Uma recente palestra sobre o aperfeiçoamento dos Requisitos Gerais de Certificação de Produtos (RGCP), com a participação de representantes do Inmetro, Anvisa, ABIMED e setor regulado, trouxe à tona importantes atualizações e oportunidades de melhoria para diversos setores, incluindo o de dispositivos médicos e eletromédicos.
O evento destacou a publicação da consulta pública sobre o tema.
A Visão do Inmetro e o RGCP
Hércules Antônio da Silva, Chefe da Divisão de Acreditação e Qualidade Regulatória de Requisitos de Conformidade do Inmetro, iniciou a discussão apresentando o contexto do RGCP, um requisito geral que impacta todos os programas de certificação do Inmetro, incluindo aqueles relacionados à área de saúde.
Ele explicou que o Inmetro possui diversas competências, desde a rastreabilidade metrológica (sendo o guardião dos padrões de medida no país) até a avaliação da conformidade para segurança de produtos e serviços.
O RGCP, segundo Hércules, é um tema central na agenda regulatória do Inmetro, e a proposta de aperfeiçoamento atual é parcial, focando em questões de baixo impacto regulatório para agilizar o processo.
O objetivo é dar “um passinho de cada vez” para resolver os problemas identificados.
A relevância do RGCP é sublinhada pelo fato de que 100% das portarias do Inmetro que tratam de certificação estão alinhadas com ele, totalizando 112 portarias (14 voluntárias e 98 compulsórias), o que garante consistência e padronização nos processos.
As motivações para este aperfeiçoamento incluem demandas transversais do setor produtivo, problemas identificados nos canais de atendimento do Inmetro nos últimos 5 anos, e um estudo comparativo com as práticas de avaliação da conformidade na Europa e nos Estados Unidos.
Hércules detalhou 12 melhorias principais propostas na consulta pública, com foco especial no impacto para o setor de eletromédicos e saúde. Algumas dessas melhorias são:
- Atualização Automática de Normas Técnicas: Previsão de um gatilho automático para a adoção de versões mais atualizadas de normas, tanto técnicas quanto de resoluções de outros regulamentadores (como a Anvisa), com um prazo geral de adequação de 24 meses, que pode ser ajustado por regulamentos específicos. A responsabilidade pela adequação recai sobre o Organismo de Certificação de Produto (OCP).
- Substituição do Memorial Descritivo pela Documentação Técnica: Busca por informações mais robustas dos fabricantes sobre o processo produtivo e o produto, incluindo análise de risco e controles realizados.
- Ampliação do Benefício para ME e EPP: Extensão dos benefícios de modelos de certificação menos onerosos e mais flexíveis para Microempreendedores Individuais (MEI), Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), incluindo fabricantes estrangeiros com comprovação legal.
- Aceitação de Normas Congêneres à ISO 9001: Permissão para considerar normas de sistema de gestão da qualidade específicas do setor, como a ISO 13485/26 para a área de saúde, em igual condição de utilização para determinados benefícios.
- Aceitação de Relatórios de Ensaios Prévios: Incorporação da aceitação de relatórios de ensaios realizados por laboratórios de terceira parte até um ano antes do início do processo de certificação, desde que cumpram requisitos como mesma unidade fabril, requisitos do RAC e critérios de amostragem.
- Previsão na Diminuição da Frequência dos Ensaios de Manutenção: Atendimento a uma demanda frequente do setor regulado.
- Compartilhamento de Relatórios de Ensaios: Possibilidade de compartilhar relatórios de ensaios entre modelos ou famílias distintas, especialmente para componentes ou partes provenientes do mesmo fornecedor com as mesmas características técnicas.
- Inclusão do Termo de Compromisso (Modelo 1B): Criação de um mecanismo para desonerar a logística de importadores, permitindo a retirada de produtos da alfândega mediante termo de compromisso para coleta de amostras e certificação posterior.
- Dispensa de Ensaios de Recertificação: Possibilidade de isenção da recertificação a partir do segundo ciclo para RACs compulsórios, produtos nível 1 ou 2 de risco no Inmetro, que utilizem o modelo 5 de certificação e não apresentem não conformidades em auditorias ou ensaios durante o ciclo.
Hércules ressaltou que a consulta pública contém muito mais informações e que ele selecionou os itens com maior impacto para o setor de saúde e eletromédicos.
A Perspectiva da Anvisa e a Colaboração
Juliano Tesser, Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, comentou sobre as novidades apresentadas pelo Inmetro, indicando que, para o RAC específico de equipamentos em que atuou, o impacto das mudanças propostas parece ser pequeno e majoritariamente positivo.
Ele mencionou que talvez um ou outro item possa gerar discussão, mas que a consulta pública é a oportunidade para receber essas informações.
Juliano destacou que a Anvisa, como órgão regulador de dispositivos médicos, trabalha em conjunto com o Inmetro para aperfeiçoar processos.
Ele mencionou brevemente a estrutura da Gerência Geral de Tecnologia de Produtos para Saúde (GGTPS) da Anvisa, responsável pela regulamentação de dispositivos médicos, e alguns regulamentos principais, como a RDC 751, a RDC 830 (para IVDs) e a RDC 848/2024 (sobre requisitos essenciais de segurança e desempenho).
Ele reforçou que a Anvisa é a agência reguladora que trata do processo de avaliação da conformidade compulsória para dispositivos médicos, e que todo o regramento é feito pelo Inmetro, existindo uma parceria de longa data.
Para a área de equipamentos, a compulsoriedade é estabelecida pela RDC 549/2021 e a lista de normas técnicas que requerem certificação está na Instrução Normativa 283/2024.
Juliano e Hércules explicaram que alguns comandos do RGCP são incluídos automaticamente nas portarias do Inmetro que se relacionam com ele (como a atualização de base normativa).
Outros, dependem da aplicação pelo OCP, que precisa entender o comando e verificar seu histórico de conformidade.
Em alguns casos, a portaria específica da Anvisa já possui um nível de flexibilidade maior do que o previsto no RGCP, resultando em pouca alteração.
O Papel da Consulta Pública
Ambos os palestrantes enfatizaram a importância da consulta pública como uma ferramenta essencial para o diálogo com o setor regulado.
É o momento para que empresas e associações, como a Abimed, analisem a proposta, identifiquem impactos e apresentem contribuições.
É uma oportunidade para esclarecer dúvidas ou apontar incompatibilidades entre as flexibilizações propostas no RGCP e o que já está previsto nos RACs específicos da Anvisa.
O diálogo pode tanto ajudar o Inmetro a refinar o texto quanto esclarecer a aplicação dos requisitos já existentes.
Paula Bresciani, representando o setor regulado, levantou uma preocupação relevante em relação à atualização automática das normas técnicas, citando a complexidade e o impacto de mudanças em regulamentos específicos da Anvisa que exigem prazos de transição para a indústria, como ocorreu com conectores de seringas e agulhas ou está ocorrendo com a implementação do UDI (Identificação Única de Dispositivos).
Ela sugeriu a possibilidade de sincronização de prazos entre as agências para minimizar o impacto na fabricação.
Hércules, respondendo a essa preocupação, explicou que, embora a agenda atual do Inmetro para o RGCP seja de baixo impacto, a agência está aberta a receber sugestões de melhorias que possam ser consideradas em futuras agendas regulatórias, que terão um processo mais aprofundado de Análise de Impacto Regulatório (AIR).
Ele reforçou que a agenda regulatória anual do Inmetro começará a abrir a possibilidade de receber contribuições para a definição de critérios e candidatos para a agenda.
Em suma, o aperfeiçoamento do RGCP em consulta pública representa um passo importante na otimização dos processos de certificação, buscando maior flexibilidade e padronização.
O sucesso da iniciativa depende fundamentalmente da colaboração e participação ativa do setor regulado, Inmetro e Anvisa no diálogo aberto promovido pela consulta pública.