“Ômicron: a nova variante não deve nos tirar a esperança”, por Giovanni Guido Cerri**
A chegada de uma nova variante do coronavírus, a ômicron (a 15ª letra do alfabeto grego), foi recebida com justificável temor.
Afinal, em outubro, o número de óbitos relacionados à doença superou a triste marca de 5 milhões no mundo todo, e a cada nova variante o vírus vinha ficando mais transmissível.
Chegada à delta, a doença se tornou mais letal. Saber que houve outra mutação fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já a classificasse como VOC (sigla em inglês para “Variante de Preocupação”).
Felizmente, embora ainda não se saiba muito sobre a ômicron, pode-se dizer agora que o temor inicial teve um certo excesso de zelo.
Tendo sido detectado o primeiro caso na África do Sul, no dia 9 de novembro, 18 países já registram casos, nos cinco continentes.
No entanto, ainda não há óbitos que tenham sido causados ou associados à variante. Isso em si já é uma boa notícia.
Nas variantes anteriores, o período de incubação, manifestação de sintomas e o agravamento do caso costuma ser de aproximadamente 15 dias.
Já existem pessoas contaminadas com a variante ômicron há mais tempo que isso.
Se não há base concreta para um otimismo aberto e declarado, também não há o que sustente o pessimismo antecipado.
Nada relacionado à covid-19 permite, claro, que se adote uma postura displicente, uma atitude do tipo “é o começo do fim”, “o pior já passou”.
Pode ser que essa situação seja passageira? O reino das possibilidades é bastante amplo.
Mas saber que ao menos até o momento ninguém morreu de variante ômicron, num contexto ainda bastante negativo apesar da vacinação, é um ligeiro alívio.
Além disso, os sintomas, pelo que médicos e pesquisadores já verificaram, são similares aos das variantes anteriores – dores de cabeça e pelo corpo, e cansaço extremo – mas com algumas diferenças, para melhor.
Em alguns casos, não houve tosse, perda de olfato nem de paladar, nem dificuldades respiratórias. O que se viu até o momento, são quadros sintomáticos bem mais leves.
Reforço: se não dá para comemorar ainda, não é o caso tampouco de já dar velas soltas ao pessimismo.
Precisa ficar claro, no entanto, que o fim da pandemia continua indiscernível. Não há qualquer forma hoje de se estimar, seja em que grau for de precisão, quanto tempo mais ela vai durar.
Isso significa que nenhuma das medidas de proteção pode ser deixada de lado. Máscaras, higienização frequente das mãos e o distanciamento social não podem ser relaxados, muito menos abandonados.
Felizmente, diversas autoridades de saúde no Brasil entenderam isso e já cancelaram suas festas públicas de reveillon – e ainda se está a ver o que será feito sobre o Carnaval.
Aglomerações nas proporções que tais festas ocasionam são o exato oposto do recomendável, tudo que não se deve ter no momento.
A ômicron não ter até aqui se revelado tão ou mais letal que a delta é uma das possibilidades no campo das mutações, por definição, imprevisível.4
A nova variante carrega as mutações das versões prévias e mais algumas próprias, originais. Tais variações surgiram porque o vírus continua a circular e a se replicar.
Continuando em circulação, as chances de novas mutações se ampliam – e imaginar que grau de letalidade ou transmissibilidade uma próxima variante poderá ter é pura e simples especulação.
A definição de como vai caminhar a nova variante ainda deve levar algumas semanas para se consolidar. Mas não houve até o momento uma alta importante de internações, nem casos graves.
Não é incomum que um vírus acabe por evoluir de forma a se tornar mais transmissível, mas menos agressivo para o hospedeiro. Mas não significa que seja o que vai necessariamente acontecer.
O fim da pandemia de Covid-19 ainda não está no horizonte.
Mas, apesar do legado tão negativo que a doença deixou no país, a população brasileira entendeu a necessidade de se proteger com a melhor arma à disposição até o momento contra o SARS-CoV-2, a vacina: mais de 64% da população está com o primeiro ciclo vacinal (duas doses ou dose única) completo, mesmo com o início turbulento e algo tardio.
Saber que uma variante, ao menos até o momento, não mostrou a letalidade da que a precedeu, é como um raio de luz que corta a escuridão.
É um bom augúrio, chegado justamente no momento em que 2021 se encerra. Que prenuncie um ano melhor.
Médico, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).