Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
É incrível saber que muita gente observa o gráfico de queda da média móvel de óbitos já com saudade da época da pandemia em que sua empresa teve a maior rentabilidade da história … que na área da saúde, como em todos os outros segmentos de mercado, a pandemia está sendo o caos, o sucesso, ou indiferente dependendo da empresa.
Importante iniciar dizendo que tenho especialização em epidemiologia, administração e economia da saúde:
- Não tenho formação em medicina, especialmente em infectologia, pneumologia ou qualquer outra área assistencial;
- As análises aqui não têm a pretensão de defender quais os métodos mais eficazes para conter a pandemia … confio naquilo que os infectologistas, virologistas e sanitaristas que estudaram a vida inteira para lidar com isso dizem …
- Também não tem a pretensão de defender os métodos mais eficazes para tratar a doença … confio naquilo que dizem os pneumologistas que compõem a especialidade médica mais diretamente relacionada com o tratamento da doença
- E confio no que dizem os profissionais que estudaram a vida inteira para tratar dos “efeitos colaterais” que esta terrível doença está impingindo (cardiologistas, psicólogos, educadores físicos …).
O gráfico ilustra a evolução da média móvel de óbitos por COVID-19 no Brasil em 2021:
- Análises de indicadores isolados como este em epidemiologia sempre dão uma visão inadequada … levam aos erros;
- Olhando simplesmente este gráfico nos dá a impressão de que o vírus, como se fosse uma nuvem de fumaça expelida por um vulcão na atmosfera, está desaparecendo … como se em poucos meses o vírus COVID-19 vai ser “mais um dinossauro a estrelar filmes de ficção !”
- Isso está fazendo com que políticos, pressionados por grupos econômicos prejudicados pela pandemia, se utilizem deste indicador para relaxar completamente medidas restritivas.
O reflexo da pandemia na economia tem faces diversas:
- Números divulgados pela área econômica do governo são conflitantes com os divulgados pelos institutos de pesquisa … como sempre ocorreu … não é privilégio deste governo, diga-se de passagem;
- Em todos os cantos do Brasil vemos canteiros de obras … a construção civil vai muito bem obrigado;
- O agronegócio vai “espetacularmente bem” apesar da crise hídrica … obrigado;
- A indústria da tecnologia vai bem obrigado;
- Serviços de logística, insumos para prestação de serviços à distância … vão bem obrigado;
- Alimentação … muito bem obrigado;
- O comércio “Internet Based … arrebentando a boca do balão”;
- Mas, é claro, os negócios que dependem do contato direto das pessoas … o turismo, bares e restaurantes, espetáculos, o comércio popular que não atinge consumidores através da tecnologia, entre outros … muito prejudicados.
Nesta mistura de “muito bem obrigado” e “muito prejudicado” no mundo todo, inegavelmente o efeito da pandemia na vida essencial das pessoas foi muito menor do que havia sido projetado quando “o bichinho” saiu de uma província montanhosa da China e de forma completamente improvável “ganhou o mundo” quase que instantaneamente !
Pois bem … na área da saúde … para quem atua profissionalmente na área da saúde … o cenário é o mesmo:
- Não foi bom ou ruim para todos, muito pelo contrário, estamos tendo um enorme contraste durante a pandemia, que vai se prolongar durante algum tempo após a pandemia;
- O gráfico “meio que traduz” a variação do volume de negócios entre o período “antes da pandemia” e o “período pandemia”, e o período “pós pandemia”;
- Está baseado no volume de atendimentos de algumas especialidades, em empresas que atuam no segmento da saúde pública e privada … dados captados no DATASUS e ANS !
- Sinaliza o que, na média, ocorreu com “os principais atores” que compõem o mercado de negócios da área pública e privada no Brasil.
Saúde é um dos maiores segmentos da economia mundial … um dos que mais empregam … o mais presente em qualquer canto do mundo … com uma enorme diversidade de instituições, totalmente diferentes umas das outras em tamanho, objetivo societário, objetivo social … lucro !
Na média, tivemos maior diversidade de atores que estão ganhando com a pandemia:
- Não a maioria das instituições, mas a maioria dos tipos de instituições;
- Porque a maioria absoluta das instituições de saúde “em volume” são consultórios, clínicas … pequenas empresas com um foco de especialização única (médico, dentista, fisio, psico, fono …) … as mais prejudicadas com a pandemia;
- Somente na Cidade de São Paulo, analisando o CNES, contabilizamos mais de 2.000 consultórios multidisciplinares fechados desde o começo da pandemia;
Também na média, vamos ter maior diversidade de atores que vão ganhar no pós pandemia na área da saúde:
- Esta maioria em diversidade (tipos) será menor do que está sendo na pandemia … mas em volume de instituições será muito maior;
- Porque para colocarmos tudo que era eletivo e foi adiado em dia vamos demorar alguns anos, e justamente as pequenas empresas que ainda sofrem hoje, vão ser “o fiel da balança” para colocar as coisas novamente “nos trilhos”;
- As operadoras de planos de saúde, por exemplo, já estão sentindo que não tem rede suficiente para a demanda;
- No SUS as filas “são galácticas” … quando a sociedade deixar de pressionar para abrirem os bares e começar a pressionar para que as filas andem, os serviços de baixa complexidade e os profissionais multidisciplinares vão ter mercado de trabalho !
Uma coisa é certa … a pandemia mudou completamente o perfil epidemiológico da população em função do descompasso dos protocolos de tratamento … da elevação do diagnóstico tardio … da desinformação que “a politização covarde” impôs na prevenção.
A “politização covarde” vai agora impor o relaxamento das medidas preventivas sem base sólida … já preocupa o que está ocorrendo na Cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, e preocupa muito o que pode acontecer na Cidade de São Paulo daqui a uns 15 dias …
A mudança de perfil dos pacientes de todas as doenças em consequência do COVID-19 já mudou e vai continuar mudando a configuração dos serviços de saúde. Já estão muito diferentes do que eram antes da pandemia, e vão ter que se alinhar novamente quando a pandemia acabar.
E por “consequência das consequências” acima, mudou e ainda vai mudar o perfil atuarial das carteiras de beneficiários das operadoras de planos de saúde … e do próprio SUS financiador da saúde pública.
A história da gestão da saúde pública e privada no mundo passará a ser contada em “3 eras” muito distintas: antes, durante e após a pandemia.
A era que hoje chamamos de crítica … a de menor duração e maior impacto na história … a “durante” … será a menos lembrada pelos gestores que têm um desafio gigantesco pela frente:
- Ajustar … alinhar … tudo que tinham de ativos antes da pandemia, com o que será necessário no pós pandemia;
- E não será tarefa fácil, porque é a primeira vez que a gestão profissional da saúde privada e pública no mundo está lidando com um pós pandemia de tamanha proporção ..
- Nas pandemias anteriores, comparadas com a da COVID-19, ou eram menores, ou não existia gestão da saúde pública e privada nos moldes que temos hoje … com o nível de regulação e infraestrutura que temos hoje !
Mas quando será este pós pandemia ?
Vamos despolitizar o tema ?
Os governos (federal, distrital, estaduais e municipais) estão se valendo dos índices de vacinação e “a fotografia”… o flash … da ocupação de UTIs para se posicionarem politicamente:
- Como ilustrado no gráfico da esquerda, fazem propaganda do tipo “sou o máximo”, estou vacinando assustadoramente rápido a minha população … no meu país estou vacinando mais rápido que os outros … no meu estado estou vacinando mais rápido que os outros … cidade … e assim vamos assistindo os discursos;
- E com isso se respaldam para o “liberô geral”, “dia nacional da libertação das máscaras” …
- Assim, ao mesmo tempo que cedem à pressão dos grupos econômicos prejudicados pela pandemia, já jogam uma âncora nas eleições do ano que vem.
A realidade … “pés no chão” … é o gráfico da direita:
- Ele ilustra a evolução da população não imunizada … os que ainda não tomaram a dose única, ou as duas doses;
- É fácil notar que a curva “não cai” com a mesma inclinação “que sobe” no primeiro gráfico;
- Quando se tem 1 vacinado e se vacina outro, temos 100 % de aumento em relação aos que estão sendo vacinados …
- Mas 1 e 2 em um universo de mil, dez mil, cem mil … milhão … quanto maior o denominador … é nada ! … longe do que seriam os 50 % (o inverso do 100 %) !
Sem entrar no mérito do que deve ser feito ou não, fazendo uso da minha especialização declarada no primeiro parágrafo:
- A análise aqui não defende o distanciamento ou não … o uso de máscara ou não … cloroquina ou não …
- A questão é: se uma ação foi adotada, qual o indicador que dá suporte para que ela seja relaxada ?
- A questão é: o que faz com que já se mudem as condutas … as opiniões ?
Vamos mesclar o primeiro gráfico (média móvel de óbitos) com este segundo (população não imunizada) ?
- COVID-19 ainda está matando no Brasil quase 6 pessoas por milhão de não imunizados;
- Um indicador gigantemente maior do que o da maioria dos países que possuem um sistema de saúde público minimamente estruturado;
- Um péssimo indicador quando comparamos com os países da “zona do Euro” … e até com alguns de nossos vizinhos;
- Mesmo com o aumento da disponibilidade de leitos de UTI, do aprendizado que os profissionais de saúde hoje têm no tratamento da doença … mesmo assim, continua matando praticamente a mesma proporção de não imunizados do que março de 2021 !
A questão é … se foi adotada alguma ação em março … não importa qual … por que em agosto deve ser diferente?
Não ficou claro ? … vamos observar os mesmos gráficos mudando apenas a linha de tendência:
- Temos uma queda “ridícula” na inclinação da linha de tendência da média móvel de óbitos quando comparamos com a inclinação da linha de tendência de óbitos por milhão de não imunizados;
- O simples fato da linha de tendência dos óbitos por milhão de não imunizados ainda não apresentar tendência clara de queda já seria suficiente para entendermos que a imunização ainda não é suficiente para mudar o perfil da doença !
Para efeito de controle da doença não interessa quantos óbitos temos em relação a população total:
- Este indicador (óbitos em relação a população total, em relação a população imunizada) serve para calcular a eficiência da vacina … para sabermos se ela adianta …
- Graças a Deus já sabemos há algum tempo que a vacina funciona … que o Brasil escolheu imunizantes que são eficazes … que não colocou placebo no braço da população … graças a Deus porque havia uma grande chance disso acontecer !
Mas número de óbitos pela população total não serve para sinalizar se estamos com a doença controlada:
- Somente quando a proporção de óbitos for menor em relação à população desprotegida … a não imunizada … for menor estaremos seguros;
- E quando for muito menor, diga-se de passagem … 6 por milhão é “show de horror” !
O cenário anima e desanima:
- Por um lado estamos vacinando … mais lentamente do que poderíamos, mas estamos …
- Por outro temos uma grande parcela da população que não quer se vacinar;
- E infelizmente para que a imunização da população ocorra, teríamos que ter todos dispostos a colaborar.
Não temos … não vamos ter … aqui é Brasil:
- Vamos lembrar que a adesão à campanha de vacinação contra a gripe é baixa … vamos lembrar que aumentou muito nos últimos anos a quantidade de mães que não levam seus filhos para vacinar contra a poliomielite !
- Tem muita gente disposta a pagar por um comprovante de vacinação fraudado, do que se vacinar gratuitamente contra COVID_19 !!
- Hoje somos um país de grupos populacionais inimigos e intolerantes uns com os outros que compartilham o mesmo espaço físico !!!
Então …
- Os gestores e empresários que atuam na área da saúde em instituições que estão lucrando com a pandemia ainda têm tempo para aproveitar a oportunidade …
- Os outros … infelizmente … ainda devem amargar alguns meses dificuldade.
Enio Jorge Salu tem especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. É professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta. Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unime. Também é CEO da Escepti Consultoria e Treinamento e já foi gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado.