O prontuário do paciente e o Facebook

Proteção dos dados das pessoas é assunto da moda. Mas quais informações precisam ser protegidas? Por quem? De quem? Por quê?

Vem de décadas a discussão acerca do sigilo do conteúdo dos prontuários dos pacientes e sua proteção pelos estabelecimentos de saúde. O direito constitucional de inviolabilidade das informações já foi (indevidamente) relativizado e também mantido por decisões judiciais antagônicas que desafiam a unificação delas para trazer segurança jurídica para os guardadores daquele arsenal.

Mark Zuckerberg, criador do Facebook, assumiu a culpa pela incapacidade de a empresa proteger os dados pessoais de quase noventa milhões de seus usuários – dos 2,2 bilhões que possui – , que teriam sido captados e utilizados pela empresa Cambridge Analytica, que assim agiu por meio de postagens que pareciam brincadeiras, mas que serviram como isca para os interessados (e para os amigos deles) que, ao clicarem, permitiram – sem saber – que estavam autorizando o acesso a suas informações sobre gostos, idade, manias, sexo, faixa de renda, padrão de consumo, preferências e tantas outras. As consequências estão sendo definidas, mas o prejuízo do Facebook na bolsa de valores, por causa disso, já custou mais de cem bilhões de dólares a ele.

Os prontuários contêm informações íntimas dos pacientes, inclusive sobre sua vida privada e que, por isso, são consideradas invioláveis pela Constituição Federal (art. 5o, X). Se levadas ao conhecimento de terceiros podem assegurar ao paciente indenização por danos material e moral, a ser paga por quem permitiu a violação do conteúdo do prontuário: os estabelecimentos de saúde (hospitais, laboratórios, clínicas etc.).

Os juízes, promotores e delegados de polícia se acham no direito de, por meio de suas ordens, exigir que os
hospitais enviem os prontuários a eles. Alguns mandam até que a via original seja remetida (ao invés de cópia) e outros que o prontuário seja “traduzido”.

A Constituição Federal não excepcionou ninguém da restrição de acesso às informações dos pacientes constantes dos seus prontuários. Nem as autoridades. Os ofícios ou despachos delas não se inserem na classificação de justa causa para que os estabelecimentos de saúde, a partir deles, remetam cópias dos prontuários a elas, pois a lei não os contempla como tal. São justas causas para isso apenas os casos
de notificação compulsória, estado de necessidade e exercício regular do direito, previstas no Código Penal.

A relutância de enviar os prontuários às autoridades não pode ser entendida nem classificada como ato de desobediência, pois este crime exige o, para seu cometimento, ou seja, a von-tade específica de contrariar a ordem – atitude que não está presente na ação de quem deixa de cumprir ordem que é exorbitante e ilegal, produto de abuso da autoridade que a proferiu.

É claro que não se pode simplesmente descumprir a determinação. Há que se buscar a cassação da ordem ilegal nas instâncias superiores à da autoridade que agiu com abuso de poder, o que se faz necessário para respeitar a previsão constitucional e coibir autoridades atrevidas descumpridoras da lei.

O texto foi publicado na  53ª Revista HealthCare Management.

 

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