Vemos hoje uma alta movimentação no país, onde vários profissionais de tecnologia, médicos e empresas do segmento estão procurando se utilizar dos grandes benefícios da telemedicina. Por outro lado, várias são as reações de Conselhos Regionais de Medicina, médicos e profissionais do segmento contra a liberação da Telemedicina como normativa do Conselho Federal de Medicina.
Há em pauta o questionamento de estas partes não haverem participado dos dois anos de debates e estudos do CFM, mas acima de tudo há preocupações sérias, em especial em relação a uma modalidade específica de Telemedicina: a Teleconsulta.
Dentro deste contexto, no setor público há uma clara evidência de que esta modalidade possa ajudar e muito em zonas remotas, onde não há acesso a médicos ou, principalmente, a médicos especialistas. A Telemedicina com certeza poderia cumprir um importante papel no atendimento destes pacientes, com resultados bastante positivos.
Por outro lado, a falta de uma política de saúde familiar com maior distribuição de médicos por áreas populacionais, de atenção primária dividida em especialidades e de pronto atendimento sem planejamento efetivo de uso dos serviços faz com que, em geral, a população de baixa renda demore meses para conseguir uma consulta, mais alguns meses para fazer um exame (para muitos médicos, a cultura não é a de pré-diagnosticar), e outros tantos para poder retornar ao médico e iniciar o tratamento, a cirurgia ou o qualquer que seja o procedimento.
Há também um problema cultural no país; um cidadão tem uma dor de cabeça ou uma gripe e vai ao hospital ou ao pronto atendimento para resolver o problema, o que acaba por lotar os hospitais públicos, dificultando ainda mais o acesso desta mesma população carente. Sem falar que o tempo que o médico, na maioria destes lugares, dedica ao paciente, é muito inferior ao tempo mínimo necessário para garantir um exame efetivo no paciente, e o acesso ao médico é, portanto, ínfimo.
Poderíamos sim, de fato, melhorar e muito estes processos; há, porém, uma urgência em atender a população e, logo, fazer uso da tecnologia para garantir um processo rápido de telemedicina onde se conseguisse filtrar boa parte destes atendimentos é muito útil, e deve sim ser considerado.
Já no setor privado a questão passa necessariamente pela preocupação do médico em relação a sua empregabilidade, já que entendem que muitas operadoras de saúde, para reduzir seus custos, fariam uso da teleconsulta para substituir médicos. É óbvio que isso seria um ‘tiro nos pés’ das próprias operadoras, que deveriam antes de qualquer substituição incrementar também seu próprio trabalho de atenção primária e saúde familiar, acoplado a um bom processo de gestão de saúde populacional de seus beneficiários e, por conseguinte, utilizar os médicos de forma muito mais eficiente, utilizando a teleconsulta como um serviço adicional em seus projetos.
Outra preocupação dos médicos diz respeito a remuneração e honorários. Isso deve ser discutido dentro desta normatização, já que o médico deveria receber sua remuneração, quando de consultas através da Telemedicina, da forma como já é feito, por exemplo, nos Estados Unidos. Há, no entanto, algumas preocupações que não fazem muito sentido, que incluem a questão da segurança da informação, a privacidade do paciente, e até a privacidade do próprio médico. Ora, com rastreamento e boas políticas de TI esta situação chega a apresentar menos riscos com tecnologia do que sem.
Enfim, vamos então olhar o outro lado da moeda; como a Telemedicina pode apoiar e ajudar a melhorar o atendimento na saúde no nosso país?
São várias as possibilidades de uso da tecnologia:
- Como já citado, em regiões rurais remotas, de alta floresta, como temos no país, e com a falta de recursos, hospitais e centros de atendimento nestas localidades, há uma ausência de acesso tanto à saúde geral básica quanto, e mais sério ainda, a especialidades. O uso da telemedicina ajudaria muito a aumentar este acesso e permitiria a existência de cuidado onde hoje não há quase nada.
- A cultura do jovem de hoje é de buscar rapidez no atendimento na saúde, até mesmo porque é assim que ele atua com o mundo eletrônico; logo, a própria cultura do paciente que estará usando os serviços de saúde, em breve será definidora de uso de telemedicina como forma de acesso a estes serviços.
- Com certeza conseguimos também acessos mais rápidos, e até com mais tempo aos médicos gerais e especialistas, o que daria maior poder ao paciente e também resultados melhores nos tratamentos, incluindo um menor número de readmissões hospitalares, maior monitoramento de tratamentos prescritos (em muitos casos somente após uma nova consulta presencial o médico consegue acompanhar os tratamentos), e inclusive uma recuperação mais rápida, já que a intervenção remota dos médicos permanece contínua.
- Muitas instituições hospitalares têm em seu cerne um conhecimento mais específico sobre uma determinada patologia ou tratamentos, e a possibilidade de troca destas informações aumenta muito com o uso da tecnologia (Ex. conhecimento de SARS do Sunny Brook Hospital em Toronto) dando aos médicos a opção de tratar seus pacientes em conferências médicas. Também extremamente útil é poder realizar consultas a pacientes com a ajuda de outros médicos, que tenham um conhecimento mais específico, permitindo um melhor processo diagnóstico.
- Isso sem falar no crescimento da Internet das Coisas e a gestão de crônicos, que permite um trabalho preventivo e de monitoramento, reduzindo drasticamente as intercorrências e evitando assim internações hospitalares desnecessárias, além de um tratamento mais eficaz, com menos problemas para os pacientes.
- Ou ainda a internação domiciliar, muito útil para pacientes idosos ou em estado crônico que passariam a ter um atendimento mais frequente e mais acesso aos serviços de saúde.
São citados hoje alguns exemplos de uso da Telemedicina:
- A já citada Teleconsulta;
- A Teleradiologia, que permite que exames de imagem possam ser processados por sistemas remotos e que laudos possam ser dados a distância;
- A Teleinterconsulta que permite, como já citado acima, a conexão de mais de um médico na consulta;
- A Telecirurgia, que usa a robótica e permite a um cirurgião operar seu paciente a distância;
- A Teleeducação, que permite educação a distância dos médicos em acompanhamentos cirúrgicos, dentre outros;
- A TeleUTI, utilizada para auxiliar no tratamento nas UTIs, onde faltam intensivistas ou há um número reduzido dos mesmos, permitindo um acompanhamento com telemetria e integração dos equipamentos médicos e TI, um monitoramento remoto que auxilia a enfermagem presencial;
- A Telemedicina também é extremamente útil em derrames, ataques cardíacos, AVCs, etc. permitindo uma ação rápida e mais fundamentada que assistência telefônica, por exemplo, para este tipo de situação, gerando melhores resultados clínicos e de recuperação;
- A TeleAPH, que permite a conexão entre os pacientes em emergência nas ambulâncias e os médicos especialistas, antecipando o tratamento dos pacientes emergenciais e preparando melhor a recepção no ambiente hospitalar;
- Teleespecialidade, soluções específicas de telemedicina voltadas a uma especialidade; Teledermatologia, por exemplo, que através de fotografias pode auxiliar na detecção do câncer de pele;
Há, portanto, uma enorme gama de aplicações de Telemedicina no segmento que podem reduzir o número de internações e readmissões hospitalares, melhorar o atendimento e o monitoramento de crônicos, permitir maior conexão entre médicos e especialistas, garantir um fluxo mais rápido de atendimento, e mais amplo acesso a médicos e exames, especialmente no setor público, além de reduzir taxas de mortalidade em determinadas especialidades e ampliar as chances de sobrevivência de pacientes em situação de emergência, dentre outras aplicações.
Logo, fica claro que não podemos nem devemos desconsiderar a Telemedicina; pelo contrário, devemos sim aplicar esta nova tecnologia que, com certeza, será extremamente benéfica no tratamento dos pacientes no quatro cantos do Brasil. O que deve ser debatido agora é a melhor forma de trazer isso, considerando o modelo atual de atendimento, de atenção primária e de saúde familiar no setor público.
Além disso, deve-se considerar o enorme volume de filas e tempos de espera que a população mais carente enfrenta. Enquanto isso, no setor privado, com a consequente análise de remuneração médica, o foco permanece em não querer a simples substituição dos profissionais médicos em operação, já que, como supracitado, tal substituição de nada resolve no final.
A segurança de informação com criptografia e devido rastreamento de acesso às informações dos pacientes é ainda uma questão igualmente preocupante, mediante a implementação de recursos como a gravação de consultas e procedimentos de Telemedicina. Há de se ter investimento para que estas imagens sejam gravadas e guardadas sem que isso encareça o modelo, e não impeça médicos em seus consultórios particulares de colocar em prática o exercício da Telemedicina. Há tecnologia para isso, e esta transição deve ser pensada.
Considero ainda de extrema importância, em termos de amplitude de atendimento, que se use os conceitos da medicina integrativa, ou seja, que se possa fazer uso de Telenutrição e outras formas de Telessaúde acopladas aos processos de Telemedicina. Isso passa ainda por regulação, também necessária aos Conselhos Regionais e Federais de Nutricionistas, por exemplo, relacionados a este tema.
*artigo escrito por Avi Zins, Managing Director Carei Strategic Consulting e Diretor de Conteúdo da ABCIS.