“Não há medicação, não há leitos, preciso de verba”: essa é uma fala do diretor de um hospital público na série ficcional “Sob Pressão” exibida na Rede Globo de Televisão. No entanto, talvez seja esse o mantra mais repetido em quase todas as instituições de saúde do país.
No próximo dia 1º de janeiro, assumirá a cadeira mais importante do Brasil o recente eleito Presidente da República, Jair Bolsonaro. Entre tantos problemas políticos e econômicos enfrentados pelo país, o novo comandante da nação terá um grande desafio: a saúde.
Sem dúvidas, a saúde no Brasil é um problema crônico, seja no setor público como no privado. A má gestão dos recursos públicos e o alto índice de corrupção são os principais obstáculos para a melhor do atendimento ao brasileiros em hospitais, clínicas e postos de saúde.
Jair Bolsonaro afirmou em seu plano de governo que a saúde é uma das três áreas consideradas como prioritária, ao lado da educação e segurança. Até então, nenhuma novidade em se tratando de um projeto político. Isso porque em todas as eleições, sem exceção, a saúde é explorada como prioridade, mas na prática não é uma verdade. Pouco se investe na saúde no Brasil e, nos últimos anos o país foi vítima de diversas epidemias como, dengue, sarampo, zika e febre amarela, para citar as mais recentes. Mas, precisamos (bem) mais do que palavras e promessas, essas já são conhecidas dos brasileiros.
São constantes os casos noticiados nos diversos veículos de comunicação de descaso com o paciente, seja nos hospitais públicas, seja no sistema privado. Pacientes morrendo nas portas e corredores de hospitais, falta de leitos, grandes filas para a realização de exames e cirurgias, hospitais em situações precárias, quando não abandonados, falta de leitos, máquinas e equipamentos quebrados, desabastecimento de medicamentos, falta de matérias básicos, como gaze, álcool, luvas cirúrgicas, entre outros inúmeros problemas que podem ser citados do cotidiano dos profissionais e dos pacientes da saúde no Brasil.
A equipe de Bolsonaro avaliou durante a campanha que a situação atual do setor está “à beira do colapso” e diz que as ações planejadas terão como foco “eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas”. A bandeira defendida pelo partido é a de que é possível fazer mais com os recursos atualmente disponíveis. Será?
Se considerarmos que o uso adequado das verbas é um dos problemas na área da saúde, essa seria sim uma opção, mas é difícil acreditar em uma rápida melhora das condições de assistência e prevenção, sem investimentos robustos na saúde. A situação é de emergência.
É benvinda a proposta anunciada pelo novo presidente em campanha de adotar o “Prontuário Eletrônico Nacional Interligado”. Segundo o plano de governo seria o pilar da saúde. A proposta é a de que postos, ambulatórios e hospitais sejam informatizados com todos os dados de atendimento e que registrem o grau de satisfação do paciente ou responsável. O cadastro do paciente, segundo Bolsonaro, reduziria os custos ao facilitar o atendimento futuro por outros médicos em diferentes unidades de saúde, além de permitir cobrar maior desempenho dos gestores locais.
Mas será que esse é o principal problema? Não seria melhor fazer uma força-tarefa para identificar quais os principais gargalos da saúde no país, antes de falar que a pasta não precisa de mais recursos? E com os recursos atuais seria importante priorizar no prontuário eletrônico? A ideia de um prontuário eletrônico e unificado não é nova.
Outro ponto do projeto é o credenciamento universal de médicos que, segundo ele, abriria caminho para que toda força de trabalho da saúde possa ser utilizada pelo SUS, “garantindo acesso e evitando a judicialização”. Bolsonaro se compromete a criar o que chama de carreira de médico de Estado, no intuito de atender áreas remotas e com carência de profissionais – demanda antiga da classe médica e defendida fortemente por entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). Agentes comunitários de saúde, de acordo com o plano de governo, seriam treinados para se tornarem técnicos de saúde preventiva numa tentativa de auxiliar o controle de doenças como diabetes e hipertensão.
Outra proposta é estabelecer nos programas neonatais a visita ao dentista pelas gestantes. Interesse essa proposta, pois, como outras que apareceram no plano de governo, não se verifica qual a eficácia dessa medida a curto e médio prazo. Na verdade, não há estudos incontestes afirmando que o nascimento de prematuros está relacionado à saúde bucal da mãe.
Chamam atenção algumas medidas que, se realmente implementadas, serão positivas a longo prazo. Apresentam de positivo o olhar para a prevenção à doença. Desta forma, o programa de governo pretende o fortalecimento da atuação na área da promoção da saúde, por meio de políticas regulatórias e tributárias (tabaco, sal, gorduras, açucares, agrotóxicos etc.), e de programas que incentivem a atividade física e alimentação saudável.
O estímulo à inovação na saúde, com ampliação e aplicação da internet e aplicativos é um importante atrativo; mas, exposto de forma tão genérica que parece, inclusive, não estar afinado com a legislação atualmente existente sobre a telemedicina. Sem dúvida, porém, os recursos tecnológicos serão a forma possível e mais barata de se alcançar um maior número de pessoas em um país continental.
O grande receio é de que a saúde, mais uma vez, saia da prioridade do governo eleito, para ser uma mera coadjuvante. Reforma da Previdência, Reforma Política, entre outras discussões podem “passar à frente”, sem pedir licença na agenda presidencial. E, assim, os brasileiros continuarão enfrentando grandes filas para cirurgias, para exames e condenados a perderem suas vidas nas portas e nos corredores dos hospitais.
Consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em saúde pública, ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro do Comitê de ética e Pesquisa em Seres Humanos da UNESP/SJC.