O complexo cenário da economia em retração no país, o custeio e sustentabilidade do sistema de saúde são grandes desafios para o sistema de saúde brasileiro. Diante desse contexto, o mercado de órteses, próteses e materiais especiais, hoje denominado de DMI – Dispositivos Médicos Implantáveis, responsável por significativa parcela dos custos da saúde, tem sido objeto de intensas discussões devido às recentes denúncias de fraudes causadas pela complexidade e vulnerabilidade da cadeia de suprimento. Em última instância, o paciente é o grande prejudicado. Alternativas para coibir fraudes vêm sendo discutidas por diversas frentes de mercado e pelo Governo.
A primeira solução proposta é a regulação econômica, que passa pelo controle de preços nos moldes do que é feito hoje para medicamentos. A realidade do mercado de DMIs, pela sua complexa cadeia logística e de agregação de serviços inerentes à implantação do produto no paciente, mostra que este modelo não é facilmente replicável. Para isso, é preciso olhar para todas as etapas da cadeia, validar os serviços que são legítimos e buscar soluções apropriadas às suas especificidades. A simples fixação de preços do produto no início da cadeia, não parece levar ao objetivo desejado.
Outras consequências da fixação de preço do produto deverão ser analisadas, principalmente o impacto na introdução de inovações no país. No Japão, por exemplo, um país reconhecido pelo pioneirismo em inovação, pacientes deixaram de ter acesso à boa parte dos produtos mais modernos, não sendo beneficiados com os avanços tecnológicos e progresso científico criando um gap tecnológico. Pacientes de alta renda vão a países como EUA para fazer cirurgias por não ter recursos tecnológicos em saúde no Japão. Um levantamento comparativo entre França, que adotou a regulação de preço, e Alemanha constatou que a Alemanha disponibiliza maior oferta de procedimentos do que a França, com menor gasto. Neste caso, a França tem menos sucesso em lidar com os avanços nos custos de saúde.
A saída mais sustentável é a completa transparência da cadeia, por meio de uma análise detalhada de todas as suas etapas e de todas as vulnerabilidades que ela contém e não somente da questão “preço”. O primeiro passo, já em andamento, é a padronização das nomenclaturas, que facilitará a comparação entre modelos e marcas, sendo positivo tanto para o paciente quanto para os pagadores. Também deve-se buscar a análise dos diferentes desfechos clínicos, que são dependentes da qualidade do produto, do estado do paciente e da habilidade do profissional de saúde. Indubitavelmente esta discussão desembocará na já reiterada revisão do modelo de remuneração, onde o desfecho clínico passa a ter papel fundamental.
Neste cenário, o paciente também assume um papel importante ao se tornar mais consciente dos diferentes custos/opções de tratamento. O paciente tem que atuar de forma mais crítica, relutando a aceitar a primeira opinião dos médicos, recorrendo a outras possibilidades de menor custo para níveis e efetividade semelhantes. O sucesso do tratamento não depende só da habilidade do cirurgião, mas também do bom uso das inovações tecnológicas em saúde. É resultado de toda uma cadeia.
*artigo escrito por Carlos Goulart, publicado na 42ª edição da Healthcare Management.
Presidente-executivo da ABIMED.