O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu recentemente que a contaminação de um trabalhador pelo novo coronavírus pode ser considerada uma doença ocupacional. A decisão veio do plenário, que julgou as ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), que questionavam a constitucionalidade de artigos da Medida Provisória 927/2020. Assim foi suspenso o artigo 29, onde estava descrito que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Todavia, para Ricardo Pacheco, médico, gestor em saúde, presidente da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho) e diretor do Grupo OnCare, a questão é muito mais complexa.
“No momento em que o STF define que a infecção com a Covid-19 pode ser uma doença laboral (até porque não houve uma presunção absoluta de que toda contaminação será definida como doença do trabalho), é preciso uma avaliação criteriosa para fazer uma caracterização adequada, por meio da comprovação do nexo causal com a atividade desenvolvida pelo trabalhador”.
O médico ainda ressalta que doença endêmica não é considerada doença do trabalho, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. “É o que consta na Lei 8.213/1991 (artigo 20, §1º, “d”), onde está claro que o empregado deverá provar a existência do nexo causal. Em comprovada a infecção em decorrência da atividade desenvolvida estará caracterizada a doença do trabalho e, neste caso, deverá o empregado ser afastado para ser atendido pela Previdência Social sob o código B-91 (auxílio doença acidentário), isto é, afastamento em virtude de doença adquirida no trabalho. Sem uma prova robusta, a doença não pode ser considerada como adquirida no trabalho. Neste caso seu afastamento do trabalho para a Previdência Social será feito pelo código B-31 (auxílio doença comum); ou seja, o afastamento se dará em virtude de doença não vinculada ao trabalho”, explica o gestor em saúde.
A ausência de um nexo causal pode ser argumento para defesa do empregador
A decisão do STF é uma presunção relativa, pois sempre admite prova em contrário. Prova essa que cabe ao empregador, que pode determinar a inexistência do nexo causal alegado pelo empregado, por meio da comprovação da adoção de medidas eficazes para prevenir a contaminação, em especial aquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e outras autoridades competentes.
Ricardo Pacheco elenca algumas dessas medidas que podem ser adotadas para prevenir que os trabalhadores sejam contaminados e que consequentemente, podem ser usadas na defesa do empregador. “Ações como a aferição da temperatura do trabalhador na entrada da empresa, o fornecimento de máscaras e álcool gel para os empregados (obrigação legal para o estado de São Paulo, conforme Decreto Estadual nº 64.881/2020), manter as áreas limpas e arejadas, promover o distanciamento entre os empregados e orienta-los sobre a prevenção e formas de evitar a contaminação pelo vírus, de forma insistente e clara, são algumas iniciativas que podem evitar a contaminação e garantir que a empresa não seja acionada injustamente”, complementa o presidente da ABRESST.
É recomendável ainda, que a empresa produza prova documental de todas as medidas adotadas. “Como atas das reuniões da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e das reuniões dos médicos do trabalho e engenheiros de segurança do trabalho, bem como a apresentação das medidas preventivas para os empregados e a elaboração de relatório para cada empregado contaminado pelo coronavírus, dentre outras, que podem respeitar as características de cada atividade”, afirma o médico.
Ele conclui enfatizando que tão importante quanto a adoção de medidas pelo empregador para prevenir o contágio pelo coronavírus, é constituir previamente as provas documentais dessas medidas para respaldar eventual defesa. “Fato é que se não for comprovado um nexo causal entre a infecção pelo covid-19 e o trabalho desempenhado pelo trabalhador, não poderá ser caracterizada como doença do trabalho”, afirma Pacheco.