Muitas propostas e ações que miram uma saúde sustentável passam pelo caminho da Telemedicina, uma vez que com ela é possível, por exemplo, ampliar o acesso dos serviços e reduzir custos. A transformação da saúde, através da inovação digital, pode melhorias em frentes como Eficácia Clínica, Economicidade e Acesso. É com esse olhar que Joel Formiga, coordenador de Inovação Digital da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, vem trabalhando a sua gestão.
Em entrevista à Healthcare Management, Formiga fala sobre os novos apps que o governo do estado vem investindo a fim de otimizar o atendimento do paciente, como o “Multi Saúde”, programa Tele Dermatologia, uma mistura de tele diagnóstico com tele consultoria.
O coordenador confessa que seu maior sonho é terminar sua gestão deixando o História Clínica Digital implementado em 80% no Estado. O projeto consiste em consolidar os dados clínicos já existentes em formato digital, o chamado “Rastro Digital”, normalizá-los em terminologia e apresentá-los ao próximo encontro assistencial (consulta, internação ou emergência) de maneira estruturada. “É um projeto bastante ambicioso e de grande impacto, resolvendo a grave descontinuidade assistencial existente hoje, que é um dos principais fatores de ineficiência da saúde pública (e quem sabe se não da saúde privada também).”
Formiga também é enfático ao responder qual é o maior desafio para a transformação digital na saúde pública. “Vontade política.” Para ele, empoderar o paciente assusta gestores e políticos e, para que a Saúde 4.0 se torne realidade, há a necessidade de ter “uma equipe engajada na transformação não apenas de TI, mas de todo o corpo clínico e administrativo.”
1.Como a sua gestão vem trabalhando a Telemedicina no Estado de São Paulo?
Nesta gestão, sob a logomarca “Multi Saúde”, já lançamos o programa Tele Dermatologia, uma mistura de tele diagnóstico com tele consultoria, em que um paciente tem sua lesão fotografada pelo médico de saúde da família em um aplicativo especializado e a foto é enviada a um dermatologista, que faz um diagnóstico remotamente e encaminha uma sugestão terapêutica ao médico solicitante. Se for o caso, o paciente é encaminhado para biopsia pelo próprio tele dermatologista. Este app está presente em 19 municípios na região de Catanduva e seis municípios ao redor de Santa Fé do Sul. Em breve, expandiremos para todo o Estado.
2. Há também outras ações que o governo estadual tem investido no que se refere ao ramo da Telemedicina?
Sim! Estamos preparando um serviço de tele consultoria de especialidades médicas, visando aumentar a resolutividade da atenção básica através do apoio remoto de médicos especialistas aos médicos de saúde da família. Por fim, mas não menos importante, estamos considerando a possibilidade de lançar um serviço de tele consulta de especialidade, médico-paciente, para dar solução aos vazios assistenciais do Estado. Isso será muito melhor comparado ao transporte sanitário de centenas de km por van que, na prática, leva a um absenteísmo muito alto, desperdiçando recursos valiosos e deixando pacientes sem o atendimento de que precisam.
3. Acredita que todas essas ações são possíveis de serem aplicáveis em outros diferentes estados do país, com poder econômico muito inferior ao estado paulista?
É exatamente na escassez que a telemedicina se faz cada vez mais relevante. Até mesmo por isso eu acredito que é na saúde pública, antes que na privada, que teremos os maiores avanços e os mais importantes impactos do uso da telemedicina.
4. De que forma você avalia a atuação de Conselhos como o CFM (Conselho Federal de Medicina) e profissionais/hospitais quando se trata de Telemedicina?
Não conheço os bastidores do CFM o suficiente para opinar. Sei que esse ano tentaram lançar uma regulação que seria um avanço, mas que ainda ficava aquém do que precisamos para fazer um uso eficaz da telemedicina no estado, e muito aquém do que fazem os países mais avançados e mesmo alguns dos que se encontram no mesmo nível de desenvolvimento que o Brasil. E mesmo essa regulação foi cancelada por oposição de um grupo de médicos. O CFM existe e tem um importante mandato oficial voltado para a defesa dos interesses dos pacientes e da qualidade dos serviços de saúde. Não deveria ser usado como uma entidade de classe dedicada a defender os interesses, ainda que legítimos, de uma categoria profissional.
5. Em sua palestra no Fórum Healthcare Business, você citou o Projeto HCD (História Clínica Digital). Explique sobre este projeto.
Trata-se de um projeto que está em fase avançada de detalhamento técnico e de arranjo institucional, a ponto de partirmos para a fase definitiva de contratação e, depois, desenvolvimento e implementação. O projeto consiste em consolidar os dados clínicos já existentes em formato digital, o chamado “Rastro Digital”, normalizá-los em terminologia e apresentá-los ao próximo encontro assistencial (consulta, internação ou emergência) de maneira estruturada, e mais, com 90% de hit: quer dizer que em 9 de 10 pacientes o médico irá ter acesso com no máximo 3 clicks à informação que precisa de medicamentos, resultados de exames clínicos e de imagem, eventos com diagnósticos e sumários de altas hospitalares. É um projeto bastante ambicioso e de grande impacto, resolvendo a grave descontinuidade assistencial existente hoje, que é um dos principais fatores de ineficiência da saúde pública (e quem sabe se não da saúde privada também).
6. Outra questão abordada em sua apresentação foi o APP de Agendamento na Saúde Pública. Já é possível compartilhar indicadores sobre os benefícios que este app trouxe para a saúde?
O app Hora Marcada traz o paciente para dentro do processo de agendamento, escolhendo, de onde estiver pelo celular, os melhores horários para consultas e exames, sempre dentro das regras de acesso do SUS. Pode também remarcar e cancelar, o que reduz muito o absenteísmo. Só nos primeiros dois meses, em Ribeirão Preto, onde mais de 10% dos usuários frequentes do SUS já aderiram (quase 3% da população do município), os cancelamentos e o reaproveitamento dessas vagas representam o equivalente à contratação de mais 4 médicos de saúde da família.
7. Ainda sobre o Hora Marcada, como você tem avaliado o engajamento do usuário com essa ferramenta?
Nós, como usuários, só aderimos e mantemos um app nos nossos celulares se for útil – transacional, e não apenas informativo. E de uso constante… uma vez por semana, pelo menos, ou por mês, no mínimo. Não é uma ciência exata, nem totalmente conhecida, mas dê uma olhada no seu celular e você vai ver que só mantém aqueles que usa. Os demais, o usuário nem baixa ou apaga. Nesse sentido, estamos muito felizes com a adesão do Hora Marcada em Ribeirão Preto, o primeiro município do programa, até porque a nota média na Google Play Store está em 4,2 de 5 estrelas, ou seja, um sucesso!
8. Essa digitalização da Saúde beneficia e empodera de que forma o paciente?
A digitalização traz benefícios não só para o paciente, como a comodidade, o acesso à informação e empoderamento, mas também à gestão, pela eficiência e pela riqueza de informações coletadas nas interações. Imagina um paciente que busca e não acha uma vaga de consulta ou exame. Isso vira um contador, o NTV, extremamente valioso para se conhecer a demanda não atendida, e orientar a gestão na alocação inteligente de recursos.
9. Diante de tantos esforços para transformar a Saúde, quais são os maiores desafios para a transformação digital na esfera pública na sua opinião?
Vontade política. Isso de empoderar o paciente assusta alguns gestores e políticos: “quer dizer que o paciente vai saber que não tem vaga?” Sim! E vai saber pelo celular, ou seria melhor ele ir pessoalmente e se frustrar do mesmo jeito? Isso requer uma equipe engajada na transformação, e não é a turma de TI, mas todo o corpo clínico e administrativo, pois as transformações são de processo, não só digitais. Tenho me surpreendido com a vontade de mudar que encontro entre esses profissionais.
No fundo, todos querem prestar um melhor serviço. Por fim, tem o desafio de contratar inovação se valendo de leis antiquadas e ultrapassadas, escritas para qualquer outra coisa – cadeira ou estrada, mas não tecnologia. E os órgãos de controle têm dificuldade de lidar com as exigências de qualificação dos contratados. São critérios que por vezes parecem mais subjetivos, mas é fundamental levantar a barra na hora de contratar: um mau pedreiro faz uma má parede, cara e demorada. Já um mau tecnólogo simplesmente não faz nada! É jogar dinheiro fora.
10. Quando você estiver chegando próximo ao fim de sua gestão, qual legado quer deixar para a população de SP?
Meu sonho é deixar o História Clínica Digital implementado em 80% do Estado, sendo usado pelos médicos em algo como 30% dos encontros assistenciais. Essa é a minha obsessão e ambição pessoal.
Esta matéria e muito mais você confere na edição 63 da Revista Healthcare Management.