Novas tecnologias contribuem para uma saúde mais personalizada e acolhedora
Qual é a missão do profissional de saúde? Talvez a primeira resposta que lhe vem à mente, leitor(a), seja algo como “diagnosticar e tratar doenças”. Embora seja verdade, trata-se de uma resposta incompleta.
Tratar enfermidades não é fim, mas meio. O real objetivo de médicos, enfermeiros e demais colegas da área da saúde é a promoção do bem-estar e da qualidade de vida.
Daí a importância de divulgar e defender a noção de “saúde humanizada”, sobretudo quando falamos do nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Humanizar a saúde significa, em primeiro lugar, enxergar o paciente não como o portador de uma doença a ser curada ou atenuada, mas como um ser-humano complexo, com autonomia, preferências, com história, cultura e origem social, com necessidades afetivas.
Significa também tornar a relação médico-paciente mais horizontal, na medida em que este participa ativamente da tomada de decisão sobre quais fármacos, terapias e abordagens irão fazer parte de seu tratamento, dentre as opções oferecidas pelo especialista, com plena consciência dos riscos e benefícios inerentes a cada escolha.
Por fim, humanizar a saúde passa pela reformulação dos espaços hospitalares, não raro construídos com base em uma concepção ultrapassada, mais rígida e “fria”, da relação entre equipe médica e paciente.
As instituições de saúde precisam estar preparadas para verdadeiramente acolher o seu público.
Importante frisar que esse processo depende de uma maior valorização dos profissionais de saúde, em especial daqueles que atuam “na ponta”, em contato direto com os pacientes.
Afinal, não é razoável supor que uma equipe sobrecarregada, mal remunerada e com escassez de insumos possa oferecer um tratamento humanizado pleno.
Felizmente, há uma série de inovações tecnológicas que estão viabilizando alternativas mais práticas, eficientes e baratas para a promoção da saúde humanizada.
A Deloitte publicou um relatório chamado Forces of change (“forças da mudança”, em português), apontando as principais tendências para a saúde nas próximas décadas.
O documento destaca sobretudo a importância da Big Data Analytics, da Internet das Coisas (IoT) e da Inteligência Artificial (IA) para a área, com o uso intensivo de dados para traçar perfis cada vez mais completos e, com isso, permitir atendimentos mais assertivos.
Isso confirma algo que nós, profissionais da área, sabemos há muito tempo: uma saúde mais humanizada é muitas vezes sinônimo de saúde personalizada.
É imprescindível ter informações completas de cada paciente, tanto de seu histórico pessoal quanto de seu contexto socioeconômico, para melhorar a qualidade de seu atendimento.
Novas ferramentas digitais permitem cruzar diferentes fontes e bancos de dados, escrutinar volumes imensos de informação e identificar tendências antes invisíveis. Isso se converte em tratamentos mais individualizados e na detecção de doenças com muito mais antecedência.
O estudo da Deloitte aponta ainda outras tendências, como o uso cada vez mais corriqueiro de aparelhos remotos de medição, daqueles que o paciente pode utilizar em casa.
Alguns deles já são parte do nosso dia-a-dia, como medidores portáteis de pressão ou de glicose. Mas há uma infinidade de novos bio-sensores digitais em fase de teste ou já chegando ao mercado, os quais, concatenados ao avanço da telemedicina, permitirão monitorar em tempo real diversas funções corporais e, com isso, detectar sinais prematuros de várias doenças.
O estudo da Deloitte arrisca dizer que, na década de 2040, doenças como câncer e diabetes poderão ser praticamente erradicadas, como hoje é o caso da poliomielite.
Isso é particularmente animador quando pensamos no SUS, já que a implementação desses dispositivos remotos é relativamente barata e não exige uma ampliação súbita da infraestrutura hospitalar.
Abre-se a possibilidade concreta de que o sistema público brasileiro possa corrigir um de seus principais defeitos, a saber, a dificuldade em oferecer acompanhamento médico constante, “de perto”, com exames e consultas regulares e com ações de saúde preventiva.
Há quem afirme que a tecnologia digital contribui para tornar as relações interpessoais mais frias e distantes, mas, como se nota, isso não é necessariamente verdade.
Ao menos na área da saúde, a revolução tecnológica das últimas décadas tem criado meios para tornar o atendimento bem mais humanizado, com a elaboração de perfis muito mais completos de cada paciente, a partir dos quais o profissional da área pode modular seus diagnósticos e recomendações terapêuticas, e com a possibilidade de antever enfermidades com muito mais precisão e antecedência, inclusive no sistema público.
São essas ferramentas que nos irão auxiliar no cumprimento da missão de produzir qualidade de vida para cada paciente.
Médico, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).