“Se meu hospital falasse…”, por Henrique Jatene, arquiteto do InCor

Artigo escrito por Henrique Jatene, arquiteto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (InCor)

5G chegando, explosão da internet das coisas, inteligência artificial, smart tudo… vamos receber mais e mais informações sobre cor, flor, fantasia, tudo que existe no mundo, sobre equipamentos, redes de infraestrutura, lâmpadas, piso, paredes, forro…pessoas… adeus as desculpas de que não sabíamos de alguma ou qualquer coisa.

Quem receberá as informações? Quem será capaz de processá-las, de tomar decisões, de agir na mesma velocidade com que recebe as informações? No limite, talvez o próprio prédio, dotado de inteligência artificial. Cruzará o big data com tecnologia responsiva e…seus problemas acabaram! Ou, começaram!

Há um detalhe, um pequeno detalhe que percorre e dá vida aos prédios, ainda não mapeado e lógico e, assim, pouco traduzível em números, bits, sequências matemáticas e números primos. A tal da dimensão humana, começo, meio e fim de uma construção hospitalar.

A tecnologia, como todas as ferramentas, é humana e, portanto, parte indissociável dessa dimensão.  Não há antagonismo necessário. Há, talvez, uma necessidade de trata-la menos como protagonista, estrela,  fetiche e obsessão, fim e mais como parte da dimensão humana.

Os prédios já falam, sempre falaram. Falam demais, gritam, às vezes choram, só não são ouvidos, considerados, acolhidos. Os prédios de hospital estão estressados, talvez tanto quanto suas equipes assistenciais. E o estresse é fonte de doenças, edifícios adoecem e, como sua interação com sua energia viva circulante é de simbiose e dialética, fazem adoecer. Um prédio de hospital que faz adoecer é um não prédio e um não hospital.

Edifícios, assim como os seres humanos, são cobrados como se fossem máquinas  infalíveis. São explorados no limite, mal cuidados, exauridos, convivem com falta de investimento, de manutenção preditiva, preventiva e, até corretiva. Só param quando quebram em definitivo. Aí são desmoralizados, remendados, desfigurados, desrespeitados, depreciados, xingados… Arquitetos, engenheiros, operadores são, tal qual mãe de juiz, homenageados  em coro. A obra, solução de todos os males, da noite para o dia, passa a ser a responsável por todos os males. Queda no faturamento, diminuição do número de clientes, aumento de infecção, infestação de insetos, buraco na camada de ozônio, preço do leite, queda do seu time para a segunda divisão.

Assediamos moralmente nossos recursos, nossos prédios. Não os entendemos, não falamos a sua  linguagem, ignoramos sua lógica, seus sinais, seus gritos. Gestões tecnocráticas e simplificadoras desconhecem seus processos de produção, ignoram suas integridade e identidades e, os reduzem a uma sobreposição de salas e instalações, na melhor das hipóteses, dentro das normas, para abrigar o cumprimento de tarefas do dia até esgotá-los. Padrão sapiens de uso e ocupação. Um prédio de um hospital é muito mais do que isso. Tem necessidades próprias, desejos e, arrisco a dizer, sentimentos.

Todo prédio tem uma essência, tem uma história ou muitas histórias para contar, tem uma lógica de projeto, um conceito, uma filosofia. Filosofia de vida do prédio. É possível sentir o que sente.  Quanto mais os reconhecermos e respeitá-los, e quanto mais os entendermos, maior será sua vida útil, maior a nossa capacidade de receber dele o seu máximo, maior a sua contribuição ao trabalho e à vida de quem ocupa seus espaços. Os prédios, se pudessem, iriam embora. Mudariam  de vida, mudariam para uma terra onde seriam amados, quem sabe,  como se fossem um pet! Sonham também,  dia e noite em cuidar de si mesmos,  se auto- manter, se auto-regular, cuidar da própria saúde, da sua sustentabilidade,  de sua receita e despesa, sem depender dos seus donos, predatórios, compulsivos.  Prédios autônomos. Talvez num universo paralelo ou na Revolução dos Prédios!

O corpo, o prédio, a cidade, a natureza, o planeta falam. Ouçamos todos. Sabemos interpretar o que sua linguagem, dialogar com todos os invólucros de nossas vidas, que no fundo somos nós mesmos?  Se não compreendemos e não reconhecermos  o valor da sua existência, hoje, com inteligência natural, nunca  seremos smart nem com  infinito G, IA, neste universo, no  multiverso, no metaverso , em nenhum outro verso. Simplesmente, não seremos.

“Ainda que eu falasse a língua dos homens e a língua dos prédios, sem amor eu nada seria…”

Artigo escrito por Henrique Jatene, arquiteto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (InCor)

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