“Preço dos medicamentos remete ao controle de custos e renegociação dos pacotes”, por Enio Salu

(*) todas as ilustrações são partes integrantes do material didático dos cursos Escepti e do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil

O gráfico , dentre os medicamentos “homologados” pela ANVISA, demonstra o percentual de reajuste de preços entre 2019 (antes da pandemia) e 2021 (“núcleo duro” da pandemia):

  • Mais ou menos a metade deles ficou no mesmo patamar de preços;
  • Tivemos quase 20 % de medicamentos novos … na verdade não são novos … abaixo a explicação;
  • E aproximadamente 30 % tiveram reajuste acima de 12 % … maior que a inflação oficial dos 18 meses – sem comparar com a inflação oficial “aviltante e acusada de manipulada” dos últimos 3 meses !

Somente este gráfico já é suficiente para afirmar que gestão da precificação e dos custos em saúde não é coisa para amadores:

  • Nesta semana que inicia vou ter a oportunidade de dar continuidade em programas de capacitação de custos para gestores de Unimeds vinculadas a Federação do Estado de São Paulo, e para gestores do Grupo Hospitalar Americas Health;
  • Este tema acaba “sinergindo” com o interesse das fontes pagadoras dos serviços de saúde … me sinto um privilegiado por poder discutir temas como estes com gestores de um lado e de outro da mesa, sem viés … como o que está sendo posto aqui !

Todos conhecemos uma infinidade de índices de inflação (IGPM, IPC …) e sabemos que na prática nenhum deles representa a inflação real que nos afeta:

  • É só calcular quanto pagávamos por uma pizza há alguns anos, e verificar se existe algum índice que chega perto;
  • Pode fazer isso com o preço da gasolina, do pão, do leite … do cinema, daquele lanche daquele fast food …
  • Por se tratar de média, o índice serve para sinalizar tendências, orientar ações estratégicas e infelizmente alimentar especuladores do mercado financeiro e de bens duráveis … mas não serve para refletir a realidade em cenários específicos, que são os que nos afetam realmente;
  • Eu não sou afetado pela inflação da mesma forma que você … nem mesmo se comparar com a minha esposa, casados e vivendo juntos (quase 40 anos … raridade hoje em dia não é verdade ?) – a inflação “que afeta a ela” é completamente diferente “da inflação que me afeta” !

Na saúde é assim … olhando para o gráfico é muito fácil entender:

  • Os serviços de saúde não consomem os mesmos medicamentos;
  • E mesmo nos que são comuns entre um e outro, o consumo não é na mesma proporção;
  • Se o medicamento for um elemento importante na precificação do serviço de saúde, e consequentemente no custo da operadora ou da secretaria de saúde … trabalhar com o preço deles é “um jogo de xadrez”: é necessário entender os movimentos do mercado para planejar o que se deve fazer !

Se “pegarmos” um medicamento específico podemos nos deparar com deflação:

  • O gráfico da esquerda demonstra o valor PF do medicamento nos anos 2019, 2020 e 2021;
  • E o da direita as variações anuais – entre 2019 e 2020 aumento, e entre 2020 e 2021 redução, e no final entre 2019 e 2021 queda de quase 10 % no preço.

Mas “pegando” outros, vemos aumento:

  • Nos dois casos, como demonstra o caso da esquerda, aumento praticamente constante ao longo dos anos;
  • No final, um aumentou 10,22 % e outro 14,98 % … quase 50 % de diferença !!!

Mas se não notou ainda (olhou bem os medicamentos do gráfico ?): é a mesma substância … o mesmo “sal”:

  • Isso ocorre (em parte) porque o Brasil resolveu tabelar preços de medicamentos – tabelamento de preços não funciona … o mercado se utiliza de outros mecanismos para ajustar o preço a inflação real;
  • Como os preços são fixados por “uma combinação” de produto, fabricante e apresentação do medicamento na embalagem …
  • Se o reajuste autorizado não cobre os custos do fabricante, ele descontinua uma determinada apresentação e lança outra;
  • Ou justifica a necessidade do aumento por algum componente associado à apresentação do produto, e não ao produto especificamente;
  • E não podemos criticar isso, porque ninguém vai fabricar alguma coisa para ter prejuízo … temos que agradecer pagar mais caro e curar a doença do que não ter medicamento e não combater a doença … é o que nos resta !

“Pegando” outros dois medicamentos:

  • Os aumentos foram “sinistros” entre 2019 e 2021;
  • Beirando 100 % … e com muita chance de aumentar mais entre 2021 e 2022 !

Entendendo o cenário …

Infelizmente o governo brasileiro (federal, distrital, estaduais e municipais) em todos os tempos (atuais e antecessores) “enxergam” a saúde como custo … não como oportunidade de desenvolvimento:

  • Países menores (em tamanho e riqueza) que têm visão diferente lucram com o desenvolvimento de inovação em saúde (medicamentos, equipamentos, materiais);
  • Nós optamos por importar insumos para produzir e pagar royalties para os donos da tecnologia;
  • Optamos por privilegiar o lucro de uns poucos empresários e políticos que lucram com este caminho;
  • Então se o presidente, o ministro … se um político mal preparado qualquer … fala uma bobagem … o dólar sobe, e sobe o preço dos insumos que necessitamos na saúde: materiais e medicamentos !
  • Alguns insumos sofrem mais, outros menos … mas na média: a saúde “paga a conta” do ganho dos especuladores !!

O gestor da saúde, privada ou pública, tem que lidar com isso !

Se o medicamento é vendido em contas abertas:

  • O serviço de saúde simplesmente repassa o preço;
  • Cabe a fonte pagadora a gestão do custo: a sinistralidade que não tem a ver com erro, desperdício, fraude ou inovação – a sinistralidade imposta por condições do mercado e não pelo aumento do consumo por parte dos beneficiários.

Se o medicamento é vendido em contas do tipo pacote, temos 2 cenários:

  • Em um deles o cenário é parecido com o das contas abertas … apenas “escorregando” o reajuste para a época do reajuste da tabela negociada;
  • Em outro, a operadora se livra da variação do preço do medicamento, e cabe ao serviço de saúde analisar a viabilidade de continuar atendendo pacientes da fonte pagadora enquanto o reajuste do pacote não compensar a sua inviabilização econômica.

Já nas redes próprias de operadoras de planos de saúde, e nas secretarias de saúde …

  • O que se deve fazer é tentar negociar os preços com os fornecedores … e tentar identificar a possibilidade de substituir dos protocolos um medicamento mais caro por um mais barato;
  • “O estrago é inevitável” … e a agenda do gestor privado ou público de redes próprias e orçamentos baseados em históricos é mitigar o prejuízo “líquido e certo”;
  • A vida deles não é o que podemos considerar de ‘fácil” !

É mesmo um “jogo de xadrez”:

  • Quando estratificamos os grupos de medicamentos vemos “uma gangorra” de variações de preços;
  • Em grupos absolutamente próximos vemos deflação, estabilidade, e inflação pequena e grande … é como se a inflação fosse calculada com base em “uma bolinha caindo aleatoriamente em uma das “casinhas da roleta de um cassino” !
  • Cada gestor, dentro do seu negócio, seja em um hospital, clínica, centro de diagnósticos, ambulatório … seja em operadora de planos de saúde, secretaria de saúde … seja no sistema de saúde público (SUS) ou os privados (saúde suplementar regulada pela ANS e saúde suplementar não regulada pela ANS) … somente cada um em seu negócio específico … tem propriedade para avaliar o impacto da variação dos preços dos medicamentos;
  • Quantas vezes é necessário dizer: somente o gestor pode conhecer profundamente seu negócio … as “técnicas consagradas” para gestão de tudo” são as mesmas … o resultado da aplicação delas depende de cada gestor !!

Disso tudo o que é indiscutível ?

  • Como os demais índices de inflação (divulgados por entidades de classe pela mídia), a tendência de aumento de preços na área da saúde é “simplesmente assustadora”;
  • O gestor de serviço de saúde que não avaliar adequadamente a necessidade de rever os preços dos pacotes que são reajustados por índices gerais vai fazer com que sua empresa acabe pagando para fazer o procedimento ao plano de saúde – como se perguntasse: quanto você quer receber para que eu faça para você ?
  • Um gestor de operadora que paga contas abertas e não se atentar ao fato vai estourar o orçamento mais rapidamente do que poderia imaginar;
  • O gestor que faz a gestão de serviços próprios de operadoras ou de secretarias de saúde e não ajustar seu orçamento vai ver o resultado do fluxo de caixa “grafado” com números vermelhos e “um sinalzinho de menos” à esquerda !!

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