do Brasil.

Se de um lado, na indústria, temos o custo, do outro, temos o preço. Sabedores de que custo não determina o preço de venda, precisamos nos atentar ao mercado de saúde brasileiro. O gasto mundial com saúde, segundo o IHME (Institute for Health Metrics and Evaluation), é de US$8 trilhões por ano e deve dobrar nos 30 próximos anos. No Brasil, o maior pagador desse mercado trilionária é o próprio governo, através do Sistema Único de saúde — o SUS. Quando voltamos o nosso olhar para essa questão, encontramos mais um agravante para a difícil situação das indústrias de produtos médicos. Com preços de serviços e produtos tabelados e sem reajuste (pasmem) há mais de 15 anos, o SUS contribui para a decadência da indústria nacional, obrigando-as a operar com baixíssimas margens de contribuição. A consequência não poderia ser pior para o país: faltam recursos para reinvestimento, pesquisa e inovação. A desatualização da indústria nacional abre espaço para que outros países, mais competitivos que o nosso, deleitem-se no nosso mercado.

É ainda mais decepcionante quando entendemos que os gastos com saúde pública no Brasil, se bem geridos, poderiam ser 30% menores. Anualmente, o país deixaria de gastar bilhões de reais, desperdiçados devido sua ineficiência na gestão de pessoas e recursos. Dinheiro que poderia ser reinvestidos para melhorar a qualidade dos atendimentos, produtos e serviços do sistema.

A pandemia agravou nosso sistema de saúde. A Covid-19 mostrou a todos nós brasileiros a fragilidade do nosso serviço de saúde e a deficiência do serviço público para o atendimento da demanda em tempos de crise. A falta de uma política regulatória ágil e eficaz, e de uma visão sistêmica e integrada com as indústrias, impede a entrega de um serviço competente. Quantas mais vidas precisam ser perdidas para serem tomadas as providencias necessárias?

O Brasil tem um enorme potencial para encontrar o caminho da prosperidade no segmento de saúde. É preciso de força e vontade política para lidar com as questões fundamentais: como entregar serviços e produtos de saúde de qualidade, inovadores e eficientes? Temos que resgatar urgentemente nossa capacidade de competir no mercado mundial.

A retomada do crescimento do Brasil passa imediatamente pela revisão de custos, sejam eles de ordem tributária, financeira, administrativa, operacional, logística, infraestrutura e jurídica, todos os fatores geradores do absurdo “custo Brasil”. Precisamos da aprovação dessas medidas. Se não houver reformas, tanto no setor público quanto no privado, o setor industrial continuará apresentando um resultado de desaceleração, já marcado por 1,6% ao ano nos últimos 10 anos. Somente através do engajamento do governo, congresso, indústria e sociedade, conseguiremos colocar o Brasil em uma posição competitiva. De acordo com o IMD (Instituto Internacional de Desenvolvimento Gerencial da Suíça) que compara a competitividade de 63 países, o Brasil ocupa a 59º posição, ficando a frente apenas da Argentina, Africa do Sul, Mongólia e Venezuela. Essa lista, é liderada pela Dinamarca, Suíça, Singapura, Suécia, Hong Kong, Holanda, Taiwan, Finlândia, Noruega e EUA.

Nos últimos 30 anos não houve interesse governamental para tratar das reformas. A PEC110 e a PEC 45, ambas de 2019, que extinguem diversos impostos como o PIS (Programa de Integração Social ), o COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)e o ISS (Imposto Sobre Serviços), não receberam a atenção necessária para implantação. É preciso ampliar a discussão, hoje concentrada em formas de desonerar a folha de pagamento e de isenção temporária de impostos, para uma proposta séria de estruturação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) na mesma linha do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a forma de tributação mais adotada no mundo e consagradamente eficaz.

A adoção do IVA como imposto único, trará ao Brasil uma nova oportunidade. Além de ativar a economia pela redução da carga tributária, essa nova forma de imposto pareará o Brasil com as melhores praticas internacionais, diminuindo a burocracia, reduzindo os custos, aumentando a eficiência de gestão e consequentemente, a competitividade das indústrias brasileiras nos mercados internacionais.

O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) prevê que o PIB, no período de um ano, cresceria 5,42%, caso a implantação fosse imediata, sem o tempo de adaptação previsto no texto atual, que varia de 5 a 10 anos.

Fortalecido pela nossa alta capacidade de fazer, além da reforma tributária, outros fatores podem contribuir para a inserção do Brasil no mercado internacional, como a melhoria da infraestrutura, a revisão dos fatores burocráticos e marcos legais. Apenas a redução da insegurança jurídica, segundo o Boston Consulting Group pode reduzir R$ 200 Bilhões por ano de custo para as empresas. Investimentos na infraestrutura digital, ampliando o acesso a tecnologias IOT, Big Datas, 5G, ferramentas de gestão — ERP, em conjunto com um programa que priorize as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, podem diminuir a distância entre o Brasil e os principais players do segmento.

Como representantes da indústria nacional, nossa busca é incansável. Lutamos todos os dias para tornar o Brasil competitivo no cenário mundial, com empresas com condições de gerar desenvolvimento e riqueza. Precisamos devolver as Indústrias o poder de criar empregos e renda para o povo brasileiro, coroando a competência e vocação da nossa nação.

Veja mais posts relacionados

Próximo Post

Healthcare Management – Edição 92

Healthcare - Edição 92

Healthcare - Edição 92

COLUNISTAS